Resgate do Mar Sem Fim: despedida de Rei George,17/2/2013
16/2/13.
Esta manhã saí da cama cedo. E correndo. Há dias não faço isto. Preferia dormir depois que a turma se levanta pro café, encerrando sinfonia lúgubre-macabra (a Patética tem dono: Tchaikowsky), a que me referi no texto anterior. Além disto, faz tempo que o único “trabalho” é esperar. Não adianta levantar cedo. Pra fazer o quê?
Hoje, não. Foi diferente.
“O rebocador Otway está chegando”, alguém gritou.
Saltei do beliche no ato. Em tempo recorde vesti as quatro camadas de roupas. Calcei as botas, peguei as luvas e o gorro, e saí correndo. O cinegrafista Alex ao meu lado. Eu queria narrar “em tempo real”, no nosso documentário, a entrada do barco na baía Fildes.
Deu certo. Eram 9hs16 quando a silhueta do rebocador surgiu no horizonte. Emoção!
Faltam três ou quatro páginas para colocarmos o ponto final nesta história. Mas elas estavam “grudadas com cola”: não podíamos avançar sem a chegada de hoje. Não consigo lembrar do tempo esta manhã. Se havia neblina, ou neve, não posso dizer. O que sei é que o casco azul do Otway estava na minha mira.
Fotografei. Alex gravou.
Os momentos finais são sempre de angústia. Quando muito se espera, o tempo não passa.
É preciso que continue tudo certinho até o barco chegar em Punta Arenas. Não dá pra bobear. O sucesso é irmão do fracasso.
Ontem passamos sufoco. Entrou vento forte. De repente a amarra que segurava o Mar Sem Fim quebrou-se. Jogado pelo vento, o casco correu em direção às pedras da praia. Por sorte, na hora, estavam todos no contêiner. Próximos. E foram safos. Um corre-corre danado. Mas deu tempo.
Com um bote jogaram nova âncora, depois passaram o cabo no barco. Assisti tudo da janela da capitania. Sem fôlego. Bom que rolou de dia. Imagine à noite, com todos dormindo. Ta doido…
Este sábado começou bem, felizmente. Eu e Alex fomos a bordo registrar “a entrega” do casco. Don Francisco e seus homens mostraram à equipe do rebocador as obras feitas: janelas frontais, gaiútas da proa, saídas dos motores e banheiros: tudo selado. Completamente vedado para a travessia. Só havia uma porta ainda aberta, para que o capitão do rebocador pudesse verificar o interior, sem luz ou vida, do que foi o Mar Sem Fim.
Inspeção aprovada. Desembarcamos pela última vez.
17hs42
Enquanto espero que o rebocador se aproxime, e leve o que foi o meu barco ao largo até que a janela de tempo permita sua travessia de volta, ligo pro Brasil para saber quando haverá novo voo da FAB. Quarta- feira tem um, dizem, trazendo o Almirante em Chefe da Marinha do Brasil que vem visitar Ferraz. Junto vem o gerente do programa antártico brasileiro, Proantar, que tanto ajudou desde o naufrágio, Contra-Almirante Silva Rodrigues. Vou dar a boa notícia pessoalmente a eles aqui. E, juntos, voltaremos para Punta Arenas. Até o fim da semana que vem estou em casa.
Hoje ainda tive outra boa notícia. Um voo da DAP, regular, trouxe mais remédios e cremes para minhas coceiras. Vou ter uma noite feliz.
2Ohs46
Acabo de voltar da praia. Comovido e aliviado. O barco foi entregue de fato. Primeiro, dois botes tiraram a barreira de contenção que envolvia o Marzão. Ela acabou não sendo usada. Meu amigo se foi sem derramar uma “lágrima” sequer de petróleo. Depois trouxeram a barreira até a praia. A faina foi gravada pelo Alex e narrada por mim.
Frio de gelar. Mas a cena era “quente”. Ao invés de frio, senti calor. Frio, só na espinha. Daqueles de arrepiar. Em seguida os botes voltaram até onde estava meu barco, para empurrá-lo e puxá-lo até o rebocador que esperava ao largo. A baía é rasa, ele não pode se aproximar.
Quando o Mar Sem Fim ganhou segmento e começou a navegar o rebocador, como numa homenagem, acendeu seus faróis. Era fim de tarde, escurecia.
Dei meu último adeus. Pedi desculpas, eu devia isto a ele, expliquei que fiz o melhor que podia. E me apoiei na força de Fernando Pessoa: Marzão, meu querido,
ao imenso e possível oceano, ensinam estas quinas que aqui vês, que o mar com fim será grego ou romano, o mar sem fim é português.
Em homenagem ao barco, de quem agora me despeço, e de vocês, que me deram força através das mensagens solidárias durante estas cinco semanas de trabalho, digo que, se fosse música, seria de Brahms.
Até já.
17/2
12hs45
Mudou tudo outra vez. Depois da entrega do barco perguntei ao coordenador da DAP, Alejo Contreras, quando seriam os próximos vôos comerciais, regulares.
Mañana
Não me contive. Reservei três lugares. Nosso trabalho terminou. Não há mais nada que possamos fazer. Aguardo apenas o tempo melhorar, hoje nevou muito e o vento ainda está forte, para embarcar para Punta Arenas ainda esta tarde.
Bye, bye, Rei George.