Guaraqueçaba e Cananéia: o desafio da sustentabilidade
Sem dúvida, Guaraqueçaba e Cananéia guardam uma das maiores concentrações do tesouro da Mata Atlântica no Brasil. As duas regiões se conectam entre o litoral norte do Paraná e o litoral sul de São Paulo. A área integra o Mosaico do Lagamar, que reúne mais de 40 unidades de conservação, e faz parte da Grande Reserva da Mata Atlântica (SP/PR/SC), e da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Artigo de Miguel von Behr*
Enorme riqueza natural, cultural e centenas de atrativos turísticos
Essas regiões carecem de infraestrutura e têm baixo IDH, mas abrigam uma enorme riqueza natural, cultural e centenas de atrativos turísticos. Mesmo assim, tanto Guaraqueçaba quanto Cananéia recebem altos repasses do ICMS Ecológico — especialmente Guaraqueçaba, por abrigar várias unidades de conservação, como o Parque Nacional do Superagui e a APA de Guaraqueçaba.
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Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaEm 2024, o município recebeu R$ 4,4 milhões do ICMS Ecológico do Paraná, uma média de quase R$ 370 mil por mês. Como e onde esse recurso está sendo aplicado (provavelmente bem, esperamos!) é um tema para outra conversa.
(O Lagamar está ameaçado por uma proposta dos governos do Paraná e São Paulo que pretende dragar e alargar o Canal do Varadouro para estimular o turismo náutico).
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Guaraqueçaba, no litoral norte paranaense
Guaraqueçaba, no litoral norte do Paraná, é o único município do Estado — e talvez de todo o sul, centro-oeste e sudeste do Brasil — cuja sede ainda não tem ligação por asfalto. A comunidade reivindica há anos a pavimentação, uma demanda justa e urgente.
Há décadas, entra e sai governador, e os 80 km da PR-405, entre Antonina (Cacatu) e Guaraqueçaba, continuam sem pavimento. A viagem, especialmente em dias de chuva, segue longa e difícil. Quem prefere evitar a estrada pode chegar a Guaraqueçaba de barco, partindo de Paranaguá.
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A falta de pavimentação tem várias causas: falta de recursos, inexistência de estudos de impacto ambiental e, talvez, a visão curta dos políticos. Para muitos, Guaraqueçaba não compensa o investimento — são apenas 6.462 eleitores (dados de 2024) diante de uma obra que custaria cerca de R$ 100 milhões, com um gasto mínimo de R$ 1 milhão por quilômetro asfaltado.
Mas talvez os políticos devessem se perguntar se não vale mais investir esse dinheiro em uma obra que traga retorno verdadeiro — ambiental, econômico e social — em vez de apenas votos.
Uma Estrada-Parque
E o mais importante: a Estrada-Parque geraria renda para as comunidades locais. A venda de produtos regionais, artesanato, comércio, restaurantes, ranchos de pesca e outras atividades econômicas encontrariam novo fôlego. O turismo poderia aproveitar os atrativos ao longo da estrada, com espaço até para uma ciclovia integrada à paisagem.
Pavimentação diferenciada, ecológica e atraente
Em outras palavras, transformar um limão em limonada. A proposta é criar uma pavimentação ecológica e visualmente agradável, com um sistema de drenagem eficiente e material que permita à água da chuva infiltrar no solo, diferente do asfalto convencional. O resultado traria grandes benefícios ambientais.
Com uma Estrada-Parque bonita e bem planejada, a obra certamente estimularia o turismo em Guaraqueçaba. Vale lembrar que todo o trajeto da estrada fica dentro da Área de Proteção Ambiental Federal (APA) de Guaraqueçaba.
Cananéia, no litoral sul paulista
Na vizinha Cananéia, no litoral sul paulista, o bairro rural de Santa Maria é uma das regiões mais isoladas e carentes do município. Merece atenção e apoio, sobretudo das autoridades locais, para receber as melhorias que há muito se fazem necessárias. Nessa área está o Parque Estadual do Lagamar de Cananéia, criado em 2008, com quase 41 mil hectares, sob administração da Fundação Florestal do Estado de São Paulo.
Cerca de 30 moradores dependem da antiga Linha do Telégrafo como acesso — dentro do parque e próxima à Colônia Santa Maria —, além de dezenas de sitiantes que têm propriedades na área, mas vivem em Cananéia ou no povoado do Ariri. Eles precisam de um acesso melhor até a cidade. Essa melhoria é fundamental para reduzir o impacto ambiental e deve seguir as diretrizes do Conselho Gestor e do Plano de Manejo do parque, na Zona Histórico-Cultural.
As comunidades dispersas
Os moradores precisam de melhores condições de deslocamento entre as comunidades próximas — como os Quilombos Mandira e Rio das Minas, Taquari, Itapitangui e Colônia Santa Maria — até a cidade de Cananéia, distante cerca de 35 km. A melhoria do acesso é essencial para garantir atendimento à saúde, transporte coletivo e escolar, além de facilitar o escoamento da pequena, porém importante, produção agrícola. Um acesso mais eficiente também ajudaria a impulsionar o turismo nos atrativos do Parque Estadual Lagamar de Cananéia, gerando renda por meio do turismo de base comunitária.
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Em Guaraqueçaba, a implantação de uma Estrada-Parque, se realmente seguir os princípios ambientais e sociais propostos e for bem fiscalizada, pode se tornar uma grande aliada na valorização da Área de Proteção Ambiental (APA) e no fortalecimento do turismo sustentável.
Colônia Santa Maria, em Cananéia
Na região rural da Colônia Santa Maria, em Cananéia, dentro do Parque Estadual Lagamar de Cananéia, é essencial garantir o envolvimento da comunidade nas decisões, junto à gestão do parque e às autoridades. Só assim o desenvolvimento sustentável será possível, evitando que acessos mal planejados causem novos impactos ambientais.
Concluindo, essas duas iniciativas — a Estrada-Parque em Guaraqueçaba e o fortalecimento comunitário em Cananéia — apontam para um mesmo caminho: promover o desenvolvimento sustentável sem comprometer a identidade cultural, a biodiversidade e a qualidade de vida das populações que vivem em uma das regiões mais preservadas e valiosas da Mata Atlântica e do litoral brasileiro.
*Miguel von Behr, 68, arquiteto e urbanista, fotógrafo/escritor, analista ambiental aposentado do Ministério do Meio Ambiente. Foi um dos criadores e o primeiro gestor da Área de Proteção Ambiental Federal (APA) de Guaraqueçaba, em meados da década de 1980. Sócio-fundador e sediado em Guaraqueçaba, foi apoiador dos primeiros projetos da Fundação SOS Mata Atlântica na região do Complexo estuarino-lagunar Iguape(SP)-Paranaguá(PR). Contato para troca de ideias sobre a região: 34 998007301 www.miguelvonbehr.com.br @miguelvonbehr
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