Pesca esportiva e nova Portaria, de novo a histeria coletiva

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Pesca esportiva e nova Portaria, de novo a histeria coletiva

Mais uma vez, reina a confusão entre a mídia, alguns ambientalistas, e uma nova portaria do Governo Bolsonaro. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou a Portaria na edição do Diário Oficial da União em 04/02/2020. Ela regulamenta a pesca esportiva em unidades de conservação de uso sustentável, ocupadas por comunidades tradicionais. Foi o que bastou. Mais uma vez, assistimos a uma histeria coletiva sobre pesca esportiva e nova Portaria da gestão Bolsonaro.

imagem de pescador esportivo
A pesca esportiva é bem-vinda. Imagem, Agência Alagoas.

A mídia, a pesca esportiva e nova Portaria

Quase todos os grandes jornais abriram manchetes: “Portaria do ICMBio regulamenta pesca esportiva em ao menos 185 unidades de conservação no país” no G1, da Globo. “Governo Bolsonaro autoriza pesca esportiva em unidades de conservação”, na Folha de S. Paulo. “Governo autoriza pesca esportiva em áreas de preservação ambiental”, na coluna de Reinaldo Azevedo, no UOL. “Governo libera pesca esportiva dentro de unidades de conservação ambiental”, no O Estado de S. Paulo. Simultaneamente, todos lembraram o papelão do presidente, em 2012, quando foi flagrado pescando em unidade de conservação de proteção integral, a mesma que quer desfazer via Projeto de Lei do filho senador para, em seu lugar ‘criar uma Cancún’.

Pesca esportiva e nova Portaria: de novo a histeria coletiva nas redes sociais

Foi o que bastou para gerar histeria coletiva insensata e mal informada nas redes sociais. Gente que nunca pôs os pés numa UC protestando, assim como alguns ambientalistas. Eles não sabem, ou se sabem não disseram, que exceto em unidades de proteção integral, a pesca esportiva jamais foi proibida nas outras unidades de conservação.

imagem de voadeiras de pesca esportiva
Na Amazônia cerca de 30 mil turistas de todo o mundo vão pescar por temporada, o que gera uma movimentação financeira estimada em mais de R$ 100 milhões.(Fonte:https://d.emtempo.com.br/)

No Brasil são 12 tipos, dividas em dois grupos. As de proteção integral, mais restritas, somam cinco. As de uso sustentável, outras sete;  nestas, jamais a pesca esportiva foi proibida. Alguns jornais realçaram que a pesca esportiva estaria liberada mesmo no ‘Pantanal e Amazônia’. Mais uma vez, jamais a pesca esportiva esteve proibida nestes biomas.

Eu mesmo já pesquei em diversas unidades de conservação do bioma marinho, sem nenhum remorso, ou praticar ato ilícito. E dizemos mais, se a pesca esportiva não fosse permitida, como imaginam que  pesquisadores estudariam novas espécies?

Os benefícios da pesca esportiva

Em 2016 fizemos um post com este mesmo nome: os benefícios da pesca esportiva. Nele, procuramos mostrar que a atividade não tem nada de mau, e que a pesca esportiva é regulamentada no Brasil pela  PORTARIA No- 4, DE 19 DE MARÇO DE 2009 do IBAMA. O post foi violentamente atacado pelos neófitos de plantão. Engana-se quem acha que apenas o ministro do Meio Ambiente o é. A grande maioria que escreve sobre temas ambientais, também conhece pouco o assunto. Daí pra gerar histeria coletiva é um passo.

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imagem de pesca esportiva
Imagem, http://www.ipaam.am.gov.br/.

Pesca esportiva nos Estados Unidos

No post de 2016, mostramos o quanto a pesca esportiva ajuda a natureza no país do Tio Sam. Nos USA os pescadores esportivos compram licenças e seguem regras rígidas. São quase 46 milhões de pescadores licenciados que movimentam mais de US$ 45 bilhões em vendas no varejo, com um impacto de US$ 125 bilhões na economia, criando emprego para mais de um milhão de pessoas’.

Pesca esportiva no Brasil

E fizemos uma comparação com os dados no Brasil: ‘no Brasil a pesca esportiva movimentou R$ 1 bilhão em 2013. A ANEPE, Associação Nacional de Ecologia e Pesca Esportiva, informa que:

Na área de turismo náutico, um dos segmentos que tem surpreendido no País é o mercado de pesca esportiva. O ramo movimentou cerca de R$ 1 bilhão em 2013 e tem crescido cerca de 30% nos últimos anos, conforme o levantamento do Sebrae denominado “Estudo de Ideias de negócios para 2014”. Em dez anos, quase dobrou o número de pessoas com o hábito de pescar no Brasil, passando de 4 milhões para 7,8 milhões, segundo a consultoria Ipsos | Marplan.

E além de empregos e renda, pescadores esportivos são mais um grupo de ‘fiscais da natureza’, afinal, o que querem  senão um meio ambiente protegido, vigoroso, para que possam continuar a praticar seu hobby?

imagem de pescador mostrando peixe
Todos os anos cerca de 60 mil pessoas praticam a modalidade no Pantanal, gerando empregos e renda. Imagem, youtube.

Ah, podem dizer, mas a Portaria permite a prática em unidades de proteção integral…

É verdade. Mas é uma portaria cheia de senões. Ela não abre indiscriminadamente a pesca esportiva. A Portaria, diz em seu artigo 4º  “A visitação para a realização da atividade de pesca esportiva somente poderá ser realizada se for compatível com o Plano de Manejo ou outros instrumentos de planejamento da unidade de conservação, e, quando em unidades de conservação de proteção integral, com a previsão ou adequação de Termos de Compromisso com populações tradicionais ou em casos de dupla afetação”. Para quem quiser aprender, é só ler a íntegra do texto da Portaria.

Governo Bolsonaro e o meio ambiente

Este site já criticou inúmeras vezes o atual governo por seu desconhecimento em relação às questões ambientais, e as medidas muitas vezes descabidas de seu ministro do MMA. Mas também criticamos certos ambientalistas que jamais olharam o próprio umbigo, e nunca denunciaram, ou esclareceram a população, a respeito de erros do passado que não foram poucos. A pesca esportiva é, e sempre será bem-vinda.

O resto é pura histeria coletiva.

Imagem e abertura: Agência Alagoas

Ilhas artificiais na Amazônia são descobertas

Comentários

12 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns,
    É conhecido que na maioria das unidades de conservação com potencial para a prática da pesca de qualquer modalidade o que falta é ordenamento e monitoramento, seja de uso sustentável ou proteção integral. Assim, tal Portaria vem nortear a forma de como deve ser desenvolvida a atividade de pesca esportiva gerando renda e desenvolvimento as comunidades locais ou para aquelas pessoas que usam dos recursos naturais das unidades de conservação. Isso é um avanço face a grande possibilidade de trazer renda para aquelas pessoas que estão isoladas longe do alcance das políticas públicas.

  2. Caro João,

    Me chamo Daniela, sou bióloga e uma fã do seu trabalho. Acompanho você faz tempo. Por te admirar me senti no direito de te escrever sobre minhas impressões do artigo “Pesca esportiva e nova Portaria, de novo a histeria coletiva” publicado no Estadão no dia 6/2/2020.
    O artigo como sempre está muito bem escrito, mas alguns pontos eu acho importante a discussão porque o mesmo atingiu o público em geral, que por razões lógicas não conhecem os meandros das questões ambientais em especial das Unidades de Conservação.
    Como você bem disse, sim, não é novidade que a pesca (não só esportiva) acontece nas Unidades de Conservação de USO SUSTENTÁVEL. Até porque, essas unidades têm essa classificação por abrigarem populações tradicionais, que, quando se trata do bioma marinho, dependem da pesca como subsistência (são os caiçara paulistas, por exemplo).

    “ Alguns jornais realçaram que a pesca esportiva estaria liberada mesmo no ‘Pantanal e Amazônia’. Mais uma vez, jamais a pesca esportiva esteve proibida nestes biomas”.
    Sim, realmente nas UCs de USO SUSTENTÁVEL no Pantanal e na Amazônia tal pesca não é proibida, vide o turismo voltado para a pesca que ocorre nessas localidades. A questão é que mesmo nesses biomas, quando as embarcações que conduzem os pescadores amadores adentram os limites de áreas de UCs de PROTEÇÃO INTEGRAL, a recomendação é de não pescar. O material de pesca (legalizado) deve ser recolhido e guardado até segunda ordem. Toda empresa de turismo de pesca amadora certificada e séria age desta forma.
    “Eu mesmo já pesquei em diversas unidades de conservação do bioma marinho, sem nenhum remorso, ou praticar ato ilícito.”
    Acredito que sim, mas nunca em UC de PROTEÇÃO INTEGRAL, creio eu.
    “E dizemos mais, se a pesca esportiva não fosse permitida, como imaginam que pesquisadores estudariam novas espécies?”
    Essa passagem muito me incomodou. Porque como bióloga marinha (estudo a bioacústica de baleia e golfinhos), sei que qualquer pesquisa invasiva, que inclua captura, marcação, implantação de rádio ou retirada de pele/gordura para coleta de DNA, exige licença do IBAMA. Nenhum biólogo pode manusear um animal, seja em terra, nos rios ou nos mares sem essa licença. Quando você coloca desta forma, para o público leigo, parece que os biólogos ou os veterináriod podem capturar animais e isso não é verdade. Nem dentro de UCs e nem em qualquer área mesmo que não seja protegida.
    “Ah, podem dizer, mas a Portaria permite a prática em unidades de proteção integral… É verdade. Mas é uma portaria cheia de senões. Ela não abre indiscriminadamente a pesca esportiva. A Portaria, diz em seu artigo 4º “A visitação para a realização da atividade de pesca esportiva somente poderá ser realizada se for compatível com o Plano de Manejo ou outros instrumentos de planejamento da unidade de conservação, e, quando em unidades de conservação de proteção integral, com a previsão ou adequação de Termos de Compromisso com populações tradicionais ou em casos de dupla afetação”.
    Na minha modesta opinião essa brecha na portaria é perigosa. Todos nós da área ambiental sabemos que os Planos de Manejo devem ser atualizados pelo menos de 5 em 5 anos e que isso não acontece. As UCs não têm dinheiro para fazer os estudos e levantamentos necessários para as adequações com tanta freqüência. Tampouco possuem funcionários para promover a fiscalização adequada das UCs. Desta forma, a portaria acaba por abrir o precedente de uma atividade que não será fiscalizada de maneira eficiente, e a meu ver, em uma UC de USO INTEGRAL pode sim ser um problema para o ecossistema local.

    Outra questão importante é o fato do atual Presidente da República ter sido autuado pescando em uma ESTAÇÃO ECOLÓGICA, a UC mais restritiva que existe no país. Nesta categoria de UC apenas a PESQUISA e a EDUCAÇÃO AMBIENTAL são previstas. Ele não poderia nem estar TURISTANDO de barco na UC quanto mais pescando. Acho imoral a atitude dele de não se redimir e aproveitar a situação para dar bons exemplos aos brasileiros. Todo mundo pode se equivocar. Ao invés disso ficou melindrado e se vingou.

    É minha opinião e sinceramente gostaria que você não levasse para o lado pessoal. Abraços Daniela Pivari

  3. Muito bom, João! Foi aprendendo a pescar com meu pai que me apaixonei pelo mar e me dei conta da importância da preservação do meio-ambiente. Nestes tempos bicudos, em que tudo é tratado histericamente como uma luta entre o bem e o mal, textos equilibrados como o seu são fundamentais na mídia nossa de cada dia.

  4. Parabéns João, pela esclarecedora matéria.
    É exatamente como vc coloca no texto, que o turismo, turistas e operadores da pesca esportiva, são os maiores interessados em um ambiente íntegro, preservado e produtivo.
    O turista pescador, leva em conta quando vai decidir seu próximo destino de viagem, outros fatores como a beleza cênica natural, as manifestações culturais regionais , o grau de preservação, a infra estrutura de suporte para atendê-lo, a decisão vai muito além da questão peixe somente.
    Vejo como uma potente ferramenta para levar o desenvolvimento sustentável a essas regiões e populações engessadas, por consequências de seus status de UCs, para outros modelos de negócio.

    • Ótima matéria, mas seria interessante citar uma estimativa de quantos turistas perdemos anualmente só para a Argentina quando o assunto é pesca esportiva. Nosso país tem um grande potencial a explorar.

  5. Caro João, acredito que muito dessa histeria coletiva venha também do desconhecimento do significado correto do termo “pesca esportiva”. A população desconhece o fato de que a pesca esportiva se refere ao ESPORTE chamado pesca e não tem nada a ver com a pratica da pesca comercial, que aniquila em grandes proporções com os peixes de nossos mares, lagos e rios. A pesca esportiva precisa ser caracterizada de forma mais categórica como um esporte, que NÃO MATA, mas que PESCA E SOLTA o peixe à água para que ele possa continuar sua vida normalmente. A população em geral ainda atrela a pesca esportiva com aquele pescador que ia ao Pantanal (ou a qualquer outro rio, lago ou mar próximo a seu local) e voltava com isopores enormes lotados de peixes (pratica permitida antigamente). Torço para que o ESPORTE pesca possa se ver livre dessa imagem o quanto antes!

  6. Matéria sensacional e mostra aos ambientalistas de “ar condicionado” que uma das mais importantes possibilidades de aumentar a preservação ambiental é via pesca esportiva. Será que sabem que o pescador esportivo devolve o peixe que fisga e para ele o que importa é a briga e não encher a barriga???
    Estou de Saco cheio de ambientalistas mimimi.

    Abraço

  7. Prezado João Lara Mesquita, achei seu discurso muito racional, a lei em sí não parece ser assustadora. Mas se pensarmos na prática e como as coisas realmente acontecem, será que estamos preparados para mais aberturas nas leis ambientais? Quando se diz: “os gestores da unidade deverão, antes, renegociar os termos de compromisso com essas populações” Sabemos da realidade sobre a relação entre os gestores da unidade e as comunidades, onde sempre sobrepõe as vontades de quem tem mais poder, no caso os gestores e suas influências. Sabemos também sobre o aumento do turismo em áreas isoladas pelo mundo (Pantanal, Amazônia, até mesmo na Antártica onde a pesca é totalmente proibida e não é a toa), esses lugares possuem ecossistemas muito sensíveis, até por poucos peixes que se retira. A nova portaria se debruça na ideia que temos fiscalizações perfeitas. Você também acredita nisso?

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