Jair Bolsonaro tropeça no ‘monóxido de carbono’
Jair Bolsonaro publicou um vídeo em suas redes sociais. Nele, “conta a verdade da preservação ambiental, comparando o Brasil ao mundo”. Parece que o presidente finalmente se preocupa com a imagem do Brasil no exterior, fruto da maior devastação de florestas tropicais da história recente. Ele resolveu trabalhar, veja a boa novidade, para melhorar a imagem do País. E, ao mesmo tempo, dissemina sua ‘narrativa’. O vídeo está em inglês. Na legenda, Bolsonaro diz: “São fatos. Peço enviar a amigos que morem no exterior.”
Monóxido de carbono, CO; ou dióxido de carbono, CO2?
O mais interessante, contudo, é que o monóxido de carbono tornou-se pela primeira vez no mundo um dos gases de efeito estufa. Para Jair Bolsonaro “os países do G 20, responsáveis por 80% do PIB mundial, também são responsáveis por 78% do monóxido de carbono emitido na atmosfera.”
“Já o brasil (assim mesmo, com minúscula, e várias vezes), é responsável por apenas 2,9%.” O texto deve ter sido revisado pelo ministro da Educação. O primeiro mal falava português, o segundo, escrevia imprecionante, com a letra ‘ce’.
E assim, pela primeira vez na vida, o desdito monóxido de carbono (CO) tornou-se um dos gases de efeito estufa. Bolsonaro tropeçou ao confundi-lo com o dióxido de carbono, o mais que famoso CO2. Talvez porque ainda não temos um ministro da Química…
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Entretanto o monóxido de carbono (CO) foi utilizado durante a Segunda Guerra Mundial nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas.
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Preocupação com o aquecimento global
Mas há outra novidade animadora. Parece que o governo passa a acreditar que o fenômeno do aquecimento por certo existe.
Até esta publicação, a narrativa de Brasília dava conta que o aquecimento seria um complô comunista, dizia o primeiro chanceler Ernesto Araújo.
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O vídeo é uma sucessão de ‘equívocos’, frutos da ‘narrativa’ truncada, entremeada por gafes que muito provavelmente serão mais um motivo de chacota no exterior. Mas ele nos dá pistas sobre as escolhas do presidente.
Por exemplo, ao mostrar imagens da Amazônia, a legenda diz: “Quem fala na nossa amazônia… – sic – (Eita ministro, de novo?) …nunca chegou a pisar nela. Você acha que é possível criticar sem sequer conhecer?”
A escolha de Ricardo Salles explicada
Descobrimos por que convidou Ricardo Salles para ser ministro do Meio Ambiente, um cidadão rico o suficiente para tê-la visitado dezenas de vezes se quisesse. Mas que, até ser alçado à posição, jamais tinha posto os pés na região.
Deu no que deu…
Quem está certo é o ex-embaixador Rubens Barbosa, presidente do IRICE, no artigo Amazônia, o El Dorado da ilegalidade, publicado em 10/5/2022, no O Estado de S. Paulo.
Em seu primeiro parágrafo o texto revela o que o vídeo presidencial não pode falar: ‘A ausência de uma efetiva política governamental de combate aos ilícitos na Amazônia nas áreas de desmatamento, queimadas e garimpo, inclusive nas terras indígenas, é o principal fator para a percepção negativa do Brasil no exterior e para a baixa credibilidade do País’.
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“Você está interessado na verdade?”
A frase “Você está interessado na verdade?” inicia o vídeo. Bem, depois de passar quatro anos demonizando as Unidades de Conservação, novo motivo para esperanças. A live comenta que “66% do País seria preservado” numa alusão às unidades de conservação, como os parques nacionais.
Mas não comenta que o deputado Jair Bolsonaro foi flagrado pescando numa unidade de conservação de proteção integral. E, em vez de pagar a multa que todo cidadão pagaria, enrolou até ser eleito. E demitiu o fiscal do Ibama que o flagrou.
A matriz energética do Brasil: para Bolsonaro 85% é renovável, para o site do Governo Federal, 45%
O vídeo diz ainda que “85% da energia utilizada no País é proveniente de fontes renováveis.” Enquanto isso, o site do Governo Federal o contradiz: “um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a matriz energética brasileira, em 2019, foi formada por 45% de fontes renováveis e 54% de fontes fósseis.”
Sobre os números de desmatamento, evitamos comentar. Basta de polêmicas. Mas recordamos o leitor que até no mês de abril deste ano na ‘nossa Amazônia’ os alertas de desmatamento passaram de 1 mil km² em abril e bateram (mais um) recorde para o período.
Para além disso, o Brasil protagonizou mais de 40% do desmatamento de todo o planeta em 2021 como é sabido em toda a parte do mundo.
Indígenas e a cavalaria
Outra questão interessante refere-se aos indígenas. Diz o texto ufanista… “enquanto 14% (da área do País) é território indígena protegido.”
Curiosamente, o Indiana Jones tropical não menciona a cavalaria: “Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios (Correio Braziliense, 12 Abril 1998)”; ou “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola (Estadão, 3 Abril 2017) .”
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Também não há referência à assinatura presidencial (5/2/2020) no Projeto de Lei para regulamentar a mineração, produção de petróleo, gás e geração de energia elétrica em terras indígenas.
A zona costeira e uma convite para visitar o País
Ao final há menção ao ‘imenso litoral’, seguido de um convite aos estrangeiros para visitarem o País. Mas não é dito que em fevereiro de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda à Constituição que repassa a Estados e municípios a propriedade, sem ônus, dos terrenos de marinha que hoje pertencem à União.
Entre as sandices, o projeto cujo relator foi o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), prevê legalizar as ilegais privatizações de praias, um presente dos deuses aos especuladores de plantão.
Jair Bolsonaro também esqueceu-se de alertar que em 2021 foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3729/2004, de autoria de um dos caciques da bancada ruralista (da banda podre do agronegócio que, este sim, respeitamos), o deputado Neri Geller (PP-MT), que cria novas regras ‘flexibilizando’ o licenciamento ambiental, e criando a estultice da licença ‘autodeclarada’
Estamos mal na foto
Antes que comecem as agressões pelos brucutus do exército de Jones, este site deixa claro que jamais votamos ou votaremos no Mexilhão Barbudo que instituiu a rapinagem aos cofres públicos durante os 13 anos do PeTismo no poder.
Nem por isto deixamos de exercer o direito de crítica pela política ambiental, a pior entre todos os presidentes desde a redemocratização. Quanto aos brucutus das redes sociais, estamos com Umberto Eco: uma legião de imbecis a que as redes sociais deram voz.
Volnei Morastoni (MDB), prefeito de Itajaí, é a nossa sorte
Nossa sorte é que o prefeito de Itajaí, Volnei Morastoni (MDB), não fez um vídeo em inglês para mostrar que sugeriu aplicar ozônio no reto dos brasileiros para combater a covid-19 em agosto de 2020, quando 100.000 brasileiros haviam morrido.
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Como se atravessássemos uma pandemia coletiva de demência, enquanto o prefeito justificava que a penetração seria tranquila, com cateter fininho; o presidente bradava que ‘quem usa máscara é viado‘.
Esse Mundo É Dos Loucos
Este patético Brasil me fez lembrar o filme Esse Mundo É Dos Loucos, comédia dramática de Philippe de Broca, cujo enredo se passa numa pequena cidade francesa durante a Primeira Guerra Mundial.
Um soldado, o ator Alan Bates, entra na vila e descobre que os habitantes a tinham abandonado. Os únicos que perambulavam eram os pacientes de um hospício que fugiram e andavam ensandecidos pelas ruas, disparando absurdos dignos do prefeito de Itajaí ou do presidente.
Felizmente o vídeo de Volnei Morastoni não saiu. Aí, sim, o Brasil surpreenderia o mundo.
Vale a pena ver de novo
– A verdade da preservação ambiental comparando o Brasil ao mundo.
– São fatos. Peço enviar a amigos que morem no exterior.
Presidente Jair Bolsonaro. pic.twitter.com/BYgigqAtdT— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) May 9, 2022
Imagem de abertura: Reprodução Twitter.