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A luta em prol do mangue do Araçá em São Sebastião

A luta em prol do mangue do Araçá em São Sebastião

A luta em prol do mangue do Araçá, colado ao porto de São Sebastião, começou em 2009 em razão da ampliação do porto, um vizinho incômodo para qualquer berçário marinho. A disputa é desigual. Os interesses econômicos pela ampliação são, aparentemente, maiores que os da preservação. No entanto, desde o início a população que se beneficia do manguezal tem travado uma luta aguerrida, não se intimidando com a grandiosidade da obra. O projeto, licenciado pelo Ibama em 2013, prevê duplicação da área do porto, de 400 mil para cerca de 1 milhão de m2. Isso seria possível com a construção de uma laje de 500 mil m2 sobre a Baía do Araçá que abriga o último manguezal da região.

Baía e Mangue do Araçá.
Baía e mangue do Araçá. Imagem de Gabriel Monteiro para o biota araçá.org.

O último manguezal de São Sebastião

O Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp explicou que, em iniciativa inédita, os moradores (do entorno do Araçá) recorreram à ajuda de pesquisadores, talvez porque há cerca de 60 anos eles encontravam apoio logístico do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP), instalado muito próximo à baía.

Assim, a professora Cecília Amaral, do Departamento de Biologia Animal do Instituto de Biologia  da Unicamp, assumiu a coordenação de um projeto temático para estudar a riqueza das espécies vegetais e animais da baía. A ideia incluía a realização de um amplo levantamento do ambiente e suas múltiplas influências na sobrevivência desses organismos. Nasceu o Projeto Biota/Fapesp-Araçá, iniciado em 2012 e concluído em 2017.

O Nepam revelou que, à medida que os resultados eram divulgados, várias instituições brasileiras e estrangeiras se interessaram e passaram a integrá-lo. Isso se traduz  hoje em uma publicação com mais de cem artigos em periódicos internacionais. O ponto culminante foi a edição especial da revista Ocean & Coastal Management, dedicada à publicação de 16 artigos do projeto Biota/Fapesp-Araçá.  Em decorrência dos achados, a baía do Araçá  se revelou um dos locais de mais alta riqueza e diversidade de espécies da costa brasileira.

‘Uma enseada de 500 mil metros quadrados e uma biodiversidade inesperada’

De acordo com a Revista Fapesp a enseada de cerca de 500 mil metros quadrados revelou uma diversidade inesperada de formas de vida, algumas delas alimentadas pela poluição dos esgotos das casas e do porto.

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Desde 2012, os 170 pesquisadores, coordenados pela bióloga Cecília Amaral, investigam os fatores físicos, químicos, geológicos e socioeconômicos que influenciam a dinâmica do Araçá.  O levantamento da diversidade biológica levou à identificação de 1.368 espécies de organismos.

A maioria faz parte do bentos, grupo de organismos que vivem em costões rochosos, manguezais e entre grãos de areia. Com base nos trabalhos iniciados nessa baía em 1950, Cecília considera o Araçá a região costeira com uma das mais altas biodiversidades do país. Muitos dados do projeto coordenado por ela estão apresentados no livro A vida na Baía do Araçá.

Biodiversidade usada contra a ampliação do porto de São Sebastião

Segundo a Revista FAPESP, em 2014 os dados sobre a diversidade biológica da baía foram usados pelo Ministério Público Estadual para contestar, do ponto de vista ambiental, o pedido de outra ampliação do porto, considerada essencial para receber navios maiores pela Companhia Docas de São Sebastião, estatal responsável por sua administração.

Prefeito Felipe Augusto (PSDB) desapropria imóveis

Apesar das provas de sua biodiversidade, e da contribuição do manguezal para a integridade da costa ameaçada pela subida do nível do mar, em abril de 2024 o ex-prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), assinou 16 decretos de desapropriação de imóveis no Araçá, alegando preservação ambiental. A medida, no entanto, foi entendida pelos moradores como uma tentativa de expulsão. O caso está sob inquérito do Ministério Público Federal, após reportagem do Estadão expor a tensão entre prefeitura e comunidade; a informação é de Poio Estavski para o Tamoio News.

O jornalista conta qual a resposta dos moradores do Araçá: ‘em 5 de junho de 2024, no Dia Mundial do Meio Ambiente, moradores e movimentos sociais replantaram mais de 200 mudas no mangue. Foi a resposta simbólica à ameaça de desapropriação, reafirmando o valor do território para além do discurso oficial’.

O exemplo do caiçara Humberto Messias que faz replantio no mangue do Araçá desde 2010

Nós já mostramos neste site que, enquanto o Brasil segue cortando mangues o mundo inteiro replanta. As soluções baseadas na natureza são as mais baratas, mais simples, e muitas vezes mais eficazes na luta contra o aquecimento.

Humberto Messias replantando o manguezal. Imagem, Ed Davies.

“No caso de São Sebastião a resposta superior da população afetada, de plantar mudas de mangues, talvez tenha tido como inspiração um personagem famoso na região pela obstinação. Trata-se do caiçara Humberto Messias que desde 2010 planta novas mudas diariamente no mangue do Araçá, como revela reportagem do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA). “O que a gente faz aqui não é só para a gente, é para todo mundo. Cada muda de mangue reflete na vida de todo ser humano que respira”, resume Humberto em entrevista ao FunBEA.

Que surjam mais Humbertos!

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