Tragédia no Rio Grande do Sul comprova alienação de Brasília
‘Os fenômenos climáticos extremos vieram para ficar, cada vez mais intensos, frequentes e imprevisíveis’, palavras de Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, ao Estadão em 2 de maio. “Até quando vamos correr atrás do prejuízo?”, pergunta ele ao jornalista. O tom da pergunta-desabafo, é claro, e sugere a alienação de Brasília. No Brasil, já dissemos centenas de vezes, o poder público não leva a sério o aquecimento do planeta. O tema só ganha importância em fóruns internacionais ou em entrevistas no exterior. Enquanto as prefeituras, com raras exceções, não tomam ações preventivas, o Estado também se omite, mas o pior exemplo vem da esfera Federal, tanto do Executivo, como do Legislativo. Até hoje não temos políticas públicas apesar de todo o blá-blá-blá em torno da proteção do meio ambiente.
A alienação de Brasília não é de hoje
Desde que começou a discussão mundial sobre quem paga a conta do aquecimento do planeta, no Acordo de Paris, as diversas delegações brasileiras sempre mostraram estar bem preparadas, agindo corretamente, avançando e defendendo nossos interesse. Em geral, foram impecáveis. Mas a ação de Brasília terminou aí.
E que fique clara uma coisa, a crítica deste post não é para o atual governo. Quando escolhemos ‘Brasília’, o fizemos em razão do coletivo. Em outras palavras, o Congresso Nacional, e pelo menos os últimos sete ex-presidentes e respectivos ministros, que não tomaram medidas preventivas a não ser em discursos inócuos e, mesmo assim, raros.
Collor e a Rio-92
O único ex-presidente que abraçou a causa ambiental agindo interna e externamente, foi Collor. Quer queira, ou não, foi no governo dele que aconteceu com grande sucesso a mais importante conferência do clima desde a primeira, de Estocolmo, em 1972; a Rio-92, já lá se vão mais de 30 anos. Além disso, ao formar sua equipe, convidou um dos titãs da causa, José Lutzenberger, para assumir o Meio Ambiente.
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José Lutzenbergern antecipou o que estamos vivendo 49 anos atrás!
‘Se as atitudes dessa pobre gente atestam a miséria de sua existência, a repetição das calamidades provocadas pelas enchentes confirma o que há tempo já se podia prever. Se hoje os estragos são imensos e os mortos se contam às centenas, não tardará o dia em que os flagelados e os mortos totalizarão milhões. Somos incapazes de aprender com nossos erros. As advertências dramáticas da natureza de nada valem. Insistimos no consumo de nosso futuro’.
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Neste outro trecho, Lutzenberger antecipa o perigo que nós brasileiros, e o mundo em consequência, vivemos. ‘No dia em que uma parte significativa da hileia Amazônica deixar de existir, teremos uma mudança fundamental no clima da Terra’.
‘Inversão climática global’ em 1974, dois anos depois da primeira reunião mundial sobre o clima
Em outra prova de sua visão privilegiada, sentenciou: ‘é possível que já estejamos presenciando o começo da inevitável inversão climática global’.
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Dragar o Canal do Varadouro: má-fé, insensatez, ou só ignorância?Emissões de metano têm aumento recordeAcidificação do oceano está à beira da transgressãoVamos repetir, Lutzenberger escreveu assim 49 anos atrás! E vale a pena ler o artigo na íntegra neste link, é uma aula, uma lição que, como ele mesmo diz, ‘cismamos em não aprender’.
De lá para cá, ficamos nos discursos chochos e olhe lá. Que alguém me aponte um prefeito, deputado, senador, ministro, etc, que tenha apresentado projetos para lidar com eventos extremos. O aquecimento global não é abordado com seriedade nem mesmo pela Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso.
Eles se perdem na discussão sobre a Amazônia, ou mexericando sobre ‘a última da bancada ruralista’, mas ações práticas ou políticas públicas, nada.
São por estes motivos que até hoje ainda não temos a regulamentação do mercado de carbono, que pode fazer com que a economia suba às alturas, ou que o Marco Regulatório do Hidrogênio esteja parado no Senado quando, especialmente no caso do hidrogênio verde, todos os analistas sabem que o Brasil pode ser o maior produtor mundial.
Quando é que você viu Marina Silva, ou mesmo o presidente, falar sobre estes assuntos, cobrar pressa ao Congresso, ou mesmo discuti-los com a sociedade?
Tragédias de Teresópolis, Angra dos Reis, São Sebastião, e mesmo o Rio Grande do Sul, não bastaram
Todas estas tragédias, sem nenhuma exceção, aconteceram por incúria e alienação do poder público. A Agência Pública fez um breve mas preciso resumo das ações federais.
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‘O país tem desde 2009 uma Política Nacional sobre Mudança do Clima, que estabelece a necessidade de agir em duas vertentes do problema: mitigação (que é reduzir as causas do aquecimento global, combatendo as emissões de gases de efeito estufa) e adaptação (que é preparar o país para lidar com as consequências que virão mesmo se as emissões caírem a zero de um dia para outro)’.
Desafio quem quer que seja a rebater os dados acima. Eles são a expressão da realidade dos últimos tempos.
Quando você viu Marina Silva na televisão?
Em resumo, os milhares de desabrigados que perderam num átimo tudo o que conquistaram em suas vidas, incluso suas famílias, não merecem a podridão do que se convencionou chamar ‘poder público’ em todas as suas esferas. Sim, há exceções até mesmo entre eles. Mas são cada vez mais raras. E apesar deste escriba acompanhar e estudar o assunto há 20 anos, seguindo atentamente o noticiário de Brasília, não lembro um nome que tenha o mérito de se distinguir do desmazelo da maioria quando o assunto é aquecimento global, e prevenção de suas consequências.
Contudo, se ocorrer ao leitor um nome deste grupo que mereça consideração, por favor informe. Eu adoraria conhecer senadores, deputados, vereadores, etc, que tenham apresentado projetos baseados na ciência para mitigar o drama brutal que agora oprime os gaúchos.
Conheça o ‘Pacote da Destruição que’ está no Congresso
Ao mesmo tempo em que o Rio Grande do Sul passa por um flagelo em razão dos maus tratos ambientais que fortalecem ainda mais o aquecimento global, há no Congresso o que foi batizado por “Pacote da Destruição”.
Nele, estão agrupados 25 projetos de lei, e três emendas à Constituição com grandes chances de avançar. Assim, o Observatório do Clima, rede de mais de cem organizações socioambientais, disponibilizou a lista completa com os nomes de proponentes e relatores, e ainda analisando as consequências ambientais de cada um.
Políticos gaúchos envolvidos com o ‘Pacote da Destruição’: Alceu Moreira (MDB/RS), Lucas Redecker (PSDB-RS), Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Afonso Hamm (PP/RS)
Por exemplo, o PL 364/2019, de autoria do gaúcho Alceu Moreira (MDB/RS) elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais. No fim de março de 2024, o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O parecer foi relatado pelo deputado do Rio Grande do Sul, Lucas Redecker (PSDB-RS).
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O texto pode retirar proteção adicional de toda a Mata Atlântica, bem como deixar completamente desprotegidos cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, diz o OC.
Outros projetos do Pacote da Destruição, igualmente de autoria de gaúchos, são o PL 1282/2019 e PL 2168/2021 que dispõe sobre irrigação em áreas de preservação permanente.
Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Afonso Hamm (PP/RS)
Segundo a análise do OC, a PL 1282/2019 foi apresentado pelo senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), onde foi aprovado no final de 2023. Agora, está na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), aguardando parecer do relator Afonso Hamm (PP/RS).
Para o OC ‘a flexibilização da delimitação e do regime de proteção das APPs gera uma fonte adicional de desmatamentos nessas áreas protegidas. A proposta, além de permitir a derrubada de vegetação nativa, potencializa a crise hídrica e o conflito pela água no país’.
Para nós, o mais perigoso de todos é o PL 2159/2021, Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ministra da agricultura do governo Bolsonaro, é relatora na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), e o senador Confúcio Moura (MDB-RO) é relator na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
O projeto torna o licenciamento ambiental uma exceção em vez de regra. É um escárnio! O projeto propõe o licenciamento autodeclaratório, em outras palavras, entrega o galinheiro aos cuidados da raposa.
Mas tem um ainda pior para a zona costeira, um projeto encomendado pelos artífices da especulação imobiliária, a maior chaga do litoral. Falamos da PEC 03/2022 que retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha. Se passar, será o fim do litoral como já comentamos. De autoria do deputado Arnaldo Jordy (Cidadania-PA) e outros, foi aprovado na Câmara e se encontra na CCJC do Senado, sob relatoria de ninguém menos que o senador Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Você pode ver a lista completa neste link.