Reserva Extrativista Marinha de Tracuateua: cerca de nove mil pessoas dependem dela para viver
Reserva Extrativista Marinha de Tracuateua: ENTENDA
Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. As populações que vivem nessas unidades possuem contrato de concessão de direito real de uso, tendo em vista que a área é de domínio público. A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e com o disposto no plano de manejo da unidade. A pesquisa é permitida e incentivada, desde que haja prévia autorização do Instituto Chico Mendes.
CARACTERISTICAS
BIOMA: Marinho Costeiro
ÁREA: 27.864,08 hectares
LOCALIZAÇÃO: Município de Tracuateua, Pará
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 20 de maio de 2005
Tipo: uso sustentável
Plano de manejo: a UC não tem Plano de Manejo
Caderno de Anotações
A Reserva Extrativista de Tracuateua tem duas diferenças, se comparada às outras UCs paraenses. Uma, é a presença de campos em sua área, além do tradicional manguezal e lâmina d’água. A outra, é que os extrativistas pescam também em lagoas de água doce.
Três vezes 30, dá pra jogar no bicho?
A unidade ocupa 30% do território do município. Curiosamente, 30% da população de Tracuateua, estimada em cerca de 30 mil pessoas (IBGE), depende dela para sobreviver. O município nasceu como parada da ferrovia Belém-Bragança, cuja construção começou em 1883.
Sua economia é fraca, depende basicamente da agricultura e extrativismo. Dentro da área da Resex existem 130 famílias de usuários, no entorno, outras 2.200. A atividade mais forte é a catação de caranguejos.
Os problemas da Reserva Extrativista Marinha de Tracuateua
Infelizmente são os mesmos apresentados na outras UCs do Pará: aumento da população de usuários, conseqüente diminuição dos estoques de peixes e crustáceos; dependência dos atravessadores, grande quantidade de animais soltos na área da Resex, entre eles búfalos e, especialmente, cavalos.
E ainda o conflito entre moradores e caçadores, principalmente de marrecas e patos. Pesca predatória também é apontada como problema, além da invasão de pessoas de fora durante a “andada“, ou período de acasalação dos caranguejos.
O chefe da unidade, Paulo Henrique Oliveira, explicou que, no passado, cada caboclo tinha seu cavalo para locomoção. Depois que as estradas de terra foram abertas, mais recentemente, as pessoas compraram motos largando os cavalos ao próprio destino.
É grande a quantidade de animais soltos no meio das estradas, nos campos, em toda a parte. De acordo com Paulo, se eram úteis no passado hoje os cavalos são uma ameaça para a Resex. Junto com búfalos, invadem as áreas onde os usuários cultivam tabaco e mandioca e, muitas vezes, são causadores de desastres na estradas.
Meros de 180 quilos, reminiscências da Resex Tracuateua
Na entrevista com o presidente da associação de usuários, ‘Mandira’, ficou nítida a nostalgia do passado. Com um semblante triste, ele fala da época em que fisgar um Mero, com até 180 quilos, era prática comum. Era…”Hoje não tem mais”, diz resignado.
Quantas vezes ouvi isso ao longo desta série? Perdi a conta. É quase um mantra dos pescadores artesanais. Hoje os Meros estão na lista do Ibama de peixes ameaçados de extinção, ao lado de outras 97 espécies marinhas.
Motivo? De acordo com o ICMBio “para as espécies marinhas, a pesca excessiva, seja direcionada ou incidental, é a ameaça que mais se destaca.”
E quem deveria cuidar da pesca excessiva no Brasil? O Ibama, com sua super frota de três barcos. Eu disse um, dois, três barcos: é tudo que o Ibama tem para fiscalizar a costa brasileira.
“No Brasil, o meio ambiente nunca foi levado a sério”
A frase acima foi dita por um dos ícones do ambientalismo brasileiro, em entrevista para este site: Maria Tereza Jorge Pádua, responsável pela criação da primeira unidade de conservação marinha, ainda no tempo dos militares, o Atol das Rocas.
Quanto mais conheço, quanto mais estudo o assunto, mais certeza tenho que a frase é pura verdade. O maior ativo brasileiro, não canso de repetir, é sua biodiversidade.
Esta é a maior vantagem competitiva do país, o que nos diferencia dos outros 192 membros da ONU. Mas, aqui na terrinha, nossas autoridades não dão pelota.
O Crack, a polícia corrupta, e a morte de peixes por veneno: problemas da Resex Marinha de Tracuateua
Donda foi presidente da associação dos usuários, de 2008 até 2014. Ele é uma das lideranças mais respeitadas da Resex, por isso Paulo Henrique Oliveira, chefe da UC, me levou até ele.
Fiquei estarrecido com o que ouvi. Donda mora na comunidade de Nanã, distante 21 quilômetros de Tracuateua. Neste trajeto, diz ele, “há oito pontos de venda de crack”. E a polícia, perguntei, não age, não dá em cima?
“Eles passam lá pra pedir propina”, respondeu. Custei para recuperar o fôlego. Essa gente simples, honesta e generosa, características dos nativos da costa, não merece mais este desplante.
Mas a desfaçatez não fica nisso. Donda contou que quando acontecem furtos, desentendimentos, a polícia só aparece se for paga pelos moradores. Essa é a triste sina destes credores da sociedade.
Sobre a pesca, ele confirmou o que já sabemos. Disse que quando começou a pescar “matávamos 2 a 3 toneladas por semana”, e completou, “agora, em 15 dias não tiramos nem uma tonelada”.
Como em outras Resex, os pescadores de Tracuateua ficam na mão do “patrão”, segundo Donda, ao se referir aos atravessadores. São eles que fazem o preço, emitem vales, e acabam transformando os pescadores em reféns.
Para piorar, dentro da própria Resex alguns usuários, no desespero, matam peixes usando veneno, ou usam equipamentos condenados, como a “fuzarca”, um tipo de curral, ou cerco, extremamente danoso.
A estrutura da Reserva Extrativista Marinha de Tracuateua
Mais uma vez, sem novidades. Paulo Henrique Oliveira, o chefe, está sozinho para lidar com esta montanha de problemas.
Ele ainda pode se considerar um privilegiado pelo ICMBio, se é que vale a ironia, já que tem “uma voadeira” como barco de apoio. “Mas falta um barco maior, capaz de enfrentar a área costeira”, conta.
Para fugir dos atravessadores, “problema que acontece em todo o litoral do país”, como diz, Paulo organiza feiras, de modo que os usuários da Resex possam ficar cara a cara com os consumidores. O Plano de Manejo está para sair. E, entre as prioridades, está em andamento um projeto para descobrir a capacidade de suporte da unidade.
SERVIÇOS
Não há restrições para a visitação. Mais informações sobre a Unidade de Conservação: COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR4 – Belém
TELEFONE: (91) 3241.2621 / 3224-5899
Assista ao documentário sobre a Reserva Extrativista Marinha de Tracuateua