Lixo no Cabo Horn, na Fossa das Marianas, e no Everest
A ONU já alertou sobre o impacto devastador do plástico em um relatório cujo título é revelador: ‘Nosso planeta está sendo sufocado por plástico’. O documento destaca que, globalmente, as pessoas compram um milhão de garrafas plásticas a cada minuto. Além disso, utilizam até cinco trilhões de sacolas de plástico anualmente. Metade de todo o plástico produzido serve para uso único, sendo descartado após uma utilização. O Banco Mundial destaca que a quantidade de lixo gerado por pessoa, por dia, varia entre 0,11 e 4,54 quilogramas, com uma média global de 0,74 quilogramas. Essa variabilidade reflete as diferenças regionais no consumo e descarte. O resultado de nosso fracasso é visível: lixo até em lugares remotos como o Cabo Horn, a fossa das Marianas e até nas proximidades do pico do Everest.
No Brasil não é diferente: o lixo continua sendo um problema
No Brasil ainda existem 3 mil lixões a céu aberto, que emitem 27 milhões de toneladas de CO2 equivalentes por ano, segundo um levantamento de especialistas da Orizon Valorização de Resíduos.
O País já teve pelo menos meia dúzia de datas escolhidas para marcar o final dos lixões. A última delas está no Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e estipula o ano de 2024 para acabarmos com eles e com os aterros.
Mas, como se sabe, o País ainda mantém cerca de 3 mil lixões segundo levantamento da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente – ABREMA.
Para a ABREMA, A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) do Ministério do Meio Ambiente prevê que municípios com até 50 mil habitantes possam garantir a destinação correta dos resíduos sólidos, atendendo a Lei 14.026/2020. Mas, sem condições de cumprirem as regras, o prazo para o cumprimento dessa meta foi estendido para 2024 e se encerra no dia 2 de agosto. A mesma fonte revela que apenas 40% do lixo gerado tem destinação adequada, no País. Portanto, fracassamos mais uma vez.
Os lixões a céu aberto, e o descarte incorreto, acabou com parte significativa dos rios brasileiros que deságuam no mar. A grande maioria joga ainda mais esgoto no mar.
A superpopulação mundial
Muitos dos problemas ambientais que enfrentamos são diretamente provocados pela superpopulação mundial. Somos oito bilhões de pessoas. Apesar das brutais diferenças regionais, tente imaginar o tamanho da montanha diária de lixo que produzimos. É algo impensável para este escriba. Pior que isso, é a pobreza. Segundo pesquisa da EA Environmental Action, feita em 2023, 40% da população mundial vive em locais incapazes de gerenciar a quantidade de resíduos plásticos que é gerada e descartada.
Contudo, sempre é possível melhorar. No caso brasileiro, é preciso mais pressão da opinião pública. Enquanto isso não acontecer, governo após governo adiará as datas para acabarmos com os lixões como vem acontecendo. Já no caso mundial, a ONU tenta aprovar um tratado mundial, nos moldes do Acordo de Paris, para que cada país proponha suas metas. O tratado foi tema de debates entre 175 países, em abril, no Canadá, na quarta rodada de negociações.
Lixo no Cabo Horn
O Cabo Horn é um dos locais mais emblemáticos do planeta Terra. Um acidente geográfico, o cabo Horn fica na ilha de mesmo nome, que avança para o mar em região erma, extremamente fria, de clima instável, e ainda o ponto mais meridional da América do Sul. Como cabo, ele é o que fica mais ao Sul na Terra, e faz parte do Estreito de Drake.
Tenho um amigo que mora em Puerto Williams, às margens do Beagle. Ali é a sua base para viagens à Antártica no verão, dando sequência à carreira do pai, o mitológico Oleg Bely, um dos primeiros a levar turistas para a Antártica a bordo do veleiro Kotic.
Pois bem, recentemente Igor viajou até o Cabo Horn onde pretendia passar uns dias de descanso. Porém, ao ver a quantidade de lixo espalhada, Igor passou dias trabalhando, recolhendo o que conseguia, apesar de saber que seria impossível limpar tudo. Então, enviou uma série de fotos com a legenda: tentamos limpar alguns lugares…mas tem toneladas.
O Cabo Horn é, além do mais, um lugar meio que sagrado para marinheiros. Há séculos, muitos consideram sua travessia uma prova de fogo, devido aos mares revoltos que raramente se acalmam. Descobrir montanhas de lixo até no Fim do Mundo, como ele também é conhecido, entristece qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade. E não é pouco lixo, como disse Igor, são toneladas!
Lixo na Fossa das Marianas
A Fossa das Marianas é o ponto mais profundo do oceano. É uma espécie de canyon submarino, localizado em uma área isolada do Pacífico. Ele se estende por quase 10.975 metros para baixo – quase 11 quilômetros .
Em 2017, alertamos os leitores sobre a descoberta de concentrações extremamente altas de PCB (bifenilos policlorados) e PBDE (éteres difenílicos polibromados) em pequenos anfípodes, uma espécie de crustáceo encontrada nas fossas oceânicas.
O estudo sugere que os poluentes encontraram seu caminho para as profundezas através de micros detritos de plástico contaminados, e animais mortos que se alimentaram deles..Depois, eles afundam até o assoalho submarino, onde anfípodes e outras formas de vida os consomem. No entanto, as ameaças vão além dos poluentes. Exploradores encontraram um saco de plástico a 10.898 metros de profundidade na Fossa das Marianas. Além do lixo plástico, a radioatividade também representa um problema grave no ponto mais profundo da Terra.
Lixo no Everest: cadáveres, excremento humano e plástico
O Monte Everest, localizado no Nepal, é a montanha mais alta do mundo, com uma altitude de 8.850 metros acima do nível do mar. Desde os primeiros a ganharem o cume, em 1953, o montanhista da Nova Zelândia Edmund Hillary e o guia tibetano Tenzing Norgay, escalar o Everest passou a ser objeto de desejo desde esportistas, até socialites, crianças, idosos, gente com deficiência como alguns cegos, e inúmeros outros.
O pico mais alto do mundo fica dentro do Parque Nacional Sagarmatha, mesmo assim, está atolado por lixo. Segundo a Earth Org, de acordo com dados oficiais publicados em 2021, as expedições de montanha experimentaram uma tendência ascendente, de 3.600 em 1979 para mais de 58.000 turistas em 2019.
A mesma fonte revela que entre 1990 e 2019, mais de 300 pessoas perderam a vida na tentativa de chegar ao cume. Em média, seis pessoas morrem todos os anos enquanto ascendem e descem o pico. Por esta razão, muitos corpos são deixados para trás. Assim, de acordo com uma investigação de 2015 da BBC, as encostas do Everest são atualmente o lar de mais de 200 cadáveres.
Cadáveres talvez não sejam os maiores problemas
Os cadáveres talvez não sejam os maiores problemas. Mas o cocô humano, sim. O cheiro anda tão forte que as autoridades estudam medidas para mitigar a situação. A Earth Org revela que o geólogo de montanha Alton Byers estimou que aproximadamente 5.400 kg de dejetos humanos são coletados dos acampamentos base a cada ano.
Todos os anos, o excremento humano tem sido um problema de rápida deterioração no Parque Nacional de Sagarmatha, em razão de uma combinação de inação e medidas ineficazes. Alguns alpinistas defecam em sacos biodegradáveis, que, no entanto, dizem ser caros. Enquanto isso, outros cavam buracos que, eventualmente, emergem de volta à superfície à medida que as temperaturas na região continuam subindo, derretendo a cobertura de gelo.
A BBC, em matéria de junho de 2024, informa que o exército nepalês diz que removeu onze toneladas de lixo, quatro cadáveres e um esqueleto do Monte Everest e de dois outros picos do Himalaia este ano. Estima-se que mais de cinquenta toneladas de resíduos e mais de 200 corpos cobrem o Everest. Já foram realizadas cinco limpezas, quando os soldados trouxeram 119 toneladas de lixo, 14 cadáveres e alguns esqueletos.
Temos que pensar sobre isso. Somos da geração que está mudando os locais mais ermos da Terra. Temos que não só fazermos nossa parte, como induzir outros e, especialmente, pressionar o governo para acabar com os lixões.
‘Estima-se oito mil kg de cocô humano por ano’
A afirmação acima é da Global News. Ela revelou mais horrores que a nossa geração deixa no local mais alto do mundo: As empresas de expedições econômicas cobram apenas 30.000 dólares por alpinista, cortando custos que incluem a remoção de resíduos. O Everest tem tanto lixo – garrafas de oxigênio esgotadas, embalagens de comida, cordas – que os alpinistas usam o lixo como uma espécie de sinalização.
Além disso, as tendas e outros restos estão sujando o Colo Sul, ou Campo 4, que, a 8.000 metros de altitude, é o acampamento mais alto do Everest, logo abaixo do cume. Os ventos fortes a essa altitude espalham o lixo por todo o lado.
Steven Sherpa, guia nativo, conversou com a Global News. Ele calcula que 30 tendas foram deixadas no Colo Sul e cerca de 5.000 quilos de lixo. Trazer o lixo para baixo é uma tarefa hercúlea quando qualquer passo em falso a tais altitudes pode ser fatal. No Campo 2, dois níveis acima do Campo Base, os ativistas acreditam que foram deixados cerca de 8000 quilos de excrementos humanos só durante a época de escalada deste ano. Os dejectos que transbordam derramam-se encosta abaixo em direção ao Campo Base e até às comunidades abaixo da montanha.
Será que será esta a nossa herança, em outras palavras, modificar para muito pior onde quer que colocamos os pés?
Assista ao vídeo da National Geographic sobre lixo no Everest
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