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A expedição da Invencível Armada

A expedição da Invencível Armada

Em 25 de abril de 1588, Lisboa estava fervendo, abarrotada por milhares de homens que desembarcaram de uma frota de 130 navios ancorados no Tejo.  Eles se dirigiam, ordeiramente e seguindo um rígido protocolo, à Sé Catedral. À frente marchava o duque de Medina Sidônia, inseguro e infeliz,  Comandante-Geral do Alto Mar e, da mesma forma, comandante-em-chefe-da-armada, assim designado a contragosto pelo rei Filipe II. Ao chegarem, foram recebidos pelo arcebispo de Portugal. Iniciou-se a missa solene, cantada com toda a pompa. O estandarte foi abençoado e entregue ao duque Medina Sidônia que o recebeu reverentemente. Ato contínuo, um sinal foi dado. Segundos depois as tropas no exterior dispararam suas armas, e os navios no porto, salvas de saudação. Estava para começar a epopeia da Invencível Armada. Ela fora construída para…

A Invencível armada.
Imagem britânica.com.

Objetivo, conquistar a Inglaterra

Mas, apesar da solenidade havia um indisfarçável mal estar nas ruas lisboetas. Apenas sete anos se haviam passado desde que o rei de Espanha se apropriara do trono de Portugal, tendo anexado o país a seu vastos domínios. Grande parte do povo de Lisboa ainda via o vice-rei espanhol, que sediara a respectiva corte no palácio dos reis portugueses, como  um estrangeiro usurpador.

Um parêntesis para explicar ao leitor

Este post se baseia no livro A Expedição da Invencível Armada, do inglês David Howard (Edições 70), a primeira versão desta epopeia, que começou em maio e terminou em setembro de 1588, baseada em documentos espanhóis.

Como lembra o autor, muito do que nos foi ensinado sobre o grandioso episódio provém de fontes inglesas. Apresentaram-se escassas, apesar de empoladas pelos historiadores do século 19, que escreveram no apogeu do orgulho imperial britânico e fizeram da história da armada uma narrativa heroica nacionalista que em muito se afasta da história.

Nosso post é, na verdade, uma resenha da obra de Howard, de onde tiramos os parágrafos essenciais para a compreensão do que de fato aconteceu. Em razão desta explicação não usaremos aspas, apesar de serem palavras, expressões e explicações, do autor.

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Ao contrário. Quando forem nossas as intervenções, para fazer a ligação entre um e outro trecho original, usaremos itálico para sinalizar ao leitor.

O foco do autor foi o episódio náutico que entrou para a história ocidental. Ele pouco fala dos antecedentes, contudo, há fartura de informações sobre os tipos de navios de um e do outro lado, o modo e objetivo da construção, a maneira de comandá-los, as condições de tempo, etc.

Este sempre foi o foco do Mar Sem Fim em nossas matérias do ícone ‘História Marítima’. Por este motivo, a obra de David Howard foi a escolhida para resumir esta fabulosa aventura naval.

A escolha do comandante-em-chefe-da-armada

Uma das coisas mais extraordinárias da armada é que o seu comandante, aos 37 anos, tinha estado poucas vezes no mar. Ele não desejava partir.

O duque soube da escolha de Filipe II por um correio real. Este o informava que o comandante-em-chefe da grande armada que se estava a construir em Lisboa, o marquês de Santa Cruz, estava a morrer. Assim, o rei o nomeara.  E ordenou-lhe que se dirigisse a Lisboa, assumisse o controle da frota. Assim, em nome de Deus e do Rei, a liderasse na conquista da Inglaterra.

Filipi II. www.britishbattles.com.

Breves antecedentes geopolíticos

Espanha e Inglaterra travaram uma guerra entre 1585 e 1604. Segundo o www.history.com, ‘As tensões entre a Espanha e a Inglaterra aumentaram na década de 1580, depois que Elizabeth começou a permitir que corsários como Sir Francis Drake conduzissem ataques piratas às frotas espanholas que transportavam tesouros de suas ricas colônias do Novo Mundo.’

‘Apesar de suas conexões familiares – Philip já foi casado com a meia-irmã de Elizabeth, Mary – os dois membros da realeza tinham sérias diferenças políticas e religiosas e se envolveram em uma “guerra fria” durante grande parte das décadas de 1560 e 1570.’

‘O plano espanhol previa que esta “Grande e Afortunada Marinha” navegasse de Lisboa, Portugal, para Flandres, onde se encontraria com 30.000 soldados de elite liderados pelo duque de Parma, governador da Holanda espanhola.’

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‘A derrota da Armada Espanhola levou a uma onda de orgulho nacional na Inglaterra e foi um dos capítulos mais significativos da Guerra Anglo-Espanhola.’

Qualquer outro espanhol teria ficado cheio de orgulho

Qualquer outro espanhol teria ficado cheio de orgulho. O duque ficou terrificado. Escreveu imediatamente um protesto pungente.  As palavras jorravam em frenéticas repetições. O duque  procurava a frase que faria o rei  perceber que ele não queria e não podia cumprir tal missão.

Elizabeth I e a Armada Espanhola; a pintura dos Boticários, às vezes atribuída a Nicholas Hilliard. Uma representação estilizada dos elementos-chave da história da Armada: os faróis de alarme, a Rainha Elizabeth em Tilbury e a batalha naval em Gravelines. Wikepedia.

…Mas, Senhor, não tenho saúde para o mar. Da pouca experiência que tenho de navegação, sei que estarei sempre enjoado e constipado…Desse modo sinto-me incapaz de aceitar o comando. Além do mais, nem a minha consciência nem o meu sentido de dever  me permitem aceitar esta missão. E prosseguiu:  A armada é tão grandiosa, e a responsabilidade tão grave, que seria errado que uma pessoa como eu, sem experiência de navegação ou de guerra, a viesse assumir.

‘Não era a carta de um covarde’

Esta não era a carta de um covarde. Era preciso ter muita coragem moral para escrever desta forma ao rei Filipe, e nas batalhas que se seguiram, o duque mostrou ser possuidor de uma enorme coragem física.

Elisabeth I, rainha da Inglaterra. www.britishbattles.com.

Naquele tempo uma grande frota real só podia ser comandada por um eminente aristocrata, porque os almirantes e os generais eram ciumentos, homens difíceis que não teriam servido em conjunto sob as ordens de qualquer mortal de menor estatuto.

Desse modo a escolha recaiu sobre o duque, um homem que não tinha qualquer experiência de guerra ou de navegação para chefiar a maior armada até então formada, para invadir e dominar a Inglaterra.

Os domínios da Espanha à época

Em 1583, Felipe tinha 61 anos e já reinava há 30. Do Escorial ele comandava, ou supunha comandar, um mundo de uma complexidade quase infinita. Geograficamente, o seu império era o maior que em toda a história rei algum já dominara. Na Europa, a Espanha e Portugal, a Sicília, Nápoles e Milão, e parte dos Países Baixos e da França; além-mar, os domínios espanhóis e portugueses na América, na África, na Índia e no Extremo Oriente. Exatamente no outro lado do mundo, as ilhas Filipinas receberam dele o nome. E, durante dois anos, o casamento com Maria Tudor fez dele também rei em título da Inglaterra.

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Entretanto, apenas os domínios espanhóis de além-mar foram frutos de conquistas. Os que faziam parte da Europa caíram em suas mãos pelos subterfúgios da herança, através da interpretação dos emaranhados ramos das árvores genealógicas das famílias reais.

Os casamentos reais

Por último, os casamentos reais, como o do duque, eram sempre políticos. O próprio Felipe casou quatro vezes com princesas herdeiras de Portugal, Inglaterra, França e Áustria, e nunca viu nenhuma das suas noivas antes do início da cerimônia. Todas morreram.

De uma forma ou de outra, ele conseguia provar que estava ligado com quase todas as famílias de sangue real, podendo apresentar algum tipo de pretensão sobre todos os tronos.

Em quase todos os domínios católicos de Felipe os protestantes eram exterminados ou arrastados pela Inquisição para masmorras remotas. A  única exceção eram os Países Baixos.

Tinha por missão pessoal, que acreditava ser divinamente imposta, punir os protestantes e resgatar os católicos que vivessem sob jugo protestante.

Em suma, era este o contexto à época da Invencível Armada.

A Invencível Armada

Entre os 130 navios havia de tudo. Navios reais, outros alugados ou requisitados, navios dos portos de Espanha e Itália, das Índias e, inclusive, do Báltico.

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A invencível armada. Imagem, www.malevus.com.

Vieram eles com as respectivas tripulações e, tanto estas como o crescente número de soldados, tinham passado o inverno todo a bordo. Sempre que se contavam os soldados e marinheiros, os números não coincidiam contudo, no cálculo final foram estimados em cerca de 30.000.

Com isso fica claro outro erro. O de planejamento. Imagine 30.000 almas espremidas em 130 navios do século 16, em exíguo espaço, sem qualquer higiene, e mal alimentados por todo o frio e úmido inverno. E isso foi só o início… 

De fato a armada não estava preparada. Nenhuma frota desta envergadura poderá alguma vez estar perfeitamente preparada. Inevitavelmente, os equipamentos estragavam-se, eram encontrados defeitos, as coisas partiam-se, os homens adoeciam ou sofriam acidentes ou desertavam, tendo de ser substituídos por novos recrutas. Assim, ao verificarem as suas listas, os contramestres e os imediatos encontravam sempre falhas.

Salvo engano nosso, a maior frota do século 16 antes dessa, foi a frota de Cabral que contava com 13 navios.

Enquanto isso, os navios tinham que ser querenados para limpeza dos cascos e quando a operação havia sido concluída no último navio, já o primeiro necessitava de se submeter novamente a ela.

Contudo, a 11 de maio uma suave brisa de leste, conjugada com uma vazante da maré, contribuiu para conduzir a armada rio abaixo.

Início da navegação Tejo abaixo

Por ordem hierárquica navegavam 65 galeões e outros grandes navios de guerra. Havia também 25 urcas, que eram navios comerciais ou cargueiros do Báltico. Em seguida, 32 navios menores e botes chamados patachos, quatro galeaças de Nápoles, grandes navios movidos a remos e à vela, tidos como os mais úteis em batalhas. Finalmente, quatro pequenas galés portuguesas, também a remos, que tinham sido escolhidas por algum motivo que ninguém recordava.

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Baltic Hulk ou Urca: impressão de Peter Brueghel: Armada Espanhola de junho a setembro de 1588. Imagem, www.britishbattles.com.

Não deve ter havido muitos críticos navais a observar a cena a partir da costa. Se houvesse, teriam reparado que, dos navios maiores, apenas 25 – 21 galeões e quatro galeaças – eram verdadeiros navios de guerra, concebidos para levarem soldados e combater outros navios.

Galeão português: Armada Espanhola de junho a setembro de 1588. Imagem,www.britishbattles.com.

Canhão de 50 libras, a maior arma

Alguns destes navios transportavam a maior de todas as armas navais: o canhão de 50 libras. Especialistas teriam reconhecido que se tratavam de navios de construção muito mais ligeira do que os galeões de combate, sendo mais lentos e mais difíceis de manobrar, por serem mais largos.

Navios mercantes do Mediterrâneo também faziam parte da armada. Imagem,www.britishbattles.com.

Entretanto, caso os especialistas tivessem dúvidas sobre a eficácia de usar naus como navios de combate, teriam de limitar-se a encolher os ombros, partindo do princípio de que o rei sabia o que fazia.

Todas as estatísticas da frota eram relatadas ao rei – e não apenas a ele. Estas listas estavam impressas e publicadas. Existiam até cópias delas na Inglaterra antes da armada zarpar. Os espanhóis estavam cientes de ter reunido a maior frota da história naval, deste modo era aconselhável não manter secreto os números, usando-os antes para atemorizar os ingleses e impressionar o resto da Europa.

Com isso podemos assinalar mais um erro, o fator surpresa, tão importante, estava desde cedo descartado.

O plano de guerra

Era infantil, mal preparado do começo ao fim, confiando apenas na ajuda do Deus católico contra os hereges protestantes ingleses.

Em resumo, o duque de Sidônia deveria encontrar-se com o duque de Parma, o comandante das tropas espanholas nos Países Baixos, em Dunquerque, para depois dirigirem-se à Inglaterra para a triunfante invasão.

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Desde sempre, o duque de Sidônia tentou de tudo para mudar esta parte do plano. Ele não queria navegar para a Inglaterra, mas que o duque de Parma fosse até ele, que estaria ao largo, com sua tropa de 17.000 homens. No encontro, por ordem do rei, o duque de Sidônia deveria ceder 6.000 de seus homens para engrossarem a tropa de desembarque.

Alexander Farnese, duque de Parma. Imagem, www.britishbattles.com.

O autor do livro, base deste post, teve acesso às cartas enviadas da armada via um escaler, até Filipe, dando conta dos avanços alcançados. E, ao mesmo tempo, a correspondência do duque de Sidônia ao duque de Parma, nos Países Baixos, marcando o encontro. Assim pôde reconstituir o que se deu no mar.

As dificuldades em mar aberto

Ao sair do Tejo a armada deveria dirigir-se ao Cabo Finisterra, ao norte. Mas o vento soprava exatamente ao contrário. Na manhã seguinte, depois de três dias no mar, viram terra e constataram que tinham progredido apenas cinco milhas em relação ao ponto de partida.

Durante a semana seguinte vagueiam para a frente e para trás no meio de uma tempestade. Os pilotos comunicaram que estavam perto do Cabo São Vicente, a umas cem milhas de Lisboa.

A causa desta ineficácia prende-se com o fato dos navios espanhóis terem altos castelos de combate, e a razão para isso devia-se aos espanhóis não serem por natureza um povo de marinheiros, não tinham um respeito inato, como os ingleses, pela arte da navegação.

Armada e escaleres.

O castelo de proa arrastava a popa para fora da direção do vento e o volume e resistência ao vento de ambos os castelos faziam com que os rumos do navio tendessem a decair para sotavento (o lado para o qual sopra o vento).

‘A armada tinha todas as desvantagens possíveis e imaginárias’

Tratando-se de uma frota mista, com navios que iam do muito bem ao muito mau, a armada tinha todas as desvantagens possíveis e imaginárias.

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Além disso, ninguém antes tentara manobrar uma frota de 130 navios e isso revelar-se-ia muito mais penoso do que se poderia imaginar.

Na verdade, frotas deste tamanho e até maiores, só mesmo na antiguidade clássica com os gregos e persas, os egípcios da dinastia ptolemaica e, finalmente,  os romanos.

Enquanto os espanhóis, ao tempo do preparo da frota, aumentavam ainda mais a altura de seus castelos, sabiam que os ingleses construíam navios sem quaisquer castelos, ou quando muito, com castelos bem mais reduzidos.

O que eles ainda não sabiam,  mas estavam prestes a aprender, era que, desprovidos de castelos, os navios ingleses representavam um evidente sinal de uma revolução nas batalhas navais.

Ark Royal, navio de bandeira inglesa. Imagem, www.britishbattles.com.

Enquanto isso, o duque de Parma escrevia ao rei reclamando do pedido de se encontrar ao largo da Inglaterra com sua própria frota.

“Quanto a ir ter com ele, tem de perceber que estas pequenas embarcações, baixas e chatas, são feitas para rios e não para o mar: não ouso desviar da travessia curta e direta acerca da qual já concordamos.”

O fatal mal-entendido crescia.

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‘Terrível desconforto dos navios superlotados’

Entretanto, havia mais que mal-entendidos. Havia um terrível desconforto dos navios superlotados. Muitos soldados nunca tinham estado no mar. Estavam acomodados em cobertas sob o convés e eram desaconselhados a subir para a luz do dia, onde iriam atrapalhar as tarefas dos marinheiros.

Antes de mais nada, usavam baldes para todas as suas necessidades, se é que conseguiam encontrar um que não estivesse já cheio. E, se não o conseguiam, usavam os cantos do porão onde viviam. Devido aos vômitos e excrementos, seus dormitórios tornavam-se nauseabundos.

A única forma de limpar a sujidade era baldear o porão com água do mar. A maior parte desta lavagem acabava por ir parar nos armazéns de comida nos porões. Viviam em cima de um monte de lixo.

Duque de Medina Sidônia. Imagem, www.britishbattles.com.

A armada era a primeira grande frota enviada para uma longa viagem a abarrotar os soldados, na esperança de que estes ainda se encontrassem em condições de lutar quando terminassem e era o duque que estava fadado para levar a cabo esta histórica experiência.

Mesmo os soldados que sobreviviam necessitavam de semanas de descanso em terra para recuperar a capacidade de desempenhar seu papel e enfrentar um inimigo bem armado.

Uma terceira descoberta, no entanto, que a armada fez naqueles primeiros dias foi a mais alarmante de todas. As suas enormes provisões de comida estavam a apodrecer.

Arribando em Corunha

Nestas condições miseráveis, e sem comida, não restou ao duque se não arribar em Corunha, território Espanhol, para conseguir mais víveres. Primeiro o duque mandou um escaler na frente, pedindo ao responsável em Corunha que mandasse uma frota com alimentos para encontrar com a armada ao largo.

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Em 19 de janeiro, apenas três semanas da partida em Lisboa, como o encontro não se deu, o duque decidiu arribar ao porto seguido por 40 navios enquanto o resto permanecia ao largo.

Contudo, pouco depois de entrarem o vento virou e a mais furiosa tempestade atingiu a baía da Corunha. No seu interior os navios arrastaram as âncoras e chocaram-se uns contra os outros. Ao amanhecer, todos os navios que ficaram ao largo haviam desaparecido.

Enquanto isso, prosseguia a correspondência com o rei, de Corunha para a Espanha. A questão principal, além do reabastecimento, era se deviam esperar na Corunha pelos navios desaparecidos ou se deviam ir à sua procura ao largo da costa.

Enquanto isso, a frota inglesa aguardava

Enquanto os espanhóis se debatiam entre a procura da armada, a saída à sua procura, ou se zarpavam para o Canal da Mancha, os ingleses estavam à espera.

Muitos dos mais célebres comandantes ingleses encontraram-se em Plymouth neste verão. Lorde Howard, na qualidade de Lorde Almirante, hasteava a sua bandeira no Ark ou Ark Royal, Francis Drake, como vice-almirante, no Revenge. Finalmente, John Hawkyns, contra-almirante, no Victory.

Francis Drake. Imagem, www.britishbattles.com.

Um total de 10.000 homens e cerca de 100 navios lá estavam desde o início de Maio. Ao mesmo tempo, no outro extremo do Canal, no Tâmisa e estreito de Dover, outras 40 embarcações comandadas por lorde Henry Symour, vigiavam as águas no caso do duque de Parma fazer uma incursão.

Mas o mais importante é que Hawkyns criou uma nova espécie de navio e Drake estabeleceu a forma de o comandar.

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O Revenge, de Drake, em ação. Imagem, en.wikipedia.org.

Em todas as expedições de Drake para pilhar os espanhóis nas Índias, ele comandava sozinho. Tratava-se de algo inovador mesmo na Inglaterra. Anteriormente, os marinheiros estavam subordinados a soldados tal como continuava a acontecer na Espanha. Assim tinha sido desde tempos medievais. Contudo, em 1588 o princípio de Drake foi aceito nos navios ingleses.

Navios race-built

Ao mesmo tempo, os comandantes, agora com prestígio, criticavam os navios ingleses. O que desejavam era um tipo de navio que se transformasse numa espécie de arma dos marinheiros, e que não fosse apenas um forte flutuante para soldados. Isso envolvia um conceito revolucionário de combate naval: abandonar a antiga ideia de acostar e abordar, privilegiando a luta à distância e confiando inteiramente na artilharia.

Os navios podiam ser construídos com um único objetivo: navegar tão bem quanto o permitia o conhecimento da arte. Tratou-se da mais audaciosa inovação jamais feita em navios. O resultado, sob orientação de Hawkyns, foi o navio race-built.

Contudo, nem todos os navios que combateram eram race-built. No seu todo eram cerca de 140 navios que estavam reunidos no Canal. Mas apenas 25 navios e 10 escaleres pertenciam à rainha. Uns quantos eram navios de guerra propriedade de particulares. O restante eram mercantes armados.

Race-built. Imagem, Pinterest.

Talvez uma dúzia pudesse ser tida como race-built de primeira classe. Mas eram estes que lideravam a frota e, exceto no último dia, fizeram a maior parte do trabalho de guerra, enquanto os restantes os seguiam com uma confiança sem limites.

Constatava-se assim que os espanhóis concentravam sua força  nos canhões pesados de curto alcance, enquanto que os ingleses apostavam nas semicolubrinas de longo alcance.

De volta à Corunha

Finalmente, os espanhóis se decidiram por mandar um escaler à procura do duque de Parma para informá-lo do atraso da armada. Em meio às discussões o tempo passava.

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Dentro de 90 dias far-se-iam sentir os ventos equinociais e, nessa altura, deviam já ter regressado à casa ou, no mínimo, teriam de se proteger numa baía qualquer que fosse segura no Inverno.

A melhor notícia surgiu a 5 de julho, quando um dos escaleres que o duque enviara às ilhas Sicilly regressou, seguido de perto por 12 navios que encontrara à entrada do Canal.

Drake dispunha de 180 navios

Eles trouxeram novidades segundo as quais, em solo inglês se faziam grandes preparativos de defesa. Além disso, Drake dispunha de 180 navios em três esquadras, uma em Plymouth e duas a leste de Dover.

Por volta de 10 de junho, quase todos os navios desaparecidos tinham sido encontrados. Entretanto, notícias e rumores do desastre da armada espalharam-se rapidamente pela Europa, tão rapidamente quanto os barcos ou os cavalheiros podiam levá-los ou pessoas conseguiam inventá-los.

Mas o duque de Parma, que precisava mais do que ninguém  saber o que estava acontecendo, não conseguiu outras informações para além de vagos rumores, até 20 de julho, quando os emissários da rainha às conversações de paz lhe disseram que a armada estava na Corunha.

Enquanto os espanhóis pesavam os prós e contras de suas possibilidades, Lorde Howard, Drake, Frobischer, Fenner e a fina flor da frota inglesa rumavam para a Corunha, de que distavam um dia de viagem com a intenção de apanharem a armada no porto.

No mar outra vez

Na manhã de 22 de junho a armada saiu do porto com um vento muito suave de sudoeste. Depois de uma calmaria assustadora, às três da manhã a frota finalmente seguiu para a Inglaterra, e por três dias descontraiu, com um tempo de verão e uma brisa perfeita.

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A frota agora estava organizada em 11 esquadras. Cerca de 65 navios, aproximadamente metade do total, eram navios de guerra ou mercantes mais ou menos convertidos para navios de guerra, e as suas esquadras tinham nomes geográficos: Portugal, Castela, Andaluzia, Biscaia, Guipuzcoa (ponta nordeste da Espanha) e Levante (Itália e Adriático).

No seu todo os navios de guerra escoltavam uma esquadra de 23 urcas, outra de 26 escaleres de maiores dimensões e uma terceira de nove pequenos navios listados como caravelas. Desta forma, essencialmente a armada não era uma frota de combate. Era um comboio.

Ao amanhecer de 26 de julho o vento amainou e toda aquela manhã a armada foi vagueando lentamente no meio do nevoeiro, sem avançar.

Contudo, o vento aumentou durante a noite e, no dia seguinte, soprava em rajadas: “O mar estava tão revolto, escreve o duque ao rei,” que todos os marinheiros concordaram nunca ter visto coisa igual em Julho.

A tempestade ‘mais cruel’

“As ondas subiam aos céus, o mar abria-se à frente dos navios, e todo o painel de popa do navio-almirante de Diego Flores foi arrancado. Estivemos toda a noite vigilantes, angustiados e com receio que a armada sofresse grande prejuízo, mas nada mais podíamos fazer. Foi a noite mais cruel alguma vez vista.”

E, ao contar ansiosamente os navios à luz de uma clara manhã, o duque ficou horrorizado por ver que 40 tinham desaparecido. Parecia que tudo se repetia como na Corunha.

Os navios enrolaram suas velas, e aguardaram. Antes, enviaram escalares à procura. A esquadra de Pedro Valdés  estava já próxima da costa inglesa, e esperou que as restantes se reunissem. Dois dias depois, todos os navios foram encontrados, exceto quatro: um galeão e as três galés restantes.

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Pilotos desorientados

A tempestade impediu os pilotos de procederem os cálculos de localização. Progressivamente, foram ficando sem saber onde estavam. Quando finalmente descobriram sua posição estavam muito próximos da costa hostil, mas não a conseguiam ver.

A tempestade também acabara com a boa disposição, originando uma quebra de motivação entre os homens. Tinham a perfeita noção de estarem em águas inimigas, sendo obrigados a subir o Canal e sem possibilidade de voltar para trás.

Finalmente, às 4 da tarde de 29 de julho os gajeiros avistaram terra na embocadura de um porto, dizendo que se tratava de Lizard. Nesta noite, em todos os cumes da costa, viram fogueiras de sinalização.

Durante a noite o duque terminou uma grande carta ao rei onde dava contas da missão, despachando-a para a Espanha num escaler. Com ela enviou uma segunda carta codificada. Dizia estar admirado por não ter notícias de Parma. Tinha enviado dois escaleres a Dunquerque  e já havia passado tempo suficiente para que pelo menos o primeiro pudesse ter regressado.

O confronto no mar

Sexta-feira, 29 de julho, marcou o maior confronto. A fragata Golden Hinde avistou o que pensou ser a armada. Contudo o que ele viu não foi a totalidade da armada, mas sim a esquadra de Pedro de Valdés, que teria vindo à frente dos restantes navios devido à tempestade e que aguardava há vários dias nas proximidades de Lizard.

Assim, durante a noite com maré-alta rebocaram os navios para fora do porto com ajuda de barcos a remo. Com o dia, o vento levantou-se de sudoeste.

Por volta das três horas da tarde, ainda lutando contra o vento, Howard e Drake, com 54 navios, estavam perto de Eddystone Rock. Treze milhas, quatro ou cinco delas devido à maré, percorridas em quatro horas. Comparando com o comportamento da armada durante os primeiros dias depois da saída de Lisboa, ficamos com uma ideia acerca da diferente capacidade de cada uma das frotas em navegar para barlavento (de onde sopra o vento, ou lado do navio que recebe o vento, por oposição ao sotavento).

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Os espanhóis avistaram os ingleses

Mais ou menos na mesma hora os espanhóis avistaram os ingleses: “Numerosos navios”, escreveu o duque em seu diário, “mas como o tempo estava chuvoso e nublado, não foi possível contá-los.”

Durante este período, ambas as frotas procuravam navegar, espalhadas por uma grande área (total da frota tinha quatro milhas de largura), de modo a ficarem a barlavento da frota inimiga. Com o despontar do dia, ambos os lados tiveram uma surpresa indesejável. Os espanhóis estavam impressionados pelo modo como os ingleses os ultrapassaram. Os ingleses estavam impressionados com a formação compacta e sólida da armada.

Ainda assim, por condições diversas como ventos, ou ausência deles, e frotas enormes e difíceis de controlar, as duas frotas mais poderosas que pretendiam lutar uma contra a outra, e não havia a menor possibilidade de o conseguirem fazer. Optaram, e estavam preparadas para diferentes formas de combate, e nenhuma delas pôde ser posta em prática.

A barlavento do inimigo

O primeiro princípio de táticas navais sempre foi o de tentar ficar a barlavento do inimigo, porque nessa posição um comandante pode escolher o melhor momento para se aproximar e atacar.

Assim, de noite duas partes da frota inglesa se afastaram e fizeram várias manobras longe da visão dos espanhóis. Pela madrugada, as duas partes tinham completado a manobra. Howard e Drake estavam a barlavento da armada , cinco milhas a oeste de Eddystone, e Frobisher apenas necessitava efetuar mais uma bordada para se juntar a eles.

Os relatos originais

Os relatos originais dos combates daquela manhã em Plymouth, e que terminaram a meio do Canal, eram breves, vagos e, por vezes, manifestamente errados. Nos últimos 100 anos, os estrategistas navais analisaram as versões contraditórias com o maior dos cuidados, tentando deduzir o que realmente aconteceu, que movimentos foram feitos (e a razão porque os fizeram) pelas esquadras ou isoladamente por cada navio. Mas por muito bom que o trabalho seja, terão sempre que fazer suposições, uma vez que existem muito poucos indícios com que trabalhar.

E, assim, em escaramuças mútuas, passou o primeiro dia de batalha sem vantagens aparentes para nenhum dos lados. De qualquer modo, ao amanhecer, Drake estava junto ao navio de Dom Pedro, incentivando-o a lutar ou render-se. Com discursos floreados, ele rendeu-se.

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Francis Drake aceitando a rendição de Pedro de Valdes no galeão Nuestra Senora del Rosario. Imagem, www.britishbattles.com.

Não houve batalha no dia seguinte, 1 de agosto. O único episódio perturbador daquele dia teve lugar às 11 horas da manhã, quando chegou uma mensagem do San Salvador, dizendo que se estava a afundar. O duque deu ordem para evacuar a tripulação e para o afundarem.

Durante toda a noite seguinte, as frotas permaneceram calmamente dentro do campo de visão uma da outra, derivando para a frente e para trás com os fluxos e refluxos da maré de Lyme Bay.

Na manhã seguinte o vento surgiu de Nordeste e deu vantagem aos espanhóis. Começava ‘ um conflito intenso e maravilhoso.’

Nas cobertas de artilharia, o barulho deveria ser infernal. Nos primeiros navios ingleses, o manuseamento da artilharia estava muito bem organizado, e os homens podiam carregar suas armas e dispará-las rapidamente. Os espanhóis disseram que os ingleses o faziam três vezes mais rápido que eles próprios.

Resultados da refrega deixaram a desejar

Mas os resultados da refrega deixaram a desejar. A experiência posterior provou ser muito difícil afundar um navio de madeira com tiros de canhão. Um casco bem construído poderia ser atingido o dia todo, e no final, continuar ainda a flutuar. Para afundar ou inutilizar uma falange de 130 navios, seriam necessários meses, bem como mais pólvora e munições que alguma vez existiriam na Inglaterra.

Enquanto isso, o navio do duque envolveu-se sozinho com a frota inimiga durante uma hora e meia. Esta disparou mais de 80 tiros apenas de um lado, e provocou grandes estragos no inimigo. Ainda assim, tratou-se de uma batalha frustrante e decepcionante.

O combate aconteceu durante a tarde. Quando o vento se levantou de sudoeste e os espanhóis perderam a vantagem do tempo. A armada reagrupou-se e seguiu seu caminho, aparentemente tão compacta e forte como sempre. Os ingleses pareciam não encontrar forma de travar os espanhóis, podendo apenas esperar para descobrir para onde se dirigiam e o que pretendiam fazer.

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Contudo, os espanhóis estavam preocupados. Como iriam conseguir desimpedir os mares para a travessia de Parma? O grande número de soldados que transportavam, o cerne da sua força,  nunca teria oportunidade de executar a sua tarefa.

No dia seguinte, 3 de agosto, também não houve qualquer combate, à exceção de uma pequena escaramuça durante a madrugada.

A ilha de Wight

No seu diário o duque escreveu uma espécie de balanço da situação até o momento. As coisas não andavam bem. A munição diminuía e, contando com as quatro galés, perdera sete navios, mas nenhum por ação do inimigo.

Imagem, www.u-s-history.com.

Enquanto isso, a frota inglesa crescia constantemente à medida que se lhe juntavam navios provenientes de todos os portos.

Com a madrugada de 4 de agosto, o duque se deu por si no extremo sul da ilha de Wight, sem uma brisa de vento no mar calmo e com os ingleses a cercarem-no por três lados.

Jogo de gato e rato

Ainda assim, nada de uma batalha. Apenas um jogo de gato e rato quase sempre com pouco vento. Então, decidiram-se por ir a Dunquerque, juntar-se a Parma e ao seu exército e escoltar sua travessia.

Mas também não seria fácil. Existia apenas um canal navegável, muito próximo da costa, que levava a Dunquerque. Mas era muito estreito, com largura não superior a um terço de milha, com bancos de areia invisíveis dos dois lados.

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Este canal não era marcado à época, e sem ajuda especializada ninguém conseguiria encontrá-lo. Nem sequer um navio isolado, quanto mais uma frota de 120 navios.

A armada ao largo de Calais. Imagem, www.britishbattles.com.

Desse modo, para evitar riscos, a armada não podia aproximar-se mais que 12 milhas da costa. Assim, o duque deu ordem de ancoragem ao largo da costa francesa, a cerca de 4 milhas de Calais e a 24 de Dunquerque. Os ingleses ancoraram atrás, à distância de um tiro de columbina, ainda a barlavento.

Parma, em Dunquerque

Finalmente, no dia do embarque da tropa de Parma, encontramos os navios inacabados, sem qualquer canhão a bordo e sem nada para comer.

Parece claro que Parma não se dera ao cuidado de supervisionar a construção da frota e quando pensava que estava concluída, na realidade não estava. Ao mesmo tempo, Parma mantinha conversas de paz com os ingleses, instruído pelo rei apenas para ganhar tempo.

Ingleses aproximaram-se de Calais

Os ingleses aproximaram-se de Calais com algum receio. Não tendo falhado, também não tinham alcançado grande sucesso. As armas que contavam não provocavam estragos mortais a qualquer navio inimigo.

Mas no momento que a armada ancorou, tudo se modificou. Três horas mais tarde, Lorde Seymour juntou-se à frota, trazendo consigo 25 barcos novos do Tamisa, incluindo os novos race-built da rainha, o Rainbow e o Vanguard, todos completamente abastecidos com munições. A frota inglesa passou então a dispor de cerca de 140 navios. A armada estava em desvantagem numérica.

Elizabeth I Assistindo à Derrota da Armada Espanhola por um artista desconhecido, século XVI. Imagem, commons.wikimedia.org.

Ainda assim, os ingleses evitaram o confronto direto preferindo atacar a armada atracada com os brulotes, navios de fogo carregados de material inflamável, incendiado e lançado sem tripulação de encontro aos navios inimigos.

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Foram escolhidos oito navios, cinco deles da esquadra de Drake, cada um com 150 toneladas.

O duque percebeu o ardil e, ao cair da noite, posicionou escaleres entre as frotas com arpéus de abordagem, ordenando-lhes que, caso os brulotes aparecessem, os abordassem e rebocassem.

Pouco depois da meia-noite o sinal foi disparado

Pouco depois da meia-noite o sinal foi disparado na frota inglesa e os navios começaram a deslocar-se. Então, a meio do caminho, incendiaram-se. Os escalares entraram em ação, mas antes que conseguissem alterar o rumo dos brulotes, as cordas arderam e à medida que os conveses de armas se tornavam fornalhas as armas começaram a disparar aleatoriamente, enviando centenas de brasas incandescentes.

Philippe-Jacques de Lutherbourg. Derrota da Armada Espanhola.

Pelo menos dois navios espanhóis incendiaram-se, e o caos foi estabelecido. O duque mandou que cortassem os cabos de âncora e se fizessem ao mar. O resultado foi uma confusão indescritível.

Os navios abalroavam-se uns aos outros, e os gritos de pânico misturavam-se com a madeira a quebrar e com o som das armas a explodir nos brulotes. Mas não há dúvida que os marinheiros conseguiram efetuar manobras difíceis com extraordinária rapidez.

Navio espanhol em chamas. Imagem, www.britishbattles.com.

Ao largo de Calais, cerca de 300 âncoras jaziam no fundo do mar; sem dúvida que ainda aí se encontram; a perda das âncoras também deverá ter provocado mais estragos na armada que qualquer outra causa.

A batalha de Gravelines

Seguidamente, e apesar de tudo, os espanhóis conseguiram reconstruir o núcleo da sua formação original. Além do mais, apesar de estarem presentes 260 navios, o número dos que participaram ativamente no combate foi muito inferior – no máximo talvez 30 espanhóis e 40 ingleses.

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Batalha de Gravelines. Imagem, www.britishbattles.com.

Quando a batalha começou o grosso da armada estava ao largo de Gravelines (fortaleza espanhola em Flandres, parte da Holanda espanhola, mas perto da fronteira com a França), a cerca de sete milhas da costa, sendo esta razão por que foi atribuído à batalha o nome da aldeia.

Espanhóis apanhados a sotavento

Depois de muitas manobras os espanhóis foram apanhados a sotavento. Com toda a clareza, pode-se dizer que a batalha foi travada entre marinheiros ingleses e soldados espanhóis. Mas o que não se consegue explicar é a razão de os ingleses terem saído vencedores.

Todo o poderio marítimo da Inglaterra se lançou na perseguição. O duque, no San Martin, tentando proteger sua frota, foi quem primeiro o enfrentou. Drake liderou o ataque. Ambos se abstiveram de abrir fogo até estarem bem próximos.

Drake x Nau Almirante.

Então, o Revenge manobrou de forma a ficar em posição de ataque; abriu as escotilhas do costado e disparou. O San Martim ripostou. Antes que conseguisse recarregar, a esquadra de Drake atacou-o pela ré, com pelo menos meia dúzia de navios, e cada um deles repetiu a manobra.

Navios da armada, vendo a situação, navegaram ao encontro do San Martim. Quase todos os navios espanhóis presentes eram galeões de primeira classe, incluindo as esquadras Portugal e Sevilha.

Ataque pelo extremo a barlavento

Para os ingleses, o ataque pelo extremo a barlavento da formação espanhola foi instintivo, e foi sem dúvida aí que começou o desastre dos espanhóis. O navio almirante San Martim já tinha tantos buracos no casco e metia tanta água, que as suas bombas de drenagem já mal conseguiam dar conta do recado.

Mas conseguiu manobrar de modo a ajudar os outros, atraindo para si a atenção da maioria dos navios ingleses. Pelas contas do duque, naquele dia foram mortos 600 espanhóis e 800 ficaram gravemente feridos.

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O que pôs fim à batalha foi uma pequena ventania repentina e fortes chuvas. Os ingleses pararam os combates para recolherem as velas. Mas, para os espanhóis isso não constituiu um alívio. Transformou-se numa luta para se manterem flutuando e para evitarem os bancos de areia a sotavento.

Já quase sem munição, foi nesta alvorada que os comandantes espanhóis admitiram para si próprios que haviam sido derrotados.

Na altura, ninguém que tenha escrito sobre esta batalha forneceu respostas às questões que ainda hoje permanecem um mistério. Por que é que os efeitos da artilharia inglesa se tornaram tão repentina e dramaticamente eficazes? E por que os ingleses saem da refrega sem sofrer quaisquer danos graves?

“Os nossos navios não sofreram muitos danos”

Hawkyns escreveu: “Os nossos navios não sofreram muitos danos.” O contraste é quase inacreditável: os espanhóis admitiram ter sofrido 600 mortos e registraram 800 feridos só durante esta batalha e, em toda a campanha, as baixas inglesas chegaram à centena; todos os principais galeões espanhóis tinham sido atingidos vezes sem conta, tentando desesperadamente deter as inundações, e nem um único navio inglês fora obrigado a recolher ao porto para reparações.

A única resposta possível parece residir no fato de existir uma distância crítica, a partir da qual os projéteis ingleses entrariam no casco de um galeão. Tratava-se sem dúvida de uma distância muito curta, talvez uma questão de metros. E, pela primeira vez após todas as suas experiências, tinham-se atrevido a aproximar-se até esta distância.

A 1 de setembro a armada, ou que dela restou, desaparecera em alto mar. Mas ainda houve uma reunião de conselho para decidirem se voltavam à Espanha pelo Canal ou através do Mar do Norte.

Na armada o ambiente fervilhava. Fora ingloriamente derrotada na batalha e, a partir deste dia, confessada e ignominiosamente admitia estar a fugir. Mas o pior ainda estava por vir.

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Naufrágios

Com o início de setembro o tempo tornou-se cada vez mais frio e úmido. Devido ao frio, à chuva e à umidade, fosse dia ou fosse noite, ninguém conseguia manter as roupas secas. Quando a viagem no Atlântico começou, disse o duque, já 3.000 homens padeciam de doenças. E isto no início das seis semanas que passaram no Atlântico Norte às portas do inverno.

Rota da invencível armada. Imagem, https://pt.m.wikipedia.org.

Desgovernados por tempestades e ventanias

Desgovernados pelas tempestades e ventanias não tinham qualquer forma de determinar a longitude; e, com os céus constantemente nublados, raramente conseguiam determinar a latitude. Assim, separaram-se em grupos.

Sempre que o vento permitia, faziam o possível para se dirigirem para o sul, mas na maior parte das vezes o vento soprava de sudoeste, e apenas os galeões conseguiam avançar rumo à Espanha.

Foram muitos os naufrágios em mau tempo.

Dos galeões portugueses da esquadra do duque, só um foi destruído – para além dos dois que, em combate, se viram arrastados para terra. Quanto à esquadra de Castela, também perdeu apenas um de seus dez galeões. Mas das 24 urcas, 15 ficaram destruídas ou desapareceram, e dos 10 navios mediterrâneos da esquadra do Levante, apenas dois sobreviveram.

26 navios naufragaram na Irlanda

Segundo as últimas investigações, 26 navios naufragaram na Irlanda, dois ou três na Escócia, um em Inglaterra e dois em França, para além daqueles que desapareceram, que se supõe terem-se afundado no mar. Seis mil espanhóis tiveram uma morte horrível na Irlanda ou ao largo de suas costas.

Mais de um terço, ou provavelmente quase metade dos 130 navios da armada, nunca regressou à Espanha. A maioria dos danos não se devia aos combates, mas sobretudo aos problemas sofridos no mar.

A dramática perda de vidas

Mais dramática ainda foi, obviamente, a perda de vidas. Esta deu-se numa proporção bastante mais elevada do que a perda de navios. Provavelmente, dos 30.000 que partiram, 20.000 morreram: aproximadamente 1.500 em combate, 6.000 em naufrágios,1.000 assassinados  e os restantes devido à fome e doenças.

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Na sua dor os espanhóis procuravam alguém a quem atribuir culpas, e para os ignorantes o maior culpado era obviamente o duque. A sua reputação em Espanha manteve-se em baixa mesmo depois da armada passar à história. Os veteranos do exército não responsabilizaram o duque, mas sim Diego Flores e os comandantes navais e os marinheiros em geral; e todos na armada foram unânimes em condenar fervorosamente o comportamento de Parma.

Filipi não se emendou

Entre as suas novas ações, estavam os planos de uma nova armada, que conseguisse aquilo que a primeira não lograva alcançar. Efetivamente, até 1598, ano de sua morte, viria a organizar mais três.

Palácio El Escorial; onde Filipe II, rei da Espanha, planejou a invasão da Inglaterra pela Armada. Imagem, www.britishbattles.com.

A primeira, com o objetivo de invadir a Irlanda, partiu na pior altura do ano por sua insistência e contra o conselho de seus almirantes, em novembro de 1596. Foi destruída por uma tempestade antes mesmo de sair de águas espanholas.

A seguinte, em 1597, tinha por fito desembarcar tropas em Falmouth e ocupar a Cornualha. Foi a que esteve mais próxima do sucesso mas, a poucas milhas do local de desembarque, viu-se arrastada para trás por uma ventania de norte.

A terceira, que ocorreu apenas seis meses antes da morte do rei, fez algo que a grande armada de 1588 poderia ter feito; subiu o Canal afastada da costa de Inglaterra conseguindo assim chegar a Calais sem ser detetada.

Mas não se pretendia uma invasão de Inglaterra, apenas reforçar o exército espanhol, que ainda se mantinha em França e Holanda.

Não existem provas de que o rei tenha algum dia chegado à conclusão de que estava errado na sua interpretação da vontade de Deus, e de que tenha alterado sua opinião ou sentido mínimo remorso por ter enviado 20.000 homens para tão cruel destino pessoal.

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