Guerra na Ucrânia afeta o aquecimento global
Uma guerra nunca é bem-vinda, muito menos a de Putin contra a Ucrânia. Mas, para além das mortes, destruição, e pobreza, a aventura de Putin também piora o cenário do aquecimento global. Não nos esqueçamos que a primeira ação de Biden logo após a eleição foi trazer de volta os Estados Unidos ao Acordo de Paris. O mundo agradeceu. Parecia que o efetivo combate ao aquecimento começaria. Parecia. Mas, a guerra na Ucrânia também afeta o aquecimento global.
A aventura de Putin e o aquecimento do planeta
Em seguida à eleição de Joe Biden publicamos o post Joe Biden, meio ambiente e possíveis mudanças internas, quando comemoramos: ‘A eleição de Joe Biden muda o cenário. Para os que não se conformam com a visão equivocada de Bolsonaro, é a melhor notícia dos últimos tempos. Por sua teimosia, ele agora está isolado. Sozinho em sua ignorância mortal’.
‘E não duvide, o descaso ambiental vai mudar. Biden cancelou o oleoduto, suspenso por Obama mas liberado por Trump, que levaria petróleo do Canadá até o Texas. No plano externo, decidiu-se pela volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris. E o melhor: Biden se comprometeu a proteger 30% das terras e mar territorial norte-americanos até 2030, engrossando o coro dos que defendem esta proteção há tempos’.
E agora, com a guerra, como ficam estas promessas e esperanças? Quem responde é o New York Times.
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A pergunta abre a matéria de
O Mar Sem Fim fez um resumo dos artigos do New York Times, e de outros, para situar o leitor brasileiro sobre a guerra descabida e o aquecimento do planeta. Eis o que destacamos…
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‘A proposta preliminar de 26 páginas da UE, vista pelo The New York Times, propõe renovar rapidamente edifícios antigos e com vazamentos para reduzir a demanda de energia, simplificar os regulamentos para atrair investimentos em energia renovável, incentivar mais instalações solares nos telhados e produzir mais energia a partir de biomassa’.
Rússia fornece quase 40% do gás que os países europeus usam para aquecimento
E prossegue a articulista: ‘Para alguns países, como a Alemanha, essa dependência é ainda maior, e isso dá ao presidente Vladimir Putin uma vantagem descomunal em sua guerra contra a Ucrânia. Também torna muito difícil para a Europa (e os Estados Unidos) impor sanções à indústria de combustíveis fósseis da Rússia, a principal fonte de dinheiro do país’.
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Tundra do Ártico emite mais carbono do que absorveVanuatu leva falha global em emissões à HaiaO plâncton ‘não sobreviverá às mudanças do clima’É aqui que começam os problemas. Somini lembra que o gás que vem da Russia ‘é chamado de gás natural, porque, como o carvão, é derivado da natureza. Seria mais correto chamá-lo de gás metano, porque o metano, um potente poluente, é seu principal componente (Obs. o aumento do metano na atmosfera preocupa os cientistas)’.
Ela explica: ‘No curto prazo, de acordo com o projeto de estratégia energética da UE, a Europa não está desistindo do gás. O plano propõe aumentar o armazenamento de gás e, para reduzir a dependência do gás canalizado da Rússia, a diversificação para o gás natural liquefeito, também um combustível fóssil’.
‘A indústria do petróleo e gás aproveitam o conflito’
Até o final deste ano, os Estados Unidos deverão ter a maior capacidade mundial de exportação de gás natural liquefeito. A indústria americana de petróleo e gás e seus defensores políticos aproveitaram o conflito na Ucrânia para pedir mais produção, embora isso pudesse demorar anos para ficar disponível e faria muito pouco para reduzir os preços da energia’.
Mas, enquanto isso, continuam as novas perfurações atrás de petróleo, como ela comenta. ‘A Grã-Bretanha disse que pretende continuar perfurando em sua parte do Mar do Norte, mas seu secretário de negócios e energia, Kwasi Kwarteng, disse nesta semana que a segurança energética de seu país teria que vir de fontes renováveis, que na Grã-Bretanha incluem poder nuclear’.
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“Seria uma loucura completa desligar nossa fonte doméstica de gás”, disse ele no Twitter. “Mas a solução de longo prazo é óbvia: o gás é mais caro que a energia renovável, então precisamos nos afastar do gás.”
Enquanto esperamos que a guerra termine, o mesmo New York Times publicou matéria em 2 de março, desta vez assinada por
com o título War Abroad and Politics at Home Push U.S. Climate Action Aside (em tradução livre, Guerra no exterior e política doméstica empurram a ação climática dos EUA de lado).A guerra está complicando os esforços dos dois maiores poluidores
No parágrafo de abertura elas escreveram: ‘A guerra e a política estão complicando os esforços dos dois maiores poluidores da história – os Estados Unidos e a Europa – para desacelerar o aquecimento global, assim como os cientistas alertam para a intensificação dos riscos’.
É óbvio. Mesmo com o aquecimento ameaçando sair do controle, uma guerra iniciada por um demente com saudades da União Soviética é capaz de brecar seja o que for. E é isso o que tememos. Além do maior tempo para se concentrar na questão do aquecimento, a guerra traz mais inflação mundial, inclusive aos Estados Unidos que enfrentam a maior taxa da história recente, 7,5%.
Outro demente: Donald Trump
E isso fortalece outro demente, desta vez interno: Donald Trump. Tudo o que não precisamos é mais um aloprado à frente da segunda maior potência nuclear mundial. Tempos sombrios, os que teremos pela frente.
Ambiciosa legislação climática de Biden bloqueada
Lembraram também que ‘Em Washington, a ambiciosa legislação climática de Biden foi bloqueada pela oposição republicana unânime, bem como por um senador de seu próprio partido, Joe Manchin, que representa o estado produtor de carvão da Virgínia Ocidental e tem forte apoio da indústria de combustíveis fósseis’.
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Mencionaram igualmente, ‘o relatório do IPCC que implorou aos líderes mundiais que reduzissem drasticamente as emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases de efeito estufa que estão aquecendo perigosamente o planeta. Falhar, disseram, é enfrentar um futuro angustiante onde a taxa de aquecimento global supera a capacidade da humanidade de se adaptar’.
Mas, ao final, as duas destacaram mais uma vez a triste realidade imposta pela guerra de Putin: …’os altos preços da gasolina representam um risco para os democratas antes das eleições de meio de mandato, e seus comentários também pretendiam atenuar isso. Ele disse que liberaria reservas de petróleo – no valor de 30 milhões de barris – para manter os preços baixos para os americanos. Nós vamos ficar bem, disse Biden.’
‘A guerra da Rússia contra a Ucrânia não tirou as mudanças climáticas da agenda’
Para cada parágrafo esperançoso, há outra análise em que se mostra o oposto
Mas, para cada parágrafo esperançoso, há outra análise em que se mostra o oposto, por exemplo: ‘A política de mudança climática está em um momento crítico no governo Biden. A agenda legislativa central do presidente, que ele chamou de ato Build Back Better, está morta’.
‘Os democratas ainda esperam aprovar cerca de US$ 500 bilhões em incentivos fiscais de energia limpa que faziam parte do pacote, mas as oportunidades para fazê-lo estão diminuindo. Se esse investimento não se concretizar e a Suprema Corte também restringir a capacidade do governo de regular as emissões, a meta de Biden de reduzir as emissões dos Estados Unidos pela metade em comparação com os níveis de 2005 pode ser essencialmente inatingível’.
Atrasar a transição para energias limpas
Na melhor das hipóteses, a guerra pode atrasar a transição para energias limpas. E temos que torcer para que a economia norte-americana seja o menos afetada possível para que diminuam as chances de seu demente interno, Donald Trump, nas próximas eleições.
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Enquanto isso, mais uma vez o New York Times destaca a dramática importância do mundo se concentrar no combate ao aquecimento do planeta. Em 1º de março o jornal publicou matéria de Raymond Zhong cuja chamada fala por si: ‘um grupo de cientistas do clima está pedindo aos colegas que suspendam as pesquisas e entrem em greve até que os líderes políticos tomem medidas contra o aquecimento global‘.
Há, no entanto, quem pense diferente. O economista José Roberto Mendonça de Barros em artigo publicado em 6 de março no Estado de S. Paulo é um deles. Em seu artigo Guerra na Ucrânia pode ser um ponto de inflexão, Mendonça de Barros termina seu texto com três hipóteses: “1) A invasão da Ucrânia energizou o projeto de integração europeia de uma forma difícil de imaginar até pouco tempo atrás; 2) Biden tem, finalmente, uma chance de galvanizar a opinião pública e crescer politicamente; 3) A transição energética vai dar papel muito mais relevante à energia nuclear e ao gás natural.”
Torcemos para que esteja certo. ‘Biden tem, finalmente, uma chance de galvanizar a opinião pública e crescer politicamente’. Ou isto, ou que sigam o conselho de Moíses Naím, escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowemen, que escreveu o artigo União em torno da guerra na Ucrânia deve servir de exemplo contra a mudança climática, em O Estado de S. Paulo em 7 de março. Ao final diz Naím:
O mundo deve desenvolver capacidade para responder a mais de uma crise por vez
“A crise climática de que o planeta padece é tão ou mais ameaçadora que Vladimir Putin. A invasão é um crime inaceitável, que não pode ser ignorado, e é preciso apoiar aqueles que enfrentam o tirano russo. Mas o mundo deve desenvolver capacidade para responder a mais de uma crise por vez. A Ucrânia não deve ser abandonada, mas a luta contra o aquecimento global também não. Esta última é muito difícil, mas agora sabemos que, agindo em conjunto, o mundo pode alcançar coisas difíceis.”
E finalizou: “Os líderes das democracias do mundo mostraram que, frente a uma ameaça existencial, as políticas as podem mudar decisiva e rapidamente. É hora de usarem com valentia o superpoder que a crise na Ucrânia lhes ajudou a descobrir para atacar a outra grande crise que a humanidade enfrenta.”
Imagem de abertura: Gabinete do Presidente da Ucrânia via EBC.
Fontes: https://www.nytimes.com/2022/03/02/climate/state-of-the-union-biden-ukraine-climate.html; https://www.nytimes.com/2022/03/04/climate/ukraine-russia-fossil-fuels.html; https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,um-ponto-de-inflexao,70003999162; https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,guerra-ucrania-mudanca-climatica,70004000167.