A história do narcossubmarino brasileiro que chegou à Europa
Tente por um momento imaginar a situação: Um espaço claustrofóbico, escuro, úmido; e extremamente fedorento onde mal cabiam três pessoas. O piloto, sentado. Os dois tripulantes deitados, não havia outro jeito em espaço tão exíguo. Na proa três enormes tanques continham 20 mil litros de combustível. Em seguida, o compartimento onde estocaram 3 mil kg de cocaína. No meio, o cubículo de comando. Na popa, um motor a diesel, gerador, e um exaustor. Como banheiro, um saco plástico. Foram 27 longos dias desde Macapá até Vigo, Espanha, comendo barras energéticas, arroz, biscoitos e sardinhas. Assim era o “Che”, o narcossubmarino de 21 metros construído em algum local de Macapá, atualmente exposto no Museu da Academia de Polícia em Ávila, Espanha.
A longa travessia do cartel Clã do Golfo
Antes de mais nada, uma das viagens criminosas mais improváveis teve seu final numa enseada da Galícia onde o “Che” naufragou, em 24 de novembro de 2019, depois de uma travessia de 3.500 milhas em uma embarcação mambembe que mal submergia.
Navegando pelo rio Amazonas
Segundo a BBC, que também repercutiu o caso, ‘Eles primeiro navegaram pelo rio Amazonas por 12 horas. Atravessaram a grande umidade, nuvens de mosquitos, manguezais e vegetação exuberante. Não se descarta que algum navio tenha os conduzido, abrindo caminho para o narcossubmarino, impedindo que colidisse com algum dos milhares de troncos de todas as espessuras que flutuam na superfície do Amazonas até o Atlântico.’
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Sem radar ou sistema de identificação
A BBC conta que ‘Apesar de o “Che” não ter radar, sistema de identificação automática, radiofarol ou qualquer coisa do tipo, tudo estava indo bem. Até 5 de novembro de 2019, oitavo dia da travessia, quando surgiram as primeiras nuvens.
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“O bom tempo se foi, para nunca mais voltar. Contudo, a tripulação navegou indefesa em direção ao seu destino. A próxima vez que viram o sol brilhar, contra um céu azul, foi enquanto caminhavam no pátio da prisão galega conhecida como A Lama”, relata o jornalista Ravier Romero que escreveu um livro sobre a saga.
Dezessete dias depois de zarpar, prossegue a BBC, e depois de cruzar as águas do Atlântico por 4.931 quilômetros, “Che” conseguiu finalmente superar o principal objetivo da viagem: as ilhas dos Açores, que pertencem a Portugal.
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Ao chegarem à área marcada no mapa, no local combinado para descarregar a cocaína, ninguém foi encontrá-los. Porém, em algum lugar ao longo da costa de Portugal havia duas lanchas prontas para pegar a droga. Mas uma delas sofreu um problema mecânico e não conseguiu zarpar.
Nova instrução, rumar para a Galícia
A organização do narcotráfico, segundo informações recolhidas pela polícia espanhola, instruiu a tripulação a seguir em direção à Galícia, de onde é o piloto Agustín. “Na Galícia, existe um importante negócio de ‘narcolancheros’ que se dedicam ao desembarque de drogas”, conta Romero.
Mas ao perceber que o plano inicial dos profissionais do narcotráfico havia falhado, Agustín decidiu adotar um plano B e recorreu a dois amigos de infância.
A procura pela polícia
A essa altura, o Centro de Análise e Operações Marítimas do Narcotráfico (MAOC-N) já tinha conhecimento de que havia uma embarcação com várias toneladas de cocaína na região. Veículos aéreos e marítimos foram enviados em busca dela, sem sucesso. Eles procuravam um barco de pesca, um veleiro, um cargueiro… mas não um semissubmersível.
Os esforços dos narcotraficantes para descarregar a cocaína não deram resultado. Embora tenham enviado um pequeno barco para o sul da chamada Costa da Morte, na Galícia, para recolher a mercadoria, a Guarda Civil espanhola obteve informações sobre a operação e um helicóptero e um barco posicionaram-se na zona onde devia ser feito o desembarque da droga.
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Contudo, o mar grosso na região camuflou o submarino. Segundo a BBC, ‘Desesperados, sem comida nem água potável, os tripulantes do “Che” decidiram então levar a embarcação para a zona de Rías Baixas, na costa galega.
Mais especificamente, ao estuário de Aldán, onde o piloto do “Che” passava os verões quando era criança e que conhecia muito bem. “Com muita habilidade, por se tratar de uma área complicada para a navegação, Agustín conseguiu colocar o submarino naquele estuário e o posicionou em frente a uma enseada com cerca de 8 metros de profundidade”, conta Romero.
Na madrugada de 24 de novembro, a tripulação do “Che” abriu a torneira e a água começou a entrar no “Che” até afundar. Os três tripulantes pularam na água, com a ideia de voltar para recolher a droga mais tarde. Mas não houve oportunidade. Todos foram presos em seguida.
Assim, a odisseia de 27 dias e 3.500 milhas do Brasil para a Espanha, ganhou as manchetes em todo o mundo desde que foi afundado em uma enseada galega, diz o Guardian.
‘Novo “subgênero” da narcocrônica galega’
‘Pouco mais de dois anos depois, a história do primeiro “sub” carregado de droga detectado em águas europeias deu origem a um novo “subgênero” da narcocrônica galega.’
‘Agustín Álvarez, um ex-campeão espanhol de boxe amador de 31 anos, recebeu 11 anos de prisão por pilotar um “narcossubmarino” semissubmersível. Ele transportava 3.068 kg de cocaína no valor estimado de € 123 milhões através do Atlântico.’
Seus dois companheiros de tripulação, os primos equatorianos Luis Tomás Benítez Manzaba e Pedro Roberto Delgado Manzaba, tiveram a mesma sentença. Enquanto isso, quatro espanhóis que conspiraram com Álvarez para ajudar a orientar o submarino em terra foram presos por sete a nove anos.
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Livro e filme
Em 2022, Javier Romero, jornalista da Voz de Galicia especializado em crimes relacionados às drogas, publicou a Operación Marea Negra, um relato de 313 páginas meticulosamente pesquisado sobre o empreendimento épico, mas condenado.
No final de fevereiro de 2022, um drama inspirado no caso, intitulado Operación Maria Negra, começou no Amazon Prime Video. Em seguida à série, um documentário em quatro partes estreou na mesma plataforma, chamado, inevitavelmente, Operación Maresa Negra: La travesía Suicida.
Este, como se sabe, não foi o único narcossubmarino apreendido. Outros dois foram encontrados na Colômbia. Segundo outra matéria do Guardian , com um impressionante ensaio fotográfico, ‘Durante anos, referiam-se a eles simplesmente como “Pé Grande” – uma criatura mítica, segundo rumores, mas nunca vista – porém, hoje, os narcossubmarinos usados pelos cartéis de drogas da Colômbia tornaram-se quase comuns.
A história da apreensão do narcossubmarino elétrico na Colômbia é relatada pelo www.news.usni.org.
Tradição de ex-engenheiros da antiga União Soviética, desde 1999
Segundo a BBC ‘A tradição dos narcossubmarinos começou na Colômbia na década de 1990, pelas mãos de ex-soldados e engenheiros da antiga União Soviética. O precursor foi Pablo Escobar, traficante colombiano que nunca escondeu o fato de que havia dois desses submarinos em sua frota.’
A rede inglesa entrevistou o autor do livro sobre o caso do narcossubmarino construído no Amapá: “Agora são bastante comuns: todos os anos entre 30 e 40 são interceptados na Colômbia”, conta Romero à BBC News Mundo.
“E embora diversos relatórios de policiais especialistas em tráfico de drogas tenham apontado há muito tempo que os narcotraficantes estavam usando submarinos para cruzar o Atlântico, nenhum havia sido apreendido, até o Che.”
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De acordo com Romero, o ‘CHE’ “foi construído em um estaleiro clandestino na Amazônia. A missão para pilotá-lo coube a um ex-campeão espanhol de boxe e velejador experiente chamado Agustín Álvarez.”
“O preço acordado pelos Manzabas foi de US$ 5.000 adiantados para cada um e, se tudo corresse bem e a missão terminasse em sucesso, mais US$ 50 mil por cabeça. Não se sabe quanto iriam pagar a Agustín Álvarez, mas fontes policiais estimam que entre US$ 400 mil e US$ 500 mil”, aponta o autor de “Operação Maré Negra”.
Os três tripulantes do ‘CHE’ tiveram sorte, não foram trancados no submarino, como os demais
A BBC conta como é o esquema de transporte de drogas em submarinos em geral. ‘Pelo menos, os três tripulantes do “Che” não haviam sido trancados no narcossubmarino, como acontecia com submersíveis que cruzavam o Atlântico carregados de drogas.
“Eles fechavam a escotilha pelo lado de fora com cadeados, ou algo do tipo, para que ela só abrisse quando chegassem ao destino. Os traficantes não davam escolha à tripulação a não ser terminar a viagem para sobreviver.
Era isso ou a morte. Eles fizeram isso por causa do desconfiança que existia no passado com integrantes na Galícia, caso tentassem roubar mercadorias”, disse um dos tripulantes do “Che” às autoridades.
Em tempo, segundo a BBC, os donos das drogas do ‘CHE’, e aqueles que as receberiam, seguem livres. E provavelmente preparando novas remessas.