Viagem da Kika, Açores, Portugal; relato de viagem nº 21
Tivemos que partir do Brasil em meados de maio, mas para onde? Quando você mora num veleiro em qualquer lugar está em casa, no entanto do jeito que estão as fronteiras nossas opções ficaram limitadas, principalmente para fazer charters. Açores, talvez seja uma opção…
Não precisamos de muito para viver
No Antarctic temos bastante autonomia, nos movemos com ajudo dos ventos, temos um reservatório com 3.500 litros de diesel, geramos energia solar e eólica, contamos com 1.800 litros de água doce, há espaço para levar alimentos não perecíveis para vários meses e pescamos (apesar dos peixes estarem acabando). A vida embarcada nos ensina que não precisamos de muito para viver bem.
Açores, porta de entrada para a Europa
Decidimos navegar rumo norte, uma vez que o inverno se aproximava ao sul. No Caribe a temporada de furacões começa em junho. Isto posto, não seria prudente ir para aquela região. Os Açores se apresentaram então como uma boa porta de entrada para a Europa, uma vocação deste arquipélago português por séculos.
Zarpamos do Saco do Mamanguá (Paraty) para uma travessia de 4.000 milhas náuticas até os Açores. Minha filha Samanta e seu companheiro Téo embarcaram conosco, uma tripulação de primeira e a melhor companhia imaginável, de quebra cozinham divinamente.
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Ancoramos para dormir em Fernando de Noronha sem desembarcar oficialmente uma vez que já havíamos feito a saída do Brasil. Passamos ao largo do arquipélago brasileiro de São Pedro e São Paulo de noite, as cartas locais são pouco detalhadas e a ancoragem difícil, avistamos o farol à distância.
Vimos muitos peixes-voadores, um deles até aterrissou na minha cama…deve ter entrado gaiuta adentro atraído pela luz. Vislumbramos uma enorme tartaruga, elas nadam do Brasil até a África levadas pelas correntezas marítimas e depois retornam para colocar seus ovos na praia onde nasceram. Avistamos também vários golfinhos, caravelas-portuguesas e extensas áreas de sargaço.
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Foram 35 dias de navegação praticamente num só bordo, orçando. No hemisfério sul os ventos alísios sopram direção sudeste, nos levando rumo à costa africana até umas 600 milhas de Cabo Verde. Próximos ao equador atravessamos a instável região dos doldrums com pouco vento e muita chuva. Após o marasmo, já no hemisfério norte, entraram os intensos e constantes ventos alísios de direção nordeste, virando nosso barco quase 90˚ com velas na mesma amura.
Centro de altas pressões do Atlântico Norte
A região dos Açores é um grande centro de altas pressões do Atlântico Norte, o fenômeno é chamado de Anticiclone dos Açores, influenciando o tempo e o clima de vastas áreas.
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Ilha Diego Garcia, última colônia britânica na África será devolvidaVulcões submarinos podem ser a origem da lenda da AtlântidaPavimentação da Estrada de Castelhanos provoca tensão em IlhabelaO arquipélago fica a meio caminho entre o velho e o novo mundo. No tempo da navegação astronômica era um entroncamento de rotas obrigatório para quem navegava entre os dois continentes.
Devido ao regime de ventos até hoje os veleiros que fazem a travessia do Caribe e da América do Norte para a Europa passam necessariamente pelos Açores, sendo o porto da Horta, na ilha do Faial, a escala preferida para abastecimento. Lá, o mítico Peter Café é um ponto de encontro de velejadores do mundo inteiro.
No final do sec XV, durante a célebre era dos descobrimentos portugueses, com fortes hipóteses de terras a descobrir para ocidente, fixaram residência no arquipélago experientes navegadores.
Um século depois, não havendo mais terras para descobrir, os navegadores açorianos partem em busca da pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova, chegando mais tarde até a Groenlândia.
Baleeiro americano chega nos Açores
Em 1765 o primeiro barco baleeiro americano chega nos Açores, iniciando assim o desenvolvimento da indústria da caça à baleia cachalote nas ilhas. Recrutados para trabalhar nos barcos baleeiros americanos muitos açorianos deixaram para trás a vida de pobreza e começaram a imigrar massivamente para os EUA.
Nove ilhas, bem diferentes entre si
O arquipélago é composto por nove ilhas, bem diferentes entre si. Chegamos em Flores, a mais ocidental e conhecida por sua beleza, mas não pudemos permanecer pois o porto estava em obras.
Seguimos então para Horta, onde encontramos o porto repleto de veleiros de passagem para a Europa. O esquema para entrada era bastante eficaz, vieram nos buscar de barco para fazer o teste PCR e, com o resultado negativo, podíamos desembarcar.
Seis dias depois fizemos um segundo teste e recebemos o visto de entrada na UE. Com exceção de São Miguel, a ilha mais turística, as demais ilhas estavam livres de casos covid.
Ilha do Faial
Alugamos uma scooter e percorremos a ilha do Faial por estradinhas entre paisagens muito verdes com vacas gordas e felizes.
Em torno do vulcão central se organizou a ilha, mas foi em Capelinhos a última erupção apenas 60 anos atrás, deixando o farol semienterrado e uma paisagem lunar. Saboreia-se peixes e frutos do mar acompanhados de queijos e vinhos locais por toda parte.
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Ilha do Pico
Seguimos para a ilha do Pico e ancoramos em São Roque do Pico. O majestoso vulcão, onipresente e sempre envolto em nuvens, é o ponto mais alto de Portugal.
Alguns antigos vinhedos, que mais parecem labirintos de muros de pedras, são considerados patrimônio da humanidade. Aqui, como em todas as ilhas, as pessoas são de uma gentileza contagiante.
Ilha São Jorge
Navegamos então para a ilha São Jorge e ancoramos no porto de Velas. As sucessivas erupções vulcânicas aconteceram em linha reta, originando assim a ilha.
Para chegar até as fajãs, leitos de lava plana que penetraram no mar, é necessário descer do alto das falésias por longos e tortuosos caminhos, para encontrar lá embaixo gente que ainda vive das técnicas ancestrais.
Na Freguesia das Manadas visitamos a igreja de Santa Bárbara, uma pérola arquitetônica construída sobre uma modesta capela que remonta a 1485.
De lá zarpamos descansados, abastecidos e com a alma nutrida rumo à França.