Réquiem para os Manguezais
Réquiem para os Manguezais. A discussão do novo Código Florestal, recém aprovado, esconde alguns problemas que passaram despercebidos no noticiário e, especialmente, nos artigos de especialistas que analisaram o assunto.
Uma pena. O público saiu perdendo. É em nome dele que proponho esta pequena contribuição. Não pretendo voltar aos temas polêmicos: reservas legais, anistia a quem desrespeitou a lei, tamanho da mata ciliar, etc. A polarização entre “mocinhos”, e “bandidos” causou prejuízos demais.
Eis os fatos.
O relatório de Aldo Rebelo, sancionado por 410 votos a favor, 63 contra, e uma abstenção, alterou as Áreas de Preservação Permanente em topos de morros, encostas, várzeas e margens de rios. Certo? Errado. Faltou citar um bioma importantíssimo que, da mesma forma, perdeu a proteção: os mangues (assim como as restingas).
O Código Florestal também vale, ou valia, para a Zona Costeira. Mas a discussão ficou de tal modo centrada entre a “floresta”, e a “agricultura”, que o litoral, como sempre acontece, perdeu espaço.
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Os manguezais eram considerados Áreas de Proteção Permanente por sua importância. Mas o lobbie dos carcinicultures, produtores de camarão em cativeiro, parece, venceu a parada. O novo Código Florestal, se aprovado no Senado, será o réquiem dos manguezais brasileiros.
Os mangues são extremamente importantes por vários motivos, a começar da proteção que oferecem à linha da costa, contra as marés, os ventos, as ressacas, forças naturais típicas da zona costeira. Ficou provado, quando do tsunami na Indonésia, em 2004, que as áreas protegidas por manguezais sofreram estrago menor.
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Mangues são especiais
Do ponto de vista de vida marinha os mangues são especiais. Suas raízes aéreas retém nutrientes, o que os tornam um berçário importantíssimo. Um sem-número de peixes, moluscos e crustáceos, dependem deles para procriar. Os mangues também filtram e melhoram a qualidade da água, enquanto servem como habitat para diversos tipos de aves.
Tem mais. De acordo com matéria publicada pelo Estado, nesta quinta- feira (OESP, 2/6/2011, pag. A 18), um relatório do IBGE divulgado esta semana “revela que as maiores concentrações de carbono no solo da Amazônia estão em áreas de mangue, hoje ameaçadas pelas mudanças nas regras do Código Florestal”. Segundo a geógrafa Rosangela Garrido, citada na matéria, “o trabalho reforça a importância da conservação de manguezais e o seu papel no equilíbrio climático”.
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Quando produzi a série de documentários Mar Sem Fim, para a TV Cultura (2005 – 2007), naveguei desde o Oiapoque ao Chuí, visitando cada palmo da costa brasileira.
Conheci, se não todas, a maioria das fazendas de camarão que proliferaram no Nordeste, desde o Piauí, até o Sul da Bahia, mas não apenas nesta região.
Fiquei horrorizado com o que vi, e aprendi, entrevistando mais de 40 especialistas da academia, raramente chamados para discussões como as da mudança do Código Florestal, diga-se.
Carcinicultura: escárnio contra o meio ambiente
Denunciei a carcinicultura com vigor, no meu site, nos documentários, e no livro que publiquei ao fim da expedição ( O Brasil Visto do Mar Sem Fim – editoras Terceiro Nome, Albatroz e Loqui, indicado ao Prêmio Jabuti, categoria Reportagem). No livro, em dois volumes, sem o problema do espaço exíguo deste artigo, não economizei ao mostrar, até com fotos aéreas, o descalabro, espécie de escárnio contra o meio ambiente, provocado pela carcinicultura. Fiz questão de publicar o depoimento dos maiores especialistas em vida marinha, e ecossistemas costeiros, unânimes em condenar o modo como ela vem sendo praticada no Brasil, ou seja, transformando imensas áreas de mangues em terra arrasada.
Porque este site condena a carcinicultura no Brasil
Sobram motivos para a condenação. Para começar, manguezais, áreas públicas, são “doadas” aos produtores que, ao contrário dos agricultores, têm a vantagem de não ter de pagar a terra onde vão produzir. Curiosamente, descobri, a vasta maioria das fazendas pertence ou a políticos (entre os quais prefeitos, deputados e senadores), ou a grandes grupos empresariais. Desta vez não há a desculpa “dos pequenos produtores”.
Réquiem para os Manguezais
Uma vez de posse da área, os mangues são arrasados. A vegetação é extirpada até a raiz. No lugar da floresta são construídas as piscinas criatórias. A maioria sem bacia de sedimentação A contaminação do lençol freático quase sempre acontece. Assim fica mais fácil, e barato, sugar a água do estuário, através de bombas, para criar um camarão exótico, originário do Pacífico, o paneus vannamei.
Conflitos sociais
Ao detonar os mangues, os produtores criam conflitos sociais com as populações nativas que vivem do extrativismo. Constatei. Tenho depoimentos gravados, de vários deles, contando sobre ameaças e truculência, por parte dos poderosos do camarão. Até um membro do Ministério Público municipal de Natal, Rio Grande do Norte, contou das ameaças que sua família passou a receber desde que entrou na luta contra a carcinicultura.
Maiores causas da perda de biodiversidade no planeta
O desaparecimento de habitats é o principal responsável pela perda de biodiversidade no mundo. Em segundo lugar está a introdução de espécies exóticas.
A carcinicultura é uma proeza. Faz as duas coisas simultaneamente.
Fazendas financiadas com dinheiros públicos
Muitas vezes as fazendas são financiadas com dinheiros públicos, como é o caso das que estão instaladas no rio Real, entre Bahia e Sergipe, que receberam aportes do BNB, com recursos da FNE – Aquipesca.
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BNB é o Banco do Nordeste. FNE é o Fundo Constitucional de Financiamento para o Nordeste.
As diretrizes do fundo especificam “tratamento especial ao mini e pequenos empreendedores, e preservação do meio ambiente (vide o parágrafo sexto)”.
Galhofada!
Mais fácil, só sendo Ministro. E prestando consultoria, claro.