ONU discute nosso vício do plástico, e acordo juridicamente vinculativo
De 23 até 29 de abril negociadores de 175 países reúnem-se para a quarta rodada de negociações do Tratado das Nações Unidas sobre Plásticos, no Canadá. Realizada em Ottawa, a discussão reunirá o Comitê Intergovernamental de Negociação do tratado para redigir um acordo global e juridicamente vinculativo até o final de 2024, segundo a ONU. O Comitê Intergovernamental informou que a produção e o consumo global de plástico cresceram exponencialmente desde a década de 1950 (2 milhões de t) e deverão aumentar 70% até 2040 (em 2023 foram 159 milhões de t) se os negócios continuarem como de costume. O Comitê reuniu-se anteriormente para negociações em dezembro de 2022 no Uruguai; em maio de 2023 na França, e em novembro de 2023 no Quênia. Chegou a hora afinal?
Metade de todo o plástico produzido é para utilização única
Além disso, cerca de 98% dos produtos plásticos descartáveis são produzidos a partir de combustíveis fósseis. Prevê-se que o nível de emissões de gases com efeito de estufa associadas à produção, utilização e eliminação de plásticos convencionais à base de combustíveis fósseis aumente para 19% do orçamento global de carbono até 2040. Finalmente, todos os anos, 11 milhões de toneladas métricas de plástico entram em nossos oceanos, além das estimadas 200 milhões de toneladas métricas que circulam atualmente nos ambientes marinhos.
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Não é preciso mais para entender o tamanho da encrenca, e saudar, finalmente, um acordo juridicamente vinculante. Mas é preciso não vacilar. Há quem seja contra.
“Exxon lidera luta da indústria contra planos da ONU”
O título acima foi extraído de matéria do Financial Times, de abril de 2024. A Exxon está liderando uma luta pela indústria petroquímica contra os planos de limitar a produção de plásticos antes das negociações da ONU.
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A indústria de plásticos e os grandes países produtores de petróleo, incluindo Arábia Saudita, Rússia e Irã, pressionaram por um tratado global que se concentra na reciclagem sobre os cortes de produção.
Por aí pode-se ver que é melhor deixarmos a comemoração para o dia 29 de abril, quando terminar o encontro patrocinado pela ONU. A indústria petroquímica é fortíssima e tem lobbies poderosos. Ela está acuada. Enfrenta dois tsunamis simultâneos: um é a diminuição irreversível do uso de combustíveis fósseis, outro, um limite para a produção do plástico (trata-se de uma das opções na mesa de acordos da ONU). Acontece que, segundo o FT, a demanda global por plásticos, que representa 50% da demanda petroquímica, deve quase dobrar até meados do século, de acordo com a S&P Global Commodity Insights.
A possibilidade da demanda por plástico dobrar até meados do século justifica a resposta cínica de Karen McKee.
‘36% de participação de lobistas de combustíveis fósseis e da indústria na última reunião da ONU’
Para ver como são articulados, o FT lembra que na última cúpula do plástico, em novembro de 2023, a participação de lobistas do setor petroquímico subiu 36%, a exemplo do que aconteceu com a COP27, no Egito, quando 90% dos patrocinadores eram ligados ao setor de combustíveis fósseis.
A indústria petroquímica vê o plástico como ‘oportunidade’. Mas, a maioria dos especialistas defende a diminuição da produção, e o fim do plástico de uso único. Ao que parece, esta será a discussão mais importante em Ottawa.
O que é a produção e o consumo sustentáveis?
Outra questão espinhosa será ‘definir onde o ciclo de vida dos plásticos começa e o que é a produção e o consumo sustentáveis’ segundo disse à Reuters Andres Gomez Carrion, presidente das negociações. O tratado destina-se a rastrear os plásticos durante todo o seu ciclo de vida – desde quando são produzidos, até como são usados e depois descartados.
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A Reuters lembrou ainda que Arábia Saudita, Irã e China nunca aceitaram limites de produção nas últimas reuniões, posição que devem manter. Enquanto isso, diz a Reuters, a “Coalizão de Alta-Ambição” de 60 nações, que inclui países da UE, nações insulares e Japão, quer acabar com a poluição plástica até 2040.
Apoiada por alguns grupos ambientais, esta coalizão pediu disposições comuns e juridicamente vinculativas para “retenção e reduzir a produção e o consumo de polímeros plásticos primários a níveis sustentáveis”. Eles também propõem medidas como a eliminação gradual de plásticos de uso único “problemáticos” e a proibição de certos aditivos químicos que poderiam acarretar riscos à saúde.
Os EUA dizem que também querem acabar com a poluição por plásticos até 2040. Mas, ao contrário da Coalizão de Alta-Ambição, preferem que os países definam seus próprios planos para fazê-lo.
A ver qual lado tem mais força para se impor.