1O hs da manhã.
Relendo a matéria que mandei ontem, achei que valia um esclarecimento.
Na verdade, fizemos progressos. Sem vento a tarefa anda rápido. Ontem, depois do meio-dia, as condições foram perfeitas: calmaria total até quase oito da noite. Com esta situação os mergulhadores puderam avançar bastante. A barreira de contenção de petróleo já foi instalada em volta do casco do Mar Sem Fim. E a barcaça russa, que serve de apoio aos trabalhadores submarinos, está fundeada ao lado do naufrágio.
Os mergulhadores puderam entrar dentro da casa de máquinas do barco para conhecerem seu interior. Antes do trabalho mostrei algumas fotos explicando onde ficam os tanques de água, e diesel, que serão usados no processo de reflutuação.
Hoje, às sete da manhã, don Francisco já estava de pé vestindo roupas especiais para acompanhar a faina. Às vezes, quando necessário, um dos mergulhadores filma o que os outros estão fazendo, de modo que don Francisco, através de uma tela em cima da barcaça, possa acompanhar e instruir sua equipe.
Hoje eles começam a cavar buracos embaixo do casco. Para isto usam mangueiras com potentes jatos d’água, e aspiradores. O casco do Mar Sem Fim repousa sobre um fundo de areia, o que facilita o trabalho. Enquanto um deles despeja jatos d’água para revolver a areia, outro suga o material em suspensão usando o aspirador.
Assim que o buraco estiver pronto, passam uma faixa por baixo do casco. Ao todo usarão quatro faixas. Uma vez colocadas, eles atarão boias especiais a estas faixas e, em seguida, injetarão ar comprimido. É desta forma que o barco voltará à tona.
Minha preocupação é com o clima instável da Antártica. Às vezes a neblina é tão espessa que não se vê um palmo adiante do nariz. Nestes casos não resta alternativa ao Comandante Luiz Felipe, se não suspender os trabalhos.
Outras vezes o vento é muito forte, o que impede que os mergulhadores façam a sua parte.
Totem
Ontem, quando eu redigia a matéria do dia, baixou uma neblina tão forte que atrasou o início dos trabalhos. Fiquei excessivamente preocupado e acabei mandando um texto alarmista.
Quando vejo a enorme mobilização que o naufrágio causou, e o esforço brutal que estão fazendo para o resgate do barco, a começar da Marinha do Brasil que colocou este enorme navio a disposição, fico preocupado ante a perspectiva do caso não ser resolvido neste verão devido à instabilidade do clima. Foi o que ocorreu ontem enquanto eu redigia.
No fim do dia, depois de analisar o progresso, relaxei. Mas, pensando naqueles que seguem este site, julguei importante a retificação.
Hoje, felizmente, não se perdeu um minuto: desde cedo estão mergulhando.
Ontem também foi um dia bom para nosso documentário. Desembarcamos e fizemos muitas imagens do entorno.
Estivemos na sede da Capitania de Fildes, onde ficamos hospedados quando abandonamos o barco, em abril. O novo comandante, Capitão de Fragata Marcelo Villegas Vira, é simpático e prestativo. Colocou seu aparato à nossa disposição. A solidariedade antártica, de que tanto falei nos relatos da época do naufrágio, deu as caras outra vez mostrando que o ser humano também pode surpreender. Os chilenos, mais uma vez, nos tratam como velhos amigos. Fomos convidados a almoçar com eles nesta quinta-feira. Empanadas. Plínio lambeu os beiços ao saber o menu.
Depois de passar a matéria para o site saímos para gravar imagens da região que é bem interessante. Nesta mesma “praia” existem três bases diferentes: duas são do Chile. Uma é da armada, Fildes, e outra da aeronáutica, Frei. A terceira é a base Bellingshausen, dos russos. A única igreja de todo este continente fica aqui. Obra dos russos. Eles trouxeram uma igreja em cedro da Sibéria, no estilo ortodoxo, e a montaram sobre um morro com visão estratégica de toda a baía Fildes. Nas paredes há explicações. A ideia nasceu pela constatação de que o colonizador sempre que chegava numa nova terra erguia uma igreja, ou templo, para dar vazão à sua fé. Só na Antártica isto não acontecia. Por isto, em 2OO4, ergueram a igreja de Santa Trindade que visitamos.
Os russos tiveram papel relevante no período heróico das descobertas antárticas. Um dos primeiros exploradores a observar o “Continente Branco” foi justamente o oficial Bellingshausen, em 182O.
Quando voltávamos da visita encontrei novamente meu amigo Ruslan Eliseev que nos convidou para visitar o interior da base. Ficamos uma boa meia hora batendo papo. Os russos também estão sendo solidários no que podem. Emprestaram a barcaça e colocaram toda sua equipe, e equipamentos, à nossa disposição.
É fantástico “viver” este espírito que, infelizmente, só se encontra aqui. As pessoas ajudam espontaneamente, sem esperar nada em troca.
Voltamos para bordo perto das oito da noite. Já havia passado a hora do jantar mas o pessoal de bordo, super-simpáticos e solícitos conosco, tinha guardado comida.
Terminado o banquete ficamos batendo papo na cabine. Meus companheiros estão encantados com a Antártica, o espírito das pessoas que freqüentam este lugar e, especialmente, a cordialidade e simpatia dos marinheiros do Felinto Perry.
A grande novidade do dia foi a chegada do barco do ator Tom Cruise, um navio pouco menor que o nosso, que tem entre seus equipamentos um mini-submarino, várias lanchas, e um helicóptero.
O barco está alugado para um grupo de felizardos que podem pagar pra ter este luxo.
14 horas.
Depois do almoço subi na cabine para revisar este texto antes de manda-lo, logo mais, da Capitania de Fildes. Don Francisco estava de volta do mergulho da manhã.
Sucesso total: a primeira faixa já está no lugar. Esta tarde, enquanto nós gravamos imagens de terra, eles irão instalar a segunda.
Se o tempo continuar bom, amanhã mais duas serão colocadas. Na sexta–feira conectam as bóias às faixas. Em pouco tempo começa a etapa de trazer o Mar Sem Fim de volta à tona.
Dias agitados, estes últimos. Chegou um navio da marinha do Uruguai que fundeou defronte à base de seu país, Artigas, que fica numa baía ao lado de Fildes.
E hoje chegou outro, só que de passageiros.
Se continuar assim logo teremos congestionamentos por aqui.
Amanhã conto mais. Até lá.