Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú, Alagoas
Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú: APA significa “Área de Proteção Ambiental”. Em termos das Unidades de Conservação é a mais permissiva entre os 12 tipos. Área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, com atributos bióticos, abióticos, estéticos ou culturais importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. As APAs têm como objetivo proteger a diversidade biológica. Disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Cabe ao Instituto Chico Mendes estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público.
CARACTERÍSTICAS:
BIOMA: Marinho Costeiro
Município: Piaçabuçú, litoral sul de Alagoas
ÁREA: 9.106,8700 hectares
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec nº 88.421 de 21 de junho de 1983
Tipo: Uso Sustentável.
Plano de Manejo: A unidade tem plano de manejo desde maio de 2010
Caderno de anotações
A Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú é a sétima APA que visitamos. As primeiras, quase todas, são um retumbante fracasso. As APAS são tão permissivas que não conseguem proteger sequer a beleza cênica, um de seus compromissos. Ela é sistematicamente destruída pela especulação imobiliária, quanto mais a biodiversidade…
Alguns exemplos (da destruição da beleza e diversidade): APA da Baleia Franca, em Santa Catarina; APA Cananéia, Iguape Peruíbe, em São Paulo (vide Ilha Comprida, descaracterizada pela especulação, e o Valo Grande, que continua aberto); ou a APA do Cairuçu, em Paraty, Rio de janeiro. Em todas a especulação dá as cartas.
Infelizmente, a chefe da UC estava de licença e não pôde nos acompanhar. Para isso foi designado um fiscal da UC, Moacir Santos.
Beleza da região e motivos da criação da Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú
Conheço a região da APA desde 2007 quando fazia a primeira série da Cultura. Considero a foz do São Francisco um dos lugares mais bonitos da costa brasileira.
22 quilômetros de dunas que seguem a Praia do Peba
Os atrativos são muitos: 22 quilômetros de dunas que seguem a Praia do Peba. Desde Pontal do Peba, pequena cidade próxima a Piaçabuçu, até a foz do São Francisco. Para o interior das dunas há ainda uma bonita mata de restinga.
Nas margens do Velho Chico, ao menos em minha primeira viagem, ainda havia alguma mata ciliar. Pouca, mas havia. E, no rio, lindas canoas sergipanas usando enormes velas coloridas davam um charme todo especial.
A cidade de Piaçabuçú, com 18 mil habitantes, vive da pesca, plantação de cocos, e turismo. Até minha primeira viagem toda a frota de canoas da cidade usava as velas como propulsão. Era espetacular assistir sua saída, e volta da pescaria.
Desova de tartarugas na Praia do Peba
A Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú também foi criada para proteger a desova de tartarugas na Praia do Peba. Dos cinco tipos que frequentam a costa brasileira, quatro desovam aqui. A única que não o faz é a tartaruga de couro. A APA também se propõe a proteger as aves migratórias, e nativas, que se alimentam na mesma praia.
Piaçabuçú hoje sem velas
Depois de tantos anos de ausência, voltei animado pensando rever as lindas canoas sergipanas e suas velas quadradas. Pena. Grande decepção. As canoas continuam lá, fundeadas defronte à cidade. Mas 90% usam motor em vez de velas. Consegui ver apenas uma e, mesmo assim, usando vela e motor. Fiquei triste de perder a poesia diária que a procissão das pequenas e estreitas embarcações proporcionavam. Essa é mais uma comunidade de vela que se vai.
Para estes nativos o motor é um avanço
Engraçado como são as coisas. Para estes nativos o motor é um avanço, uma conquista. Agora eles podem navegar na hora que quiserem e para qualquer direção. Não têm mais que esperar a entrada do vento, posicionarem suas canoas a favor e, então, seguirem dando bordos até atingirem seu destino.
Enquanto a novidade alegra alguns, entristece outros. Para os amantes da antiga arte naval sua chegada representa uma perda irreparável. Toda uma tradição centenária vai embora.
Para os nativos o motor representa o progresso, a melhoria de nível de vida que permite a compra do equipamento e a despesa com combustível. Para os que gostam da nossa história náutica, da antiga tradição que herdamos dos portugueses, fecha-se um ciclo definitivamente. Senti uma terrível nostalgia ao perceber a diferença.
O desaparecimento de uma comunidade
É a primeira vez que vejo desaparecer toda uma comunidade que, até há pouco, manejava com extrema destreza aquele enorme aparato vélico, justificando o que disse Joshua Slocum sobre os brasileiros e a arte da navegação em seu livro A Viagem do Liberdade:
…a navegação, portanto, é usada com grandes vantagens pelos habitantes quase anfíbios da costa, que amam a água e movem-se nela como patos e marinheiros natos. Slocum chega ao ponto de escrever que idolatrava os nativos brasileiros e sua habilidade náutica nacional e perícia com canoas.
Enquanto isso acontece a maioria dos brasileiros sequer sabe que os nativos do litoral brasileiro são, ou foram, exímios velejadores, muito menos que um dia chegaram a impressionar um dos maiores ícones da vela mundial.
Não cultivamos nossas tradições, temos pouco conhecimento de nossa história e, para piorar, sofremos o complexo vira-latas: tudo que vem do Brasil não é bom em princípio. Olhamos, quase sempre, com desconfiança e desdém para os aspectos bonitos e interessantes que moldaram o caráter do brasileiro comum.
Embarcações típicas, bem cultural de acordo com o Iphan
O Iphan ainda tentou, mesmo que por pouco tempo e sem o empenho necessário, resgatar esta faceta pouco conhecida tombando alguns centenários barcos, como um saveiro baiano; uma canoa de pranchão, do Rio Grande do Sul; a linda canoa do tolda, típica do São Francisco, Luzitânia; e uma canoa costeira, do Maranhão.
Na mesma época o órgão decretou que “nosso patrimônio naval, leia-se embarcações típicas, são um bem cultural dos brasileiros.” Mas parou por aí. Não soube divulgar a informação que ficou restrita aos apaixonados pela vela. Assim, a grande maioria da população sequer sabe que temos essa riqueza cultural.
Resta torcer para que os modelos que ainda usam velas, cada vez mais restritos, espalhados pelo litoral do Nordeste, especialmente o Maranhão, tenham tempo suficiente de serem conhecidos, valorizados e, finalmente, preservados.
Canoa de tolda Luzitânia
Nessa viagem ainda tive o privilégio de reencontrar a canoa de tolda Luzitânia, maravilhosamente restaurada por um desses apaixonados, Carlos Eduardo Ribeiro, e que ainda está na região, mais precisamente em Brejo Grande, pequena vila na altura de Piaçabuçu, mas na margem do São Francisco que pertence a Sergipe (o São Francisco faz a divisa entre os estados de Alagoas e Sergipe).
Na primeira viagem para cá, em 2007, assisti ao restauro feito por Mestre Nivaldo, contratado por Carlos para a tarefa. Na ocasião a Luzitânia estava no seco, na mesma Brejo Grande, e passava por minuciosa reforma. Hoje ela navega soberana, com seus dois mastros e velas trapezoidais, além da bolina lateral (herança dos holandeses), pelas águas rasas do moribundo São Francisco. É a única canoa de tolda que sobrou.
Procurei contribuir para minimizar essa desinformação lançando o livro Embarcações Típicas da Costa Brasileira, pela editora Terceiro Nome. Um trabalho que muito me orgulha mas, pelo jeito, também insuficiente para tirar do limbo este tesouro nacional.
O São Francisco está morrendo mesmo com a criação da Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú
Entre 2008 e 2012 uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor José Alves Siqueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina, Pernambuco, promoveu 212 expedições ao longo e no entorno do São Francisco. Era o tempo da divulgação da transposição do rio… Em seguida o estudo foi reunido no livro “Flora das caatingas do Rio São Francisco: história natural e conservação” (Andrea Jakobsson Estúdio).
O trabalho é considerado o mais profundo estudo sobre a Caatinga, único bioma exclusivo do Brasil. O título do primeiro capítulo é emblemático: ” A extinção inexorável do rio São Francisco.
O professor explica:
Mostro os elementos de fauna e da flora que já foram perdidos. É como uma bicicleta sem corrente, como anda? E se ela estiver sem pneu? E se na roda estiver faltando um raio, e quando a quantidade de raios perdidos é tão grande que inviabiliza a bicicleta? Não sobrou nada no Rio São Francisco. Sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo depois do livro, mas precisava dizer isso. Queremos que o livro sirva como um marco teórico para as próximas décadas. Vou provar daqui a dez anos o que está acontecendo.
As grandes barragens para a produção de energia
Segundo o trabalho os problemas são inúmeros mas, talvez, os mais graves sejam as grandes barragens para a produção de energia, há cinco delas (em Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó) que geram 15% da energia produzida no país e, agora, a megalômana obra de transposição de suas águas orçada inicialmente em 4,5 bilhões de reais, número que já supera os 8 bilhões!
Poluição no São Francisco
Além destes, pode-se destacar como importantes outros problemas, entre eles a quantidade imensa de esgotos não tratados jogados no leito do Velho Chico ao longo de seus quase três mil quilômetros da nascente até a foz.
As barragens impedem a piracema. Como os peixes não podem mais subir o rio para se reproduzirem, o declínio das espécies e cardumes é evidente.
Para encerrar, o professor confirma os problemas gerados pela introdução de espécies exóticas como o tucunaré, o bagre – africano, e a carpa. De acordo com o estudo, estes peixes tornaram-se ‘pragas sem oferecer lucro aos pescadores.’
Restou apenas 4% da vegetação original das margens do São Francisco
Para encerrar, o livro mostra que restou apenas 4% da vegetação original das margens do São Francisco. Sem mata ciliar a erosão toma conta das margens contribuindo para o assoreamento do leito.
A pujança da mata ao longo do São Francisco extasiou os naturalistas Spix e Martius em sua viagem ao Brasil no século XIX.
Alteração na vazão do São Francisco
Antigamente, ali pela década de 70, a vazão do rio atingia 17 mil metros cúbicos por segundo em média. Hoje mal chega aos 700 metros cúbicos, apesar de um estudo do Ibama revelar que o mínimo, do ponto de vista ecológico, deveria ser de 1.700 metros cúbicos por segundo. Resultado? Erosão e total assoreamento do leito e, especialmente, da foz.
Uma cidade inteira, Cabeço, foi tragada
Uma cidade inteira, Cabeço, foi tragada na foz do rio que também mudou de local. Antigamente ele desaguava a cerca de 500, 700 metros, mais ou menos, para o norte. Hoje, com a diminuição da vazão, a areia empurrada pelo mar fez crescer a parte de terra que pertence a Alagoas, ao norte, enquanto engoliu as terras da parte sul, que pertence a Sergipe.
Veja esta foto que mostra Cabeço e o farol ainda em terra firme.
Agora veja onde está o mesmo farol…
Parte de Sergipe engolida pela erosão
Toda esta parte de Sergipe (lado sul da foz do São Francisco) foi engolida pela erosão. Enquanto a parte norte, de Alagoas, cresceu por acúmulo de sedimentos.
Antigamente a foz ficava mais ao norte, onde hoje foi erguido um novo farol, assinalado abaixo como “Peba”. Pelo mapa dá pra ver como cresceu a parte norte. Onde está escrito “Peba” ficava a foz original do ‘Rio da Integração Nacional.’
A zona costeira é extremamente frágil e sensível. Constantemente assolada por ventos, correntes, ressacas, e erosão natural, não se deve alterá-la sob o risco de causar graves problemas.
Toda vez que o ser humano faz isso, seja barrando os rios que deságuam no mar, seja na construção de grandes complexos, como portos, o resultado é o aumento da erosão que não para jamais. Foi o que aconteceu aqui mais uma vez.
O que vimos na viagem?
Entre outras, ao passearmos pela praia do Peba, vimos as carcaças de cinco tartarugas mortas…e isso a poucos metros da sede da APA que fica na mesma praia. O motivo não é outro senão a pesca de arrasto, cuja frota, sediada no Pontal de Peba, passa suas redes a menos de uma milha da praia.
Ao questionar o fiscal da UC, Moacir, sobre esse problema, ele o transferiu de imediato para o pessoal do Tamar, sediado no litoral norte de Sergipe.
Em APAs é sempre assim, a responsabilidade é dos outros, nunca da UC criada na região…
Cinco tartarugas mortas pode parecer pouco. O caso é que, de cada mil que nascem, apenas uma atinge o tamanho adulto. O resto morre no caminho, seja atacada por predadores ainda na praia, seja no mar.
Para que serviu a criação da Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú?
Esta é uma UC complicada. Há constante troca de gestores, equipe mínima como sempre, formada por apenas um analista ambiental e um fiscal, e não são cumpridas várias obrigações, entre elas reunião de conselho (ficaram quatro anos sem se reunir até que, dois meses atrás, houve mais uma reunião), e educação ambiental aos habitantes das cidades do entorno: Piaçabuçú e Pontal do Peba.
De acordo com um dos membros do conselho que entrevistei (não divulgo seu nome para não prejudicá-lo), “o pessoal da cidade mal sabe que é uma Unidade de Conservação.”
Ponto positivo da Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú
O único ponto positivo que consegui ver foi que a área da praia, e dunas, ainda não está totalmente descaracterizada pela especulação imobiliária. Não se vê casas de forasteiros. O mesmo não acontece na restinga que já começa a ser ocupada.
Comunidade dentro da Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú
Também visitei uma comunidade quilombola, Pixaim, que fica dentro da APA.
As margens do baixo São Francisco hoje
Ao navegar de Piaçabuçú até à foz pude notar a diferença da vegetação nas margens. Como disse no início, em minha primeira viagem, em 2007, ainda havia alguma mata ciliar. Hoje, no lugar dela, vê-se clarões.
Não há mais praticamente nada. O mangue da região, que não é grande, também está desaparecendo, muito provavelmente em razão da cunha salina.
Mangues são típicos de estuários onde há água salobra mas, com a água cada vez mais salgada, mais uma vez pela diminuição da vazão, este importante berçário de vida marinha está cada vez mais ralo.
Entrevista com o fiscal da Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú
No final entrevistei o fiscal que nos acompanhou, Moacir Santos. Perguntei porque não há educação ambiental, uma das obrigações de qualquer unidade de conservação. “Falta de pessoal”, foi a resposta. Moacir está lotado nesta UC há 17 anos.
Perguntei quantos chefes a unidade teve neste período: “vários”. Porque tantas mudanças? Ele não soube responder mas “supõe que seja pelos conflitos constantes com aqueles que querem construir na área da APA”.
Sobre a vazão ‘ecológica’ sugerida pelo Ibama (mínimo de 1.700 metros cúbicos por segundo), e a vazão atual de cerca de 700 metros cúbicos, ele foi desanimador: “desconheço”.
Pouco caso do Governo Federal na Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçú
Assim são geridas nossas poucas Unidades de Conservação federais marinhas. É triste assistir este pouco caso do Governo Federal e do ICMBio. O Brasil, a esta altura, deveria estar protegendo ao menos 10% de nossa zona costeira e águas territoriais. Esta é a meta do próprio governo, e de acordos internacionais firmados pelo Brasil, como as Metas de Aichi. Mas, com a falta de investimentos, não conseguimos garantir nem sequer os 1,5% englobados pelas 65 UCs federais marinhas.
A Lei do SNUC
Além disso as 12 categorias da Lei do SNUC só ajudam a aumentar a confusão. Não compreendo como uma área, ainda tão bonita como esta, permanece sendo uma APA, categoria permissiva demais, que serve muito pouco para garantir a biodiversidade ou a beleza cênica.
Um lugar como este, com a história e importância que já teve o São Francisco, deveria ser mais um Parque Nacional.
Se fosse gerido pela incitava privada tenho certeza que o turismo poderia crescer desempenhando um papel importante na geração de renda, e conseqüente melhoria de vida dos nativos.
SERVIÇOS
Não há restrições para visitar uma APA. Basta chegar a Piaçabuçú, ou Pontal do Peba, escolher uma pousada e conhecer a região.
Recomendo os serviços do único operador de ecoturismo da região que é muito bom. Ele propõe e organiza passeios de bugre ou barco, entre outros. O dono é o nativo Robério Góes, e operadora, a Farol da Foz Ecoturismo.
Mais informações sobre a Unidade de Conservação:
COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR6 -Cabedelo
ENDEREÇO / CIDADE / UF / CEP: Av. Beira Mar, s/n – Pontal do Peba – Piaçabuçú – CEP: 57.000-000
TELEFONE: (82) 3557.1200
Assista ao documentário que produzimos durante a visita à APA de Piaçabuçú