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Turbinas eólicas: a Caatinga, conflitos, e a paisagem no litoral

Turbinas eólicas: a Caatinga, conflitos, e a paisagem no litoral

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia eólica compõe 10,9% da matriz elétrica do Brasil e deve atingir 13,6% até o final de 2025. A maioria dos grandes parques eólicos se localiza no Nordeste. Além disso, o Ministério de Minas e Energia informa que quase metade da energia do Brasil vem de fontes renováveis, principalmente de hidrelétricas. Recentemente, a energia eólica e solar estão se destacando mais. É vital investir em energias renováveis devido ao aquecimento global. No entanto, há pouca discussão sobre os problemas das turbinas eólicas na Caatinga e no litoral. Estes conflitos são sérios e afetam principalmente as populações pobres, que muitas vezes não têm voz. Este post busca trazer mais atenção a essa questão.

A proteção da paisagem brasileira, um bem de todos os cidadãos

Este site tem focado bastante na questão da paisagem recentemente. O principal motivo é a falta de atenção que ela recebe tanto na mídia quanto nas redes sociais. Outro ponto importante é que as novas gerações, ao visitarem o litoral, já se deparam com uma paisagem bastante prejudicada pela especulação imobiliária e pelo crescimento desordenado. É essencial lembrar a esses jovens que a situação nem sempre foi essa e que ainda há muito a ser protegido. Além disso, um fato pouco conhecido é que a Constituição brasileira defende a paisagem como um princípio, assim como faz com as florestas. Como já foi mostrado, todas as Constituições do Brasil, desde a de 1937 até a de 1988, incluem esse princípio.

Aos poucos as comunidades do litoral nordestino estão percebendo os malefícios da especulação. E isso é motivo para comemorar. Imagem, Agência Pública.

A falta de conhecimento leva à aceitação passiva, o que é um efeito direto da ignorância. Isso explica por que o belíssimo litoral brasileiro sofre uma severa decadência sem quase acontecer protestos dos cidadãos. Pergunto ao leitor: quando foi a última vez que você viu uma matéria na mídia sobre a questão? Eu, pessoalmente, não me lembro. Parece haver um tabu na imprensa em destacar a especulação imobiliária no litoral que desfigura o litoral.

Neste contexto, surge a questão das turbinas eólicas, muitas instaladas na zona costeira devido aos ventos constantes. Mas essa não é a única questão problemática que elas trazem.

Conflitos em comunidades na Caatinga e ao longo do litoral

Nas minhas viagens pelo litoral, ao visitar comunidades, raramente deixei de ouvir reclamações variadas. Os motivos incluem conflitos entre pescadores artesanais e industriais, condições de vida precárias e falta de políticas públicas. Além disso, muitas comunidades, especialmente no Nordeste, foram surpreendidas por enormes parques eólicos ao seu redor.

O mesmo problema se verifica na Caatinga. “Onde eles botam essas bichas, ninguém pode trabalhar. Onde tem essas bichas, casa não pode ter perto. Que nem essa aí”, fala indignado José Ponciano de Oliveira, 73 anos à Agência Pública, enquanto aponta para o enorme aerogerador, de 135 metros de altura, construído ao lado de sua casa. Ele mora há mais de 40 anos no sítio Cabeça dos Ferreira, comunidade quilombola Macambira, Rio Grande do Norte.

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Família Oliveira convive dia e noite com o aerogerador instalado em sítio vizinho, a 110 metros de sua residência, na comunidade quilombola da Macambira. Imagem, Agência Pública.

‘A monumentalidade e o barulho constante do aerogerador dominam todo o ambiente: casa, terreiro e curral. Pouco mais de cem metros separam a casa da turbina. O equipamento é instalado em uma propriedade vizinha, mas bem próximo à cerca e à casa de Ponciano’.

Pela regulamentação vigente, destaca a Agência Pública, a resolução Conama 462, de 24 de julho de 2014, a distância não poderia ser menor que 400 metros, pelos riscos envolvidos e impactos gerados na operação do equipamento.

Assista ao vídeo da Agência Pública que mostra os conflitos na Caatinga

O aumento da energia eólica

O aumento da energia eólica é positivo. De acordo com a ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica Onshore e Offshore e Novas Tecnologias, cada real investido em eólicas gera um impacto de R$ 2,9 no PIB e cria cerca de 11 empregos por MW instalado.

A mesma fonte indica que, em 2022, foram instalados 109 novos parques eólicos, todos no Nordeste. A Bahia liderou com 52 parques, seguida pelo Piauí com 24 e pelo Rio Grande do Norte com 26, embora este último gere menos potência (MW) que o Piauí, ficando em terceiro lugar. Dos 937 parques eólicos no Brasil, 827 estão no Nordeste, sendo o Rio Grande do Norte o estado com mais parques em operação, totalizando 261.

Caatinga abriga 78% de todas as turbinas instaladas

Os problemas com a energia eólica começam com a localização das turbinas. A Caatinga, um bioma desprotegido, abriga 78% de todas as turbinas do Brasil, e a maioria restante está no litoral. Isso está transformando a bela paisagem litorânea nordestina em uma área repleta de torres eólicas.

Além disso, existem outros problemas. Uma reportagem da BBC destacou os impactos negativos da energia eólica no Nordeste. Segundo Felipe Melo, do Departamento de Botânica da UFPE, o Nordeste produz 86% da energia eólica do Brasil, com a Caatinga abrigando a maior parte das turbinas. Melo destaca que a Caatinga é vulnerável, porque apenas menos de 10% de suas áreas têm proteção legal e, dentre estas, somente 2% estão na categoria de proteção integral.

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Melo reconhece a importância da energia eólica para atingir metas de desenvolvimento sustentável, mas alerta sobre seus impactos na natureza. Morcegos e aves, que controlam pragas, colidem com as pás das turbinas e morrem.

Os ecossistemas sensíveis, incluindo áreas montanhosas e dunas litorâneas, também sofrem impactos e necessitam de avaliações mais rigorosas.

Ponta Tubarão, no Rio Grande do Norte

A BBC detalha outro caso de impacto ambiental causado pela energia eólica na Ponta Tubarão, no Rio Grande do Norte. Com a instalação dos parques eólicos, surgiram conflitos significativos com os moradores. As principais questões foram as mudanças no acesso à praia e a poluição visual causada pelas torres eólicas em uma área turística, prejudicando a atividade na região.

Adryane Gorayeb, geógrafa da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Observatório da Energia Eólica, uma rede de pesquisadores de universidades públicas de cinco estados brasileiros, compartilha preocupações semelhantes. Conforme relatado pela BBC, ela afirma que a energia eólica não está livre de impactos. Para avançar na geração de energia eólica no País, é necessário um melhor planejamento na implantação de parques eólicos e na gestão dos benefícios sociais provenientes dessa indústria.

Começa o repúdio explícito das pequenas comunidades do litoral. Imagem, Agência Pública.

Adryane Gorayeb destaca vários impactos significativos causados pelos parques eólicos. Ela menciona a emissão de ruído pelas hélices das turbinas, que pode afetar negativamente a saúde humana, causando distúrbios do sono, enxaquecas e estresse. Outras consequências incluem a interferência nas rotas migratórias de aves e a modificação da paisagem natural. Assim, surgem  conflitos comunitários decorrentes de mudanças no modo de vida tradicional.

Fernando de Noronha e a primeira turbina eólica

Já abordamos este tema anteriormente. Ressaltamos que a primeira turbina eólica do Brasil foi instalada em 1992 em Fernando de Noronha, um dos lugares mais belos da costa brasileira. No entanto, após um raio seguido por um incêndio, as turbinas de Noronha pararam de funcionar. Mesmo assim, os postes ainda permanecem no local, impactando negativamente uma paisagem formada ao longo de eras.

Uma matéria de Giovanna Cardoso no Marco Zero, em 2022, apontou que as torres de geração de energia eólica alteraram não apenas a paisagem no Nordeste, mas também a vida de milhares de pessoas, nem sempre positivamente.

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Assim como outras reportagens, o trabalho de Giovanna não questiona a necessidade de energia renovável, mas desafia a noção de que a energia eólica é uma “energia limpa” e de “baixo impacto ambiental”. Essas expressões, frequentemente associadas à energia eólica, podem não ser tão precisas quanto se acredita.

Enxu Queimado, RN

Giovanna Cardoso relata que a chegada dos empreendimentos eólicos em Enxu Queimado, RN, transformou completamente a vida da comunidade pesqueira. A instalação desses parques alterou a paisagem, causando desmatamento e aterramento de dunas. Isso afetou diretamente o modo de vida dos habitantes, isolando uma extensa área antes usada para agricultura e criação de gado para subsistência.

Quando questionados sobre os benefícios trazidos pelos parques eólicos, os pescadores e pescadoras foram categóricos: não houve nenhum. Eles perderam uma grande área de natureza, tiveram seu território cercado e continuam pagando altas contas de energia. Segundo os moradores, a energia renovável produzida ali não beneficia a comunidade, pois é toda exportada.

Além do cerco às suas terras pelos empreendimentos eólicos e da ameaça da especulação imobiliária, os pescadores de Enxu Queimado enfrentam outro desafio, conforme aponta Cardoso. Eles precisam lutar para não perder o direito à pesca, já que a comunidade pode ser uma das primeiras no Brasil a receber parques de geração de energia offshore.

Aracati, Ceará

Em 2013, o Estadão publicou uma reportagem “Energia limpa’ é alvo de ambientalistas, de Wilson Tosta, abordando os impactos dos parques eólicos no Nordeste. O texto relata a história do pescador José Nazário da Silva, de 49 anos, que mora em uma casa simples sem eletricidade em Canoa Quebrada, em Aracati (CE). Ele observa os grandes cataventos nas dunas, lembrando-se de como a chegada da usina causou desmatamento e não gerou empregos na região.

“Do outro lado da cidade, no Cumbe, Ronaldo Gonzaga, um catador de caranguejos de 32 anos, aponta para os cabos de energia expostos no Parque Eólico Aracati, que tem 67 torres. Ele mostra dunas destruídas por estradas e locais onde removeram sítios arqueológicos para a instalação da geração de energia.”

A reportagem também menciona o caso de Ponta do Tubarão (RN). No Ceará, o professor Jeovah Meireles (que já entrevistamos sobre outro flagelo nordestino, a carcinicultura), da Universidade Federal do Ceará, questiona a noção de “energia limpa”, destacando que a energia produzida está sendo exportada sem benefício local. Ele compara a situação com as plantações de cana-de-açúcar que dominaram a região por séculos, chamando-a de “monocultura eólica”.

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Os impactos socioambientais da energia eólica no Nordeste

O professor Jeovah Meireles, em entrevista ao Usininos, compartilhou os resultados de pesquisas sobre os impactos socioambientais da energia eólica no Nordeste.

Ele explicou que a instalação dos aerogeradores envolve a construção de várias vias de acesso através de campos de dunas móveis, resultando no soterramento de sistemas lacustres. Essas dunas móveis estão sendo artificialmente fixadas, o que desestrutura a dinâmica ambiental e ecológica de um extenso campo de dunas no Ceará, com mais de 500 quilômetros.

Meireles detalhou que os impactos ambientais incluem a desestruturação morfológica das dunas, alterações na paisagem e soterramento de lagoas costeiras. Ele enfatizou que essa alteração leva à perda da formação natural e da mobilidade das dunas, comprometendo sua capacidade de mitigar processos erosivos. Essas mudanças representam uma séria preocupação para a integridade ecológica da região.

“Os parques eólicos estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores

Meireles acentua o potencial energético dos parques eólicos, mas adverte que eles devem ser instalados em áreas adequadas.

…”Estamos observando também que os aerogeradores estão sendo construídos em áreas de intensa dinâmica das praias. Para se ter ideia, os parques estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores. Já foram construídos muros com blocos de rochas para protegê-los. Além disso, os parques estão sendo construídos em manguezais, dentro de áreas que deveriam ser investidas para potencializar a biodiversidade, uma vez que o sistema manguezal tem uma relação muito estreita com a soberania alimentar dos povos e comunidades tradicionais.”

O Brasil parece seguir uma direção contrária às práticas ambientais globais. Enquanto no mundo todo se promove o replantio de manguezais por sua capacidade de proteger a linha costeira. Porém, o mais importante serviço dos mangais neste momento é o fato deles armazenarem quatro vezes mais CO2 do que as florestas terrestres.

A Agência Pública também destacou a transformação da paisagem costeira nordestina devido à energia eólica. “Se alguém viajasse ao longo do litoral cearense junto ao mar, encontraria parques eólicos sobre campos de dunas em quase todas as praias.”

Reiteramos: não há oposição à energia eólica em si, mas sim à forma precipitada e com falta de discussão sobre onde ela está sendo instalada. A instalação de parques eólicos que banalizam a paisagem costeira, destruindo mangues e dunas, representa um contrassenso. É necessário um equilíbrio entre o desenvolvimento de energias renováveis, a preservação de ecossistemas vitais, e a paisagem no litoral.

Assista ao vídeo sobre os conflitos no litoral

Moradores da Vila Sahy protestam contra CDHU

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