Ontem não tivemos tempo suficiente para levantar o Mar Sem Fim. Mas a equipe de don Francisco deixou tudo pronto para hoje.
Dá um trabalhão danado instalar as enormes boias nas laterais e popa do barco. Se elas não estiverem perfeitamente ajustadas não funcionam, ou sua eficácia é menor.
Don Francisco preferiu colocar cuidadosamente quatro, das cinco boias que serão usadas. Cada uma tem capacidade de levantar dez toneladas. Hoje pela manhã eles põem a última.
De tarde, depois do almoço, vamos para a primeira, e espero, definitiva tentativa de trazer o barco à tona.
É bom que seja assim porque, entre outros pepinos, está prevista a chegada de outra frente esta noite.
O dia de ontem serviu também para os mergulhadores da Marinha do Brasil acharem um caminho seguro, livre de pedras, para que o barco seja empurrado por botes até a praia.
A rota do Mar Sem Fim foi demarcada com boias, o que vai facilitar quando chegar a hora de encalhar o barco.
Enquanto eles se ocupavam desta faina nossa equipe desceu em terra mais uma vez. Eu tinha marcado uma entrevista com cientistas espanhóis que freqüentam a Antártica há 13 anos, pesquisando os efeitos do aquecimento global sobre as geleiras.
A forma de trabalharem é original: o principal parâmetro que medem é a descarga líquida dos glaciares, em outras palavras, a quantidade de gelo que se funde, em razão do aquecimento, tornando-se água e escorrendo para o mar.
Os pesquisadores têm oito estações de medição espalhadas entre a Antártica e o Ártico. Quatro para cada polo.
E, claro, os resultados não são animadores. Aqui, na Antártica, a quantidade da descarga dobrou nos últimos 13 anos.
Adolfo e Carmenka não desanimam. Com a crise na Europa o governo espanhol cortou os subsídios da pesquisa. Mesmo assim os dois continuam, arcando sozinhos com o custo da operação.
Depois da entrevista atravessamos Rei George, até o lado do Drake, para gravarmos imagens de uma colônia de elefantes marinhos.
No fim do dia, semi-congelados, voltamos para bordo do Felinto Perry.
Acaba de tocar apito do almoço. Vou parar para comer. Depois vamos todos para a barcaça russa, registrar o momento tão esperado.
12hs4O
Voltei do almoço preocupado. A frente desta noite vem com 6O nós de vento.
Me pergunto em que fase da operação estaremos quando despencar este exagero.
O dia está feio. Cinzento, com chuvas. E gelado.
Mudando de assunto: anda acontecendo uma coisa legal. Alguns parentes de tripulantes do Felinto Perry descobriram o Blog do Mar. Passaram a acompanha-lo à procura de notícias. O pessoal de bordo também consulta o site.
É comum eu receber mensagens da esposa de um Sargento, ou da namorada de um Tenente, desejando sucesso, e mandando votos de uma viagem tranqüila para todos nós. De repente meu site se tornou um espécie de ponte, ou canal, através do qual parentes e amigos matam as saudades do pessoal de bordo.
Às vezes eu topo com um tripulante e ouço coisas do tipo: “senhor João Lara” – aqui é assim: senhor pra cá e pra lá- “ficou bacana fechar o blog de ontem com a bunda do russo!”
O pessoal do navio é de primeira linha: são cordiais e simpáticos ao extremo. Mas existe esta hierarquia, algo militar, “do senhor”.
Bom, agora me perdoem.
Vou descansar um pouco antes de enfrentar o frio lá de fora, e o banho de mar que levamos nos deslocamentos de bote. Volto com novidades assim que puder.
16hs4O
Acordo assustado. Olho o relógio e percebo que perdi a hora. Saio voando da cama, então, noto don Francisco dormindo tranquilamente.
O tempo fechou. Começou a ventar mais forte, surgiram ondas. A operação foi adiada.
Não teremos controle do barco, cheio d’água, nesta situação.
Vamos, mais uma vez, entrar no estranho por excelência. O ritmo, quem dá agora é o tempo.
É preciso ter paciência e esperar que melhore.
Assim que descer em terra mando fotos.
(foto do destaque:diariodetunbingen.wordpress.com)