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São Jorge da Mina e a Costa do Ouro

São Jorge da Mina e a Costa do Ouro

São Jorge da Mina e a Costa do Ouro é mais um artigo especial para este site de José Alfredo Vidigal Pontes*.

Gravura de São Jorge da Mina
Vista do Castelo da Mina pelo lado noroeste a partir do rio (Atlas Blaeu van der Hem, séc. XVII). Ilustração, www.civilizacoesafricanas.blogspot.com.

O ouro da Guiné

Auspiciosamente, a boa nova durante o processo de expansão portuguesa na direção da costa africana meridional ao longo do século 15 foi uma importante descoberta feita por dois jovens navegadores.  Ou seja: João de Santarém e Pedro de Escobar tomam conhecimento da presença de ouro na região do atual rio Pra, em Gana.

Gana em verde.

Diante disto, toda essa costa hoje correspondente ao sul do Senegal até o Benim era chamada de Costa da Guiné. Então, passa então a ser conhecida como Costa do Ouro e cobiçada por outros navegadores, sobretudo por Castela, a partir de 1471.

Carta náutica de Fernão Vaz Dourado, da África ocidental extraída do atlas náutico de 1571, pertencente ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. Ilustração, www.civilizacoesafricanas.blogspot.com.

A ameaça castelhana

Sem dúvida, Isabel, a rainha de Castela, estava empenhada em explorar as costas africanas, cumprindo desejo antigo de seu pai, D. João II. Desta forma, em agosto de 1475 ela emite um documento oficial reivindicando o direito de explorar e comerciar com as costas africanas ao sul do Cabo Bojador.

Contudo esta medida contrariava o que estabeleciam as bulas papais que concediam exclusivamente aos portugueses esse privilégio, desde que se comprometessem a cristianizar os africanos que fossem contactados. Apesar de tudo, a partir de 1475 os castelhanos armam expedições à Costa da Guiné, mas sem sucesso. Algumas são dominadas por portugueses e escoltadas até Lisboa.

Guerra com Castela

Assim, desde o ano anterior, 1474, havia surgido a disputa pela sucessão de Castela. O monarca português D. Afonso V apoiava o pleito de sua sobrinha Joana ao trono. O mesmo trono que queria Isabel, a “católica”. Em consequência, no ano seguinte tropas portuguesas invadem Castela em deliberado ato de guerra, a qual também se desenrolou na costa africana, com vitória marítima dos portugueses, que consolidaram sua posição em Cabo Verde.

A paz em família

Consoante a gravidade da situação, o conflito só terminaria em 1479/80, por iniciativa da Duquesa de Viseu, Dna. Beatriz, que era tia de Isabel. O Ducado de Viseu tinha direito a rendas ultramarinas substanciais, as quais incluíam a exploração econômica da Ilha da Madeira e do Arquipélago dos Açores. Assim, ambas, tia e sobrinha, se encontraram em Alcântara, próximo à fronteira, e se entenderam! Estava selada a paz.

Tratado de Alcáçovas-Toledo

Oportunamente, pelo Tratado de Alcáçovas-Toledo, firmado no ano seguinte, Portugal aceitava o direito de Isabel à sucessão e por sua vez Castela reconhecia o direito de exclusividade portuguesa de navegação ao sul do Cabo Bojador. Assim sendo, foi legitimado o direito de posse portuguesa de Cabo Verde, Madeira e Açores, e, de outro lado, Portugal considerava como definitiva a posse castelhana das Canárias.

São Jorge da Mina

Consequentemente, com esse retrospecto, dois anos após, a coroa portuguesa toma uma importante inciativa custeada pelos seus próprios cofres. Tratava-se da construção de uma fortaleza na foz do rio Benya, atual Gana, no Golfo da Guiné. Local onde já havia um povoado português conhecido como Aldeia das Duas Partes nas proximidades.

São Jorge da Mina hoje. Imagem, Facebook.

Contudo, a cobiça de outros navegadores europeus, notadamente flamengos, preocupavam os portugueses, que assim firmavam uma sólida posição estratégica entre dois reinos africanos.  A oeste do rio Benya ficava o reino de Egufo e a leste estava Fetu, e ambos não tinham relações amistosas entre si.

Um planejamento esmerado

Desta forma se estabeleceu a fortaleza de São Jorge da Mina, patrimônio da Casa da Mina, monopólio real do comércio de ouro naquela região. Construída em poucos meses com material trazido de Lisboa pela expedição de Diogo de Azambuja. Era uma armada com 10 caravelas, duas naus de carga e um barco pesqueiro, onde foram embarcados 600 passageiros entre artesãos, soldados, comerciantes, pares, marinheiros, mulheres de serviços, equipamentos de artilharia e alimentos. Assim, com toda a minúcia, a muralha inicial e as edificações foram planejadas em Portugal. As pedras vinham meticulosamente já talhadas e numeradas. As peças de madeira já serradas.  Com este aparato, Azambuja, Cavaleiro da Ordem de Avis, saiu de Lisboa com sua frota no dia 12 de dezembro de 1481.

Negociação

No entanto, o rei de Eguafo, Nana Kwamena Ansah, senhor do local na fronteira com Fetu, onde se instalaria a fortaleza, não gostou da disposição portuguesa de se fixar no território de forma permanente. Preferia manter as relações anteriores, de trocas periódicas em visitas ocasionais dos lusos.

“S. Georgii Oppidum” (Braun e Hogenberg. “Civitates Orbis Terrarum”, 1572). Ilustraçao, Wikipedia.

 Todavia acabou se rendendo ao argumento português de que os europeus seriam hóspedes e a fortaleza estaria em seu território. As justificativas portuguesas foram reforçadas por presentes e oferendas.

Construção rápida

Contudo, apesar da autorização real houve resistências por parte da população devido à uma crença segundo a qual seria sagrado o local onde começou a ser construída a fortaleza. Um penhasco rochoso, no braço direito da embocadura lacustre do Benya, onde se cultuavam as divindades marítimas. Assim mesmo, Azambuja deu seguimento às obras erguendo uma muralha de pedras no entorno do rochedo em apenas 20 dias, além de algumas casas e a parede de uma torre, Em poucos meses a obra estava concluída!

Próspera feitoria

Em seguida a armada regressou a Lisboa. Entretanto, Azambuja permaneceu como comandante da fortaleza com uma guarnição de 60 homens, até 1484, quando voltou ao reino. Dentre os oficiais comandados por Azambuja estava um certo genovês radicado em Portugal, conhecido como Cristóvão Colombo.

Fortaleza de São Jorge da Mina e Castelo no Monte de São Tiago (1750). Ilustração Wikipedia.

São Jorge da Mina foi durante um século e meio uma sólida e próspera cidadela comercial em mãos lusas: fonte de ouro, marfim, pimenta malagueta, grão do paraíso, macacos, papagaios e escravos. Estes produtos eram trocados por tecidos e utensílios de latão, sal e até mesmo cavalos. O ouro da Mina enriqueceu a coroa portuguesa, que voltou a cunhar moedas de ouro.

Hostilidade holandesa

Todavia eram indisfarçáveis as pretensões dos holandeses, os quais já haviam se instalado na Costa da Guiné desde 1612 com uma fortaleza em Mori. A partir daí começaram a fustigar os navios portugueses em toda a costa. Até que, em 1625, com uma grande esquadra fazem um ataque à fortaleza, mas são vencidos ardilosamente pelos lusos, estes auxiliados por combatentes africanos dos reinos de Eguafo e Fetu.

O fim da presença portuguesa

Afinal, em 1637, doze anos depois, os holandeses fazem uma novo investida e saem vitoriosos, conquistando a fortaleza. Os portugueses estavam fragilizados, sem apoio da metrópole, bastante decadente com a dominação espanhola, e desta vez sem reforço das tropas locais. Alguns melhoramentos foram feitos pelos holandeses e posteriormente pelos ingleses, que tomaram a praça forte em 1873. Ainda bem preservada, a fortaleza de São Jorge da Mina fica na cidade ganesa de Elmina.

*José Alfredo Vidigal Pontes: historiador e jornalista. Graduado em História pela USP é autor de livros sobre a história do Brasil.

 Leituras recomendadas:

Ballong-Wen-Mewda, J. Batoo’ra – São Jorge da Mina 1482-1637:

La vie d’um comptoir portugais em Afrique Occidentale, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

Boxer, C. R. – O Império Marítimo Português 1415-1825, Lisboa, Edições 70, 2017.

Costa, João Paulo Oliveira e (coord.) – Rodrigues, João Damião – Oliveira, Pedro Aires _ História da Expansão e do Império Português, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2014.

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