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Reserva Extrativista Gurupi-Piriá, base de sobrevivência de 47 comunidades

Reserva Extrativista Gurupi-Piriá, base de sobrevivência de 47 comunidades

Reserva Extrativista Gurupi-Piriá: ENTENDA

Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. 

CARACTERÍSTICAS

BIOMA: Marinho Costeiro

ÁREA: 74.081,81 hectares

LOCALIZAÇÃO: Município de Viseu, Pará

DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 20 de maio de 2005

Tipo: uso sustentável

Plano de manejo: a UC não tem Plano de Manejo

Mapa da Resex Gurupi Piriá

É comovente o esforço feito pelas lideranças da Resex

Poucas vezes me emocionei tanto quanto nessa visita. É comovente o esforço feito pelas lideranças da Resex, assim como pela chefe, Cláudia Alves, para superar cada obstáculo no caminho. Sem recursos, num local extremamente pobre, a cidade de Viseu, no Pará, um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, não sei onde eles encontram forças  para melhorar a qualidade de vida das  pessoas que dependem da Resex.

Comunidade de Sumaúma

Viseu, a cidade que abriga a Reserva Extrativista Gurupi-Piriá

Viseu, cerca de 50 mil habitantes, é uma cidade isolada. Para chegar é preciso pegar a única estrada, de “chão” com 110 quilômetros, a partir de Bragança. Esta talvez seja a pior estrada que já usei. No verão, época da seca, e de nossa visita, ela é uma imensa fábrica de poeira. Cada vez que cruzamos com um carro levanta-se uma espessa nuvem de pó, de cor marrom avermelhada, que nos envolve de tal forma que é preciso diminuir a velocidade para quase zero. Ou seja, não se vê rigorosamente nada nestas situações. Já no inverno, época das chuvas, ela se torna um imenso lamaçal. Cheia de enormes buracos, o que faz com que o trajeto de ida ou volta demore de 3 a 4 horas até o destino. Esta é a única “estrada” para Viseu. Do lado oposto há o rio Gurupi, que faz divisa com o Maranhão.

Eternização da pobreza na área da Resex Gurupi-Piriá

As marés no Norte são muito grandes, a variação pode chegar aos seis metros ou mais

Esta dificuldade de acesso contribui para a cidade, e seus habitantes, não saírem da pobreza. Para se ter uma ideia, a cidade não tem um único restaurante, apenas alguns botecos onde as pessoas fazem churrasquinhos, daqueles de espetinho. Na praça principal, de noite, algumas carrocinhas são a salvação. Elas vendem pastéis, sanduíches e pizza. E isso é tudo na área de gastronomia. A oferta hoteleira segue este mesmo padrão. Existem quatro hotéis.

Barcos de pesca na região da Serra do Piriá

Peculiaridades da Reserva Extrativista Gurupi-Piriá

Manguezal do rio Piriá

A Reserva Extrativista Gurupi-Piriá foi criada em 2005. E não economizaram, tudo ali é de grandes proporções. Sua área é enorme, 74 mil hectares, ela é a base de sobrevivência de 47 comunidades, ou quatro mil famílias. Ao todo, cerca de 30 mil pessoas dependem dela. Mas este número não é estático. O aumento da população é constante. Nesta região as meninas começam a ter filhos aos 14 anos. Este é mais um dos problemas sociais com os quais a chefia da UC tem que conviver. Economia só na equipe da Resex. Cláudia, a chefe da unidade, está sozinha nesta luta. Como equipamentos, conta apenas com uma viatura já bem desgastada. A UC não tem um barco sequer, apesar da área ser composta por mangue, e laminas d’água. Quando precisam navegar pedem carona a algum pescador, ou alugam um barco.

Gurupi-Piriá: dois rios que atravessam a unidade

O nome incomum, Gurupi-Piriá, vem de dois rios que atravessam a unidade. O Gurupi faz divisa com o Maranhão, e o rio Piriá fica no lado oposto, ou seja, mais para o lado de Belém.

Rio Gurupi. À esquerda, o Maranhão, à direita, o Pará

Manguezal espetacular na Reserva Extrativista Gurupi-Piriá

O mangue da reserva é espetacular. As árvores são enormes. Algumas têm mais de 20 metros de altura. Seus troncos são grossos, daqueles que três pessoas de mãos dadas não conseguem abraçar. As raízes aéreas são tão altas que eu podia ficar embaixo delas! O cenário é espetacular. E é nele que os inscritos na Resex extraem caranguejos Uçás, ou pescam.

Trabalho duro

Não há dados sobre a quantidade de crustáceos, ou peixes, da unidade. Cláudia Alves, a chefe, diz que “poucos pesquisadores se interessam pela área em razão da dificuldade de acesso”.

Trabalho escravo na Reserva Extrativista Gurupi-Piriá?

Este foi o termo usado por Cláudia para descrever a situação de muitos usuários da Resex: ‘trabalho escravo’. Ante meu espanto ela explicou que é costume os atravessadores darem vales para os nativos. Vales que quase nunca são quitados pela entrega de peixes ou crustáceos vendidos em Bragança e Belém. Assim, os nativos acabam na “mão” das pessoas que vendem aquilo que é extraído da UC.

O exército da borracha ainda na ativa

Este caso faz lembrar o exército da borracha, triste episódio da Segunda Grande Guerra, quando o Governo brasileiro assumiu um acordo para entregar o produto para os Estados Unidos. Para cumprir, Getúlio Vargas enviou um ‘exercito’ de nordestinos para a Amazônia. Sem dinheiro, os pobres coitados dependiam dos ‘coronéis’ da borracha que forneciam roupas, utensílios e comida. Ao receberem estes itens, os extratores do látex abriam uma dívida eterna, impagável. Assim, tornavam-se reféns dos coronéis. Ao final do conflito 35 mil homens haviam morrido na floresta.

Manguezal e Guarás que quase foram extintos (para matar a fome) na região

Visita às comunidades da Reserva Extrativista Gurupi-Piriá

Na comunidade de Sumaúma conversei com seu Raimundo. Ele estava preocupado por dois motivos: a diminuição dos caranguejos do mangue, e as notícias de Brasília que davam conta que Dilma, depois do estelionato eleitoral que provocou para ser reeleita, pretende agora cortar diversos benefícios destinados às camadas mais pobres da população, entre eles, os nativos do litoral.

Seu Raimundo (de bermuda azul) está preocupado com o fim dos benefícios

Seu Raimundo demonstrava extrema apreensão e perguntava: “e agora, o que vai ser de nós?” “O peixe está escasso, o caranguejo mais ainda, como vamos sobreviver?” Ao lado dele vários pescadores, em silêncio, observavam nossa entrevista. Era visível a preocupação do grupo.

Desmatamento e ataques mortais de morcegos vampiros

Apesar da localização, e do difícil acesso, a área da Resex já foi cobiçada por gente de fora. Garimpeiros que se embrenham no mangue atrás de ouro, e que também mergulham no rio Gurupi à procura do metal precioso. E os grileiros de sempre. Entrevistei uma das lideranças da Resex, uma pessoa extremamente inteligente. Fiquei impressionado com o discurso de Bilica, morador de Limondeua, coordenador do polo de mesmo nome, e conselheiro da Resex.

A força da maré arranca árvores do manguezal

Caranguejo quase foi extinto: catavam até 800 unidades por dia

Bilica contou que antes do decreto da Resex o caranguejo quase foi extinto. Moradores catavam até 800 unidades por dia, não respeitando o tamanho mínimo. Nem as fêmeas em período de reprodução. Resultado? Quase acabaram com o crustáceo. Naquele tempo, diz Bilica, nada era respeitado. Imperava o “salve-se quem puder”.

Guarás eram mortos para servirem como alimento

Até os Guarás eram mortos para servirem como alimento para a população. A pesca também era praticada com apetrechos hoje proibidos, como as redes poitadas, que causavam grande morticínio, inclusive de espécies que ainda não haviam atingido o período de reprodução. A matança foi tamanha que até hoje alguns tipos desapareceram das águas da Resex. Entre eles a Pescada- amarela, a Gurijuba, e o Mero.

O desmatamento da Serra do Piriá e morcegos hematófagos

Mas o pior mesmo, conta Bilica, foi o desmatamento da Serra do Piriá, entre 2004 e 2006, praticado por grileiros. Uma das consequências foi trágica. Os morcegos hematófagos, também conhecidos como ‘vampiros’, já que se alimentam de sangue de mamíferos, ficaram sem seu habitat natural e passaram a atacar as comunidades, matando muitas crianças e adultos da região.

Morcego hematófago (foto: Anderson Soares)

Os ‘vampiros’ são transmissores da raiva. Bilica conta que, naquele tempo, as crianças dormiam com mosquiteiros improvisados para evitar a mordida. Mesmo assim houve mortes.

Bilica, coordenador do polo de Limondeua, e conselheiro da Resex

A inspiração para a criação da Reserva Extrativista Gurupi-Piriá

Entrevistei o presidente da associação dos usuários da Resex, José Carlos, morador de Fernandes Belo. Aos 49 anos, José Carlos é outro que impressionou pela inteligência e clareza de raciocínio. Ele contou que a grande inspiração da Resex foi a luta de Chico Mendes.

Se deu certo para ele, porque não daria para nós?

Moradores queriam ter a posse da terra

Os moradores queriam, sobretudo, ter a posse da terra onde vivem há gerações. A primeira comunidade a “levantar a bandeira”, conta José Carlos, foi  Emaus. Naquele tempo, diz, achavam que éramos malucos, não acreditavam que pudéssemos conseguir. Aos poucos foram convencendo os moradores da região. José Carlos nasceu na praia de Sumaca. Depois mudou-se para outra praia, finalmente, se estabeleceu em Fernandes Belo “porque queria estudar”.

Comunidade de Fernandes Belo

Foi nesta comunidade que ele iniciou a longa jornada até a criação da Resex, em 2005, “nossa maior conquista”. Entre as muitas ações, conta, ele esteve com Marina Silva, em Brasília. Levou um vídeo que mostrava a luta  dos pescadores e catadores. Entre outras, eles besuntavam seus corpos com óleo diesel para evitar os ataques de carapanãs e, de noite, para se aquecerem do frio e da umidade, “pescadores abusavam da cachaça.” Marina Silva chorou ao assistir às dramáticas cenas. Aconselhou e ajudou a equipe de José Carlos.

José Carlos, presidente da Associação dos usuários da Resex

Vantagens de manter o mangue intacto

Hoje é o próprio José Carlos quem ensina. Durante a entrevista para o programa ele demonstrou as vantagens de manter o mangue intacto. Contou que um hectare de mangue retira da atmosfera até 280 toneladas de gás carbônico da atmosfera. E finalizou: “o mundo todo precisa disso” (ao se referir ao sequestro de C02 da atmosfera).

Gestora, Cláudia Alves e infraestrutura deficiente

José Carlos fez grande elogios à gestora, Cláudia Alves, “nossa gestora é nota dez, se vira nos trinta”, disse. Mas reclamou da infraestrutura deficiente da resex que conta com apenas uma pessoa, e não tem barcos. ” Como ela pode fiscalizar o arrasto, por exemplo, se não tem sequer um barco?” Para ele a Resex tinha que ter “mais umas quatro pessoas, além de uma lancha e uma voadeira.” Em seguida à entrevista José Carlos seguiu para Brasília, para contatar algumas lideranças e pedir mais atenção para a Resex Gurupi-Piriá.

Fiquei com nó na garganta ao ouvir a triste história que acabou gerando a criação da Resex.

A gestora da Reserva Extrativista Gurupi-Piriá

Descanso do guerreiro

Cláudia Alves, nascida em Bragança, tem 40 anos. De todos os gestores com os quais conversei durante a gravação da série de documentários, cerca de 50, ela foi a que mais me impressionou. É emocionante ver o respeito que as pessoas da Resex têm por ela. A moça é super respeitada. Cláudia diz que quando cursava geologia na faculdade, volta e meia via notícias a respeito das ações do Ibama em incursões pela mata. Foi o suficiente para anima-la a prestar concurso para entrar no órgão. Perguntei qual a sensação que sente ao falar da Resex. ” Sensação que ainda falta muito”, diz ela. “Sou nascida em Bragança, conheço a realidade desta gente, por isso tenho que dar minha contribuição.”

A gestora

Você já deu sua contribuição, Cláudia, tenha certeza disso. Não fosse sua ação, aquelas 30 mil pessoas estariam numa situação muito, mas muito pior . Parabéns pelo excelente trabalho. E vida longa à Resex Gurupi-Piriá.

SERVIÇOS 

Não há restrições para a visita de qualquer Resex. Basta a vontade de conhecer esta que considero uma UC modelo. Apesar da dificuldade de acesso, e dos poucos recursos de Viseu, recomendo vivamente a visita, especialmente para aqueles que são céticos quanto a este tipo de Unidade de Conservação, como eu mesmo fui durante as visitas às primeiras resex da zona costeira. Aos poucos percebi que não há outra opção que garanta a posse da terra aos humildes nativos da costa brasileira.

Maiores informações: COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR4 – Belém

ENDEREÇO / CIDADE / UF / CEP: ngi bragança. av. nazeazeno ferreira, s/n – centro Bragança/PA – Cep 68600-000

TELEFONE: (91) 3425-1574

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