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Política ambiental destroçada, e novas boiadas

Política ambiental destroçada e novas boiadas no horizonte

A esperança é que este post não seja visto como mais uma contribuição à já insuportável polarização. Contudo, pela proximidade das eleições, esta pode ser ‘uma das leituras’ por parte de alguns leitores. Entretanto, esclarecemos, é obrigação de um jornalista ambiental abordar assuntos pertinentes. Desse modo, o tema de opinião hoje é o prejuízo já sofrido pelo País pela desregulamentação do arcabouço ambiental, e à legislação específica, ou seja, a política ambiental brasileira. Mas, pior que isso é o que está ainda por vir. Já escrevemos diversas vezes questionando quem, afinal, ganhou com o desmonte que hoje se vê. Mas até o momento não encontramos uma resposta satisfatória.

Agricultura moderna
A moderna e essencial agricultura brasileira não precisa mais flexibilizações. Imagem, www.farmmanagement.pro/pt.

O agronegócio, carro-chefe da economia

O discurso oficial procura justificar que o descalabro ambiental teria objetivo de favorecer o agronegócio importante para a economia. Contudo, para nós trata-se de mais um erro da atual administração. Já escrevemos sobre a importância do agronegócio para a economia brasileira, quando conclamamos algumas alas ambientalistas a cessarem a disputa que começou bem lá atrás, durante a discussão do novo Código Florestal.

Na ocasião, houve radicalização dos dois lados. Perdeu o País. Da mesma forma, já escrevemos sobre excessos e algumas omissões por parte de certos ambientalistas, e igualmente o prejuízo que tal comportamento representou. Portanto, este post não tem como objetivo a política partidária que entra agora na reta final.

O que de fato nos moveu foi uma matéria de O Estado de S. Paulo (17/09/2022) com o título Bancada do Agro articula flexibilização ambiental, de autoria de André Borges.

André nos dá conta de que ‘A bancada de parlamentares ligados ao agronegócio se articula para aprovar, logo após as eleições, uma série de projetos de lei que flexibilizam as regras ambientais.’

Flexibilizar mais ainda?

Alguém poderia perguntar, flexibilizar mais o quê, depois de quatro anos seguidos de flexibilizações? Contudo, André Borges explica que em razão da eleição ‘o objetivo é que, encerrado o primeiro turno, os temas sejam levados a plenário no Congresso, com o objetivo de serem sancionados ainda neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.’

‘A pressa’, segundo Borges,  ‘está atrelada à possibilidade de o ex-presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto, vir a ser eleito – além da troca de cadeiras que ocorrerá no Congresso Nacional.’

E, entre as novidades, ‘a primeira diz respeito à liberação de mais agrotóxicos… em seguida, a que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental, a que afrouxa as regras de regularização fundiária, e a que permite o chamado “autocontrole dos produtores rurais”, que autoriza empresas e produtores a criarem seus próprios programas de defesa agropecuária.’

A pressa da bancada ruralista

O Mar Sem Fim prefere chamar esta ala do agronegócio de bancada ruralista, como já ficou conhecida. A diferença de nomenclatura é importante. Ao nosso ver, a parte boa deste segmento da economia, ou seja, o agronegócio, não precisa flexibilizações para seguir adiante.

Precisa apenas prosseguir aplicando doses de ciência e tecnologia para ampliar ainda mais a produção. Já está mais que provado que a banda boa que fez a lição de casa cresce dia a dia produzindo mais sem, contudo, necessitar mais áreas agrícolas e sim aumentando a produtividade.

A agricultura brasileira já é sucesso mundial em razão disso. Agora, falta a pecuária fazer o mesmo para que o País possa de fato alimentar o mundo sem colocar em risco nossos biomas tão importantes para a agricultura ao prover, entre outros, o ciclo de chuvas e a assegurar a ameaçada  biodiversidade mundial.

O aquecimento acelerado e fora do controle cria inúmeros problemas para a humanidade, além das secas extremas, do descontrole das tempestades que afogam certos países, e o declínio da biodiversidade, outro perigo que nos ronda.

Quem ganhou com as flexibilizações da política ambiental?

Até que nos provem o contrário, os únicos a ganharem até agora foram os especuladores, os grileiros de terras públicas, e o garimpo ilegal. O Brasil que trabalha e dá certo, este só perdeu.

Por um lado, os dados aí estão para provar. Até o momento, as entidades ambientais sérias mostram que foram os grileiros os maiores beneficiários da passada da boiada. Em maio de 2022, por exemplo, o IPAM, publicou em seu site Recorde de desmatamento na Amazônia está ligado à grilagem de terras públicas.

Este é mais um texto de ambientalistas não intoxicados que mostra quem de fato ganha com ações do tipo. Do mesmo modo, outro ganhador é o garimpo ilegal que não traz nenhum benefício ao País, apenas dilapida a riqueza que é de todos em benefício de criminosos. Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado em agosto de 2022, é outro texto que mostra isto de forma cristalina

‘Ouro que dá em árvore’

‘Ouro que dá em árvore’, título do estudo, mostra que ‘A exploração de ouro no Brasil tem expandido suas fronteiras para o interior da Amazônia, invadindo terras indígenas e unidades de conservação.’

O garimpo sério é outra atividade importante que gera empregos e muita renda ao País, quando não burla a legislação ao fazê-lo da forma menos impactante possível, pagando impostos, etc. Todavia, a atividade tem crescido em áreas proibidas, o que demonstra tratar-se do garimpo ilegal que destrói a floresta, polui os rios,  provoca conflitos sociais, e foge da remuneração ao Estado.

‘Garimpo em Terras Indígenas cresceu cinco vezes em dez anos’

Estudo do Instituo Escolhas mostra claramente. ‘Hoje, a área ocupada pelos garimpos na Amazônia já é maior que a área da mineração industrial em todo o país. Somente nas Terras Indígenas, onde a mineração não é permitida, os garimpos cresceram cinco vezes em dez anos. E com graves consequências: segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre 2015 e 2021, o desmatamento causado pela mineração na Amazônia cresceu quase 7 vezes, saltando de 18 km2 de floresta perdida para 121 km2.’

Saiba que a pesquisa do Instituto Escolhas mostra que ‘entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou cerca de 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade.’ Mais de duzentas toneladas de ouro! Imagine o que isto não significaria para os cofres públicos.

Parar com esta dilapidação das riquezas públicas seria algo simples e fácil, segundo todos os entendidos. Bastaria para tanto, ‘o fim do princípio da boa-fé’ e a obrigatoriedade de documentos comprobatórios da origem do ouro em formato eletrônico. Com isso, todo transporte ou comercialização do metal em território nacional seria monitorada por um sistema digital único gerido pela Agência Nacional de Mineração.’

Lei do garimpo é convite ao ilícito

Atualmente, para quem não sabe,  a Lei nº 12.844/2013 que trata do garimpo, é  convite ao ilícito. ‘Permite aos garimpeiros – ou outro agente envolvido no garimpo – vender ouro para instituições autorizadas pelo Banco Central sem apresentar qualquer comprovação de que a extração tenha sido feita em uma área legal.’

Basta, por exemplo, uma declaração, ‘o princípio da boa-fé’, ou seja, uma simples declaração do vendedor do metal preenchida numa folha de papel, e à mão! Até hoje a atividade não é digitalizada o que complica, para não dizer torna impossível, um exame mais profundo da legalidade, ou não, do processo.

Por outro lado, os prejuízos das flexibilizações são conhecidos de todos os não intoxicados pelos excessos da política partidária.

A política ambiental e a imagem externa do Brasil

A imagem externa do Brasil hoje é a de um pária, um País isolado do bloco ocidental em lugar da ‘referência ambiental’ que já foi. Não fosse pela pandemia, seguida pela guerra na Europa, o tema mundial seria mais que nunca a descarbonização e o enfrentamento ao aquecimento que põe em risco a raça humana.

Veja-se, a propósito, o que disse o ex-embaixador Rubens Barbosa, uma ilha de lucidez em meio ao oceano de mediocridade. Ele foi certeiro no artigo já comentado,  Amazônia, o El Dorado da ilegalidade (10/5/2022), em O Estado de S. Paulo. Nele, diz o ex-diplomata:

A ausência de uma efetiva política governamental de combate aos ilícitos na Amazônia nas áreas de desmatamento, queimadas e garimpo, inclusive nas terras indígenas, é o principal fator para a percepção negativa do Brasil no exterior e para a baixa credibilidade do País

Repetimos: A ausência de uma efetiva política governamental de combate aos ilícitos…Aos ilícitos!

A observação nada tem a ver com a polarização política brasileira. Tem a ver com a realidade, o aquecimento do planeta e à nossa sobrevivência. Basta ver as seguidas declarações do Secretário-geral da ONU chamando a atenção para o suicídio coletivo a que segue a humanidade em razão da inação dos países mais ricos (em razão da pandemia seguida pela guerra, entre outros) em tratar a questão com a celeridade e a seriedade que merecem.

O desafio do próximo presidente

Por outro lado, vamos supor que o próximo presidente, seja ele quem for até mesmo Bolsonaro, perceba que o que aconteceu tenha sido de fato um excesso, e queira reorganizar as flexibilizações e a desregulamentação ambiental. Mesmo que assim decida, vai demorar no mínimo uma década para que voltemos a ter uma legislação ambiental moderna e eficiente.

Os órgãos ligados ao Meio Ambiente, em especial Ibama e ICMBio, assim como os da Ciência, Educação e Cultura, foram totalmente asfixiados por falta de verbas, e amputados nas respectivas legislações e pessoal. Trazê-los de volta à operacionalidade levará anos, se não décadas. Sempre houve, e continuará a haver, a falta de verbas, o contigenciamento, etc.

E sempre foram, e continuarão a sê-los, patinhos feios na divisão de verbas por ministério, tanto o do Meio Ambiente, assim como o setor de Cultura. Isto para não falar no ‘aparelhamento’ da máquina pública por neófitos. Veja-se o que fez Ricardo Salles, ex-ministro de Meio Ambiente, tão logo assumiu. Decepou as 27 lideranças do MMA para, em seu lugar, colocar PMs de São Paulo que nada conhecem de Amazônia ou de nossos outros biomas, para não falar na desregulamentação, o funcionamento dos conselhos de órgãos públicos, etc.

Portanto, a matéria que gerou este post, ou seja, a Bancada do Agro articula flexibilização ambiental, demonstra mais um equívoco que nos custará caro se for em frente.

Pense sobre isto, independente de para quem seja o seu voto. Não é possível que setores sérios da sociedade sigam cegos nesta questão, alguns movidos por deliberada má fé (os que praticam ilegalidades), outros, pela cegueira ideológica.

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