Aquecimento global promove ‘mudanças abruptas na Antártica’
Até pouco tempo, a Antártica mostrava mais resistência ao aquecimento global do que o Ártico. Por exemplo, desde 2019 já se sabia que o Ártico perdia gelo muito mais rápido e se aproximava do ponto de não retorno. Naquele ano, cientistas do Instituto Meteorológico da Finlândia afirmaram: o Polo Norte aqueceu quatro vezes mais rápido que o resto do planeta nas últimas décadas. Hoje, essa diferença parece ter desaparecido. Em 20 de agosto de 2025, a revista Nature publicou o artigo Emerging evidence of abrupt changes in the Antarctic environment (Evidências emergentes de mudanças abruptas no ambiente antártico). No estudo, cientistas relatam novas descobertas ligadas ao aquecimento. Eles alertam: em alguns aspectos, as mudanças abruptas na Antártica são mais fortes e podem ser irreversíveis, até mais graves que a perda de gelo do Ártico.

Ponto de inflexão da perda de gelo na Antártica se aproxima
O estudo tece a liderança da professora Nerilie Abram, da Universidade Nacional Australiana e atual cientista-chefe da Divisão Antártica Australiana.
Os autores afirmam que várias mudanças rápidas já ocorrem no ambiente antártico ou estão prestes a acontecer.
Segundo eles, uma mudança de regime reduziu a extensão do gelo marinho muito além da variabilidade natural registrada em séculos anteriores. ‘Em alguns aspectos, essa perda é mais abrupta, não linear e pode ser irreversível, superando até a do Ártico’.
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A equipe de pesquisa chegou a essas conclusões após analisar os avanços no conhecimento desde o último relatório do IPCC.
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Os recordes de mínimos de gelo marinho no verão, em 2017, 2022 e 2023, levaram cientistas a sugerir uma possível mudança de regime. Isso pode significar um novo estado, marcado por cobertura de gelo cada vez menor.
Vale saber que, se todo o gelo da Antártica derreter, coisa que ninguém imagina que possa acontecer, o nível dos oceanos subiria entre 50 e 60 metros. Isto dá ao leigo uma ideia da importância da Antártica como refrigerador da Terra. Seja como for, o aumento do nível do mar está se mostrando muito mais rápido que as previsões mais pessimistas.
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‘A taxa de declínio de gelo na Antártica é dramática’
Este site já está acostumado a ler pesquisas publicadas em periódicos científicos. É bastante incomum o uso de expressões ou termos que remetam às emoções humanas. Mas não neste caso:
‘É importante ressaltar que a taxa de declínio de gelo na Antártica é dramática quando comparada com o Ártico. No verão, o mínimo de gelo marinho da Antártida diminuiu 1,9 vezes mais rápido em 10 anos do que o declínio do gelo marinho do verão no Ártico em 46 anos, que é a duração do registro do satélite. Assim definiu a situação a Dra. Dr. Petra Heil, coautora do estudo.
Mudanças físicas e biológicas na Antártida e no Oceano Austral
A equipe de pesquisa disse que havia “evidências contundentes” de uma mudança no regime do gelo marinho da Antártida, o que terá nefastos efeitos em cadeia.
A ausência não sazonal ou completa de gelo marinho, juntamente com outras mudanças relacionadas ao clima, como o aquecimento atmosférico e a acidificação dos oceanos, também contribuem para a perda de habitat para espécies marinhas e terrestres. Os cientistas também estão relatando uma mudança de regime nas espécies de fitoplâncton, com um declínio nos preferidos pelo krill – uma fonte de alimento crítica para outras criaturas marinhas e já suficientemente ameaçado pela pesca indiscriminada.
Nível global do mar sobe mais rápido do que o esperado em 2024
Não é de hoje que os cientistas percebem que o mar está subindo mais rápido que o previsto. De acordo com uma análise liderada pela NASA, a taxa de aumento do nível do mar em 2024 foi de 0,59 centímetros por ano, em comparação com a taxa esperada de 0,43 centímetros por ano.
“O aumento que vimos em 2024 foi maior do que esperávamos”, disse Josh Willis, pesquisador de nível do mar do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, no sul da Califórnia. “A cada ano é um pouco diferente, mas o que está claro é que o oceano continua a subir, e a taxa de aumento está ficando cada vez mais rápida.”
A notícia é preocupante para o Brasil. Hoje, nosso litoral, onde moram 54,8% da população, já enfrenta a erosão em 60% de sua extensão. Em alguns estados a situação é dramática, caso do litoral de Santa Catarina que está perdendo suas praias com uma rapidez inacreditável.
Mesmo que parem as emissões o nível do mar aumentará por séculos ou milênio
Os especialistas dizem que mesmo que o mundo pare de emitir gases de efeito estufa amanhã o nível do mar continuará aumentando por séculos ou milênios. Desde a década de 1880, o nível médio do mar em todo o mundo já aumentou cerca de 24 cm. Metade desse aumento aconteceu nas últimas três décadas.
A razão para isso não é amplamente conhecida, fora da comunidade científica, mas é crucial. Os sistemas que causam o aumento do nível do mar – especificamente, a expansão térmica do oceano e o derretimento de geleiras e camadas de gelo devido ao aquecimento global – têm um atraso de séculos.
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Veja o perigo que enfrentamos. Em cerca de 170 anos o nível do mar subiu 24 cm (1880 – 2025). Agora, nos piores cenários do aquecimento o aumento do nível do mar até 2100, portanto dentro de 75 anos, poderá atingir entre 1 e 2 metros ou até mais. Nosso legado para as futuras gerações será distópico, no mínimo.
Vazamento de metano no Mar de Ross
Como tudo que é ruim sempre pode piorar, em outubro de 2025 outro estudo foi publicado na Nature Communications demonstrando que o metano, um dos gases de efeito estufa, está escapando de rachaduras no fundo do mar da Antártida à medida que a região se aquece, com novas infiltrações sendo descobertas a uma ‘taxa surpreendente’.
O gás metano preocupa porque retém cerca de 80 vezes mais calor do que o dióxido de carbono durante seus primeiros 20 anos na atmosfera. De acordo com o estudo, mais de 40 novos vazamentos foram identificados nas águas rasas do Mar de Ross.
De acordo com Sarah Seabrook, cientista da Earth Sciences New Zealand e autora do estudo, os vazamentos de metano são relativamente comuns em outras partes do mundo. No entanto, na Antártida, anteriormente havia apenas um registro confirmado.
Segundo a CNN, a cientista disse que cada descoberta provocou “emoção imediata”, rapidamente substituída por “ansiedade e preocupação”. A razão é o medo de que essas novas infiltrações possam acelerar o aquecimento global.