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Reserva Extrativista Acaú-Goiana, Pernambuco

Reserva Extrativista Acaú-Goiana

Reserva Extrativista Acaú-Goiana: área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

CARACTERÍSTICAS

BIOMA: Marinho Costeiro

ÁREA: 6.676,69 hectares

LOCALIZAÇÃO: Municípios de Pitimbú, e Caaporã, Paraíba; e Goaina, Pernambuco

DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 26 de setembro de 2007

Tipo: uso sustentável

Plano de manejo: não há.

Reserva Extrativista Acaú-Goaina, ameaças a curto prazo

Em curto e médio prazo a Reserva Extrativista Acaú-Goiana está condenada. Não acredito que consiga sobreviver por muito tempo “assegurando o uso sustentável de seus recursos naturais”.

A área de mangue que ocupa é muito pequena. Apenas seis mil hectares, entrecortada por rios poluídos, e cercada por múltiplas pressões.

A área da Resex Acaú-Goiana

O vilão histórico da Reserva Extrativista Acaú-Goiana

Por 400 anos a cana-de-açúcar foi a grande vilã. Pernambuco perdeu quase toda a sua capa de Mata Atlântica para a cana.

Rodando pelas estradas litorâneas do estado tudo que se vê são plantações. Elas chegam a ‘grudar’ no pouco do que restou de mangue. É impressionante!

A floresta que ficava na retaguarda do manguezal não existe mais. A Mata Atlântica e a restinga protegiam sua qualidade e vitalidade. Sem esta salvaguarda qualquer chuva mais forte pode causar um enorme estrago.

A água da enxurrada lava o chão da plantação, em seguida carrega para os rios a lama e os agrotóxicos usados. Antes de chegar no estuário, o caldo mortal passa pelas raízes dos manguezais…

No ano 2000 também a famigerada carcinicultura se instalou na região

Além da cana, a partir do ano 2000 também a famigerada carcinicultura se instalou na região. Numa ilha que fica dentro da APA.

Como conseguiu a licença?, perguntei ao analista que nos acompanhou. “Eram projetos de 2003, antes da atual legislação.”

A criação de camarões também causou problemas. A ilha onde foram instalados os tanques tem 900 hectares. De acordo com o analista ela foi grilada por um ex-fiscal do IBDF e, posteriormente, vendida ao grupo de Marco Maciel, ex-presidente da república e dono de uma das maiores empresas de criação de camarões do Nordeste.

700 hectares foram desmatados para a construção dos tanques de criação

Do total, 700 hectares foram desmatados para a construção dos tanques de criação.

Como se sabe, a prática é extremamente poluidora, além de destruir um importante berçário de vida marinha, e  introduzir uma espécie exótica, o camarão panaeus vannamei, originário do Pacífico.

As duas práticas são consideradas as maiores causadoras de perda de biodiversidade mundial. Mais adiante, em 2007, a doença conhecida como Mancha Branca, deu cabo da produção. Hoje a ilha está abandonada.

A carcinicultura é um flagelo

É tão agressiva que países como Estados Unidos, e alguns da Europa, deixaram de importar camarões do Brasil. Porque eles sabem dos terríveis prejuízos ao meio ambiente.

Bombas sugam a água do estuário para as piscinas de criação de camarões

Aqui, como não poderia deixar de ser, a pílula foi dourada. Pouco se fala no tema.

Como a vasta maioria das fazendas de camarão são de propriedade de políticos, ou de ‘seus amigos’, entre eles prefeitos, deputados e senadores, a mudança do código foi inevitável.

Essas áreas perderam sua proteção de modo que as fazendas pudessem ser regularizadas. Mais um escândalo ambiental que passou praticamente a limpo, sem destaque  ou cobertura pelos jornais e revistas.

Uma estrada foi construída em pleno mangue para escoar a produção

Sinto orgulho por ter sido um dos únicos a reclamar, e mostrar a importância do bioma, na época da reforma. Escrevi vários artigos para o Estadão alertando que, na época, os manguezais foram esquecidos pela mídia. A reforma do Código Florestal representou um réquiem para os manguezais

Histórico da cana-de-açúcar no Brasil

Não se pode tratar este assunto sem que todos os lados sejam revisados, mesmo que de maneira breve.

Como se sabe, a cana foi introduzida ainda no período colonial. Hoje é um de nossos principais produtos de exportação.

O Brasil é o maior produtor mundial (açúcar e etanol). E  metade do açúcar comercializado no mundo também é ‘made in Brazil’.

De acordo com dados do Governo Federal o volume de exportações previsto para 2019 deve atingir  32,6 milhões de toneladas.

setor sucroalcooleiro é representado por 350 indústrias

O setor sucroalcooleiro é representado por 350 indústrias. Elas geram um milhão de empregos diretos e indiretos. Portanto, trata-se de produto importante para nossa economia mas que, infelizmente, pelo uso de técnicas arcaicas, é prejudicial ao meio ambiente.

Entre ‘técnicas arcaicas’ podemos citar as ‘caieiras’ comuns no Nordeste até o final dos anos 70. Caieiras eram fogueiras feitas com corais arrancados do litoral para produzirem cal. O produto era vendido para a construção civil, ou aplicado como corretor de Ph do solo nas plantações de cana.

Felizmente o absurdo faz parte do passado. Mas ainda restam o uso, muitas vezes abusivo, de implementos, agrotóxicos, corretores de solo, etc. E as terríveis queimadas para a despalha, que existem até hoje. Elas simplesmente calcinam o solo.

Resex Acaú-Goiana. Fogo no canavial

O único Estado que promete encerrar as queimadas é São Paulo

Em 2014 foi abolida nos locais onde é possível a colheita mecanizada e, em 2017, serão proibidas até nas áreas onde não há tecnologia para a colheita. Isso sem falar no corte absurdo que a Mata Atlântica nordestina sofreu. Sobrou muito pouco da cobertura vegetal original.

Novos dados da Mata Atlântica

Os novos dados do Atlas dos Remanescentes Florestais de Mata Atlântica, período 2012/2013, publicado pela S.O.S Mata Atlântica, e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), são tristes.

O estudo aponta desmatamento de 23.948 hectares (ha), ou 239 Km², de remanescentes florestais nos 17 Estados da Mata Atlântica no período de 2012 a 2013, um aumento de 9% em relação ao período anterior (2011-2012), que registrou 21.977 ha.

A taxa anual de desmatamento é a maior desde 2008, cujo registro foi de 34.313 ha. No período 2008 a 2010, a taxa média anual foi de 15.183 hectares. No levantamento de 2010 a 2011, ficou em 14.090 ha.

Nos últimos 28 anos, a Mata Atlântica perdeu 1.850.896 ha, ou 18.509 km2 – o equivalente à área de 12 cidades de São Paulo. Atualmente, restam apenas 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 ha (grifo meu). Somados todos os fragmentos de floresta nativa acima de 3 ha, restam 12,5% dos 1,3 milhões de km2 originais.

Os três estados que mais desmataram no período são, respectivamente, Minas Gerais, Piauí e Bahia. Pernambuco ocupa a sétima posição no ranking, tendo suprimido uma área de 155 hectares.

Novas ameaças à Reserva Extrativista Acaú-Goiana

Hoje o norte de Pernambuco, divisa com Paraíba, onde se localiza a Unidade de Conservação, passa por uma dramática mudança de perfil econômico: da agricultura para polo industrial.

Na divisa da resex há uma área de 470 hectares de fábricas, incluindo três montadoras, um polo cimenteiro e outro farmoquímico. Eles geram empregos, produzem riqueza, aumentam a arrecadação dos Estados onde estão instalados. Mas muitas empresas ainda produzem consequências nefastas ao meio ambiente.

Reserva Extrativista Acaú-Goiana. Ainda há barcos a vela na área da Resex. São poucos mas ainda resistem

Reserva Extrativista Acaú-Goiana: poluição industrial da JEEP e KLABIN

Conversando com o analista ambiental, Elivan Arantes que nos recebeu, descobri dois problemas gerados pela poluição industrial.

Um foi causado pela montadora JEEP, que tem uma fábrica monumental ‘no quintal’ da resex. A água usada pela empresa é descartada através de uma vala que corre ao longo da estrutura da fabrica, até atingir a mata, fora dela.

Como o local é alto, com um morro que desce para áreas de mangue, uma escadaria foi construída para evitar erosão. Só que ela não chega até o solo. Para no meio do caminho. A água, então, desce em forma de enxurrada. O resultado são imensas voçorocas no solo, e alteração do microclima da região que não suporta o excesso de água doce.

A escadaria da JEEP

Reserva Extrativista Acaú-Goiana: outro problema aconteceu com uma fábrica da Klabin

Outro problema aconteceu com uma fábrica da Klabin, instalada na região desde 1980, ampliada em 2014. Quando entrou em operação, em 2015, perceberam que não haviam aumentado a capacidade de tratamento de seus efluentes. Houve despejos na água, o que gerou forte mortandade de peixes, impedindo pescadores de exercerem sua profissão.

De acordo com a mídia local, a Klabin tem um passado de poluição mesmo antes desta ampliação quando, ainda nos anos 90, a fábrica chamava-se PONSA.

Junto com a Usina Santa Tereza, e Usina Maravilha, a fábrica de papelão da Klabin era constantemente acusada de descarte de efluentes no rio Gioana, que passa dentro da resex, entrecortando seu minguado manguezal. Agora, em 2015, aconteceu novamente. Os pescadores de Baldo do Rio foram especialmente afetados. E, mais uma vez, denunciaram a indústria.

De acordo com Elivan Arantes, ambas, Klabin e JEEP, receberam dois autos de infração pelo órgão do meio ambiente do Estado. Mas, como disse o analista, “de nada adiantam uma vez que são grandes empresas, trabalham com enormes escritórios de advocacia e quase nunca pagam as multas.” Ele tem razão. Menos de 0,5% das multas ambientais aplicadas são, de fato, pagas.

Importante: neste último despejo, em 2015, a Klabin assumiu a responsabilidade alegando um acidente na nova máquina de papel.

O entorno da Reserva Extrativista Acaú-Goiana

Além de nomes sugestivos dos núcleos urbanos, como Carne de Vaca, e Pontas de Pedra, há as praias com os mesmo nomes, cana-de-açúcar, e grandes áreas sendo transformadas em condomínios.

Quem nasce em Carne de Vaca é o quê? Churrasco?

Há placas de “vende-se”, e plantões de vendas, em todos os lugares. Essa é mais uma consequência da transformação do perfil econômico de que falei.

Com as novas fábricas mais pessoas vêm morar perto do trabalho. Como as cidades do entorno são pequenas, em geral pobres, não há serviço de saneamento básico, entre outros.

Quando estes condomínios forem ocupados mais esgoto não tratado será despejado no entorno da resex. E esse é mais um dos motivos pelos quais não me animo com o futuro desta UC.

Elas estão por todas as partes
Resex Acaú-Goiana. Como ficará o entorno da resex com os novos moradores?

A extração na Reserva Extrativista Acaú-Goiana

Mil e quinhentas famílias estão inscritas na resex. Por mês elas extraem cinco toneladas de mariscos, 27 mil caranguejos, e mil e quinhentos guaimuns.

O levantamento para chegar a estes números foi feito junto aos atravessadores que compram a produção revendendo por preço muito mais alto.

A extração é um trabalho duro, difícil, e insalubre, normalmente feito pelas mulheres e, às vezes, filhos de pescadores. Elas passam o dia em baixios, gerados pela maré baixa que deixam à mostra coroas formadas por areia. Ali, com uma espécie de ancinho, revolvem a areia juntando pequenos montes. Então, passam um tipo de puçá, com malha fina, que deixa escapar os mariscos que ainda não atingiram o tamanho ideal, recolhendo os maiores.

Depois de um cansativo dia de trabalho, seguem para a beira-mar onde colocam os moluscos em panelas  até a água ferver para abrir a concha. Em seguida tiram a pouca carne de cada um. Uma parte torna-se comida para as famílias, outra é vendida quase sempre por preço vil.

Reserva Extrativista Acaú-Goiana: quem ganha são os atravessadores

Quem ganha são os atravessadores, como sempre.

Ao ver a pobreza daquela gente sinto uma enorme tristeza. É quase impossível que um dia saiam deste ciclo vicioso que não produz mais que o suficiente para a sua sobrevivência.

É inacreditável que, em pleno século 21, os nativos do litoral ainda vivam desta forma.

É indigno. Faltam políticas públicas para esta gente.

Reserva Extrativista Acaú-Goiana. Marisqueiras em ação, processando o marisco
Pescador Edeburgo, de Carne de Vaca. Marisqueiras em ação

Sobre a pesca, não há dados na Resex. Não se sabe quanto é retirado por mês.

Como é possível assegurar o uso sustentável de seus recursos  se não se sabe quanto é extraído, mesmo depois de sete anos do decreto de sua criação?

Esta é mais uma prova do futuro improvável deste tipo de Unidade de Conservação.

A falta de dados sobre a pesca, mais um problema nacional

E a falta de dados sobre a pesca, mais um problema nacional. Nem mesmo o Ministério da Pesca publica dados sobre a produção anual brasileira.

Pra que criar um Ministério da Pesca se nem isso ele  faz? É, ou não, o país do absurdo, dos conchavos, dos poderosos de Brasília que não fazem senão se locupletarem?

A falta de vontade é tamanha que o IBAMA tem apenas três barcos para fiscalizar toda a pesca na costa brasileira. Dá pra acreditar?

Finalmente, o turismo, que poderia ajudar, ainda não mostrou ao que veio. De acordo com o pescador Edeburgo, com quem saímos, para cá só vem o turismo de massa “que não ajuda a economia, e ainda deixa muita sujeira na praia.”

Resex Acaú-Goiana. O pescador Edeburgo, de Carne de Vaca, foi nosso anfitrião. Foi com seu barco que conhecemos os rios da resex

Estrutura da Resex Acaú-Gioana

Até que não é das piores; são quatro analistas ambientais mas, como alerta Elivan Arantes, três em idade de aposentadoria.

Como na maioria das UCs federais marinhas, a resex não tem barco “o que prejudica seriamente nosso trabalho”, realçou Elivan.

SERVIÇOS

Não há restrições para visitas na Resex.

Mais informaçõesCOORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR6 – Cabedelo

ENDEREÇO / CIDADE / UF / CEP: BR 230, KM 10 –  Cabedelo/PB – CEP 58.310-000

TELEFONE: (83) 3246-0016 / 3245-5001 ramal 34/VOIP (61) 3341-9726

 

Assista ao documentário que produzimos durante a visita à Resex Acaú-Goiana

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