Passagem do Noroeste, a mais mítica rota marítima

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Passagem do Noroeste, a mais mítica rota marítima, cobrou a vida de navegadores, agora ‘aberta’ pelo aquecimento…

A Passagem do Noroeste, via marítima que serpenteia por estreitos acima do Círculo Polar Ártico, é um sonho; entrou para a história acima de tudo como uma rota marítima mítica. Ela encurtaria o caminho entre a Europa e a Ásia, sabe-se hoje, em 11 mil quilômetros. Nesse sentido, a rota ligando o Atlântico ao Pacífico pelo Hemisfério Norte foi desejada e procurada por inúmeros navegadores desde o século 15.

Contudo, a maioria pagou com a vida a busca em local tão inóspito, o Polo Norte. A exploração deste caminho começou cedo, e demorou séculos. Nossa história tem início em meados do século 15, precisamente, 1497, quando o rei inglês Henrique VII enviou John Cabot, o primeiro navegador para que encontrarasse uma rota marítima para o Oriente.

mapa do polo norte onde é a passagem do noroeste
Não poderia haver lugar pior para uma rota marítima: o polo Norte.

A viagem de Cabot, 1497; e Jacques Cartier, 1534

Assim como Cristovão Colombo, Cabot partiu da Europa em direção ao oeste. Entretanto, rumou também para o norte. Quando desembarcou, possivelmente em Terra Nova, América do Norte, Cabot tinha certeza de que havia chegado à Ásia. Logo depois percebeu o logro. Cabot não foi teimoso como Colombo.

A história ensina que não demorou muito para aparecer outro navegador, desta vez o francês Jacques Cartier que, em 1534, reivindicou o Canadá para a França. Dizem os especialistas que o navegador estava atrás da mítica passagem quando deu no Canadá. Pelo sim, pelo não, tomou posse da nova terra e voltou triste para casa. Em vez de uma rica carga de especiarias da Ásia, Cartier levou consigo grande desapontamento por não desvendar o segredo da Passagem Noroeste.

imagem de mapa da passagem do noroeste do século 16
Mapa da passagem, do século 16. Este mapa foi desenhado pelo navegador holandês William Barents em sua terceira viagem à região.

As dificuldades da Passagem do Noroeste

Um especialista explica: Teoricamente, encontrar e cruzar a passagem do noroeste talvez tenha parecido algo simples. Mas na prática, as condições inóspitas do Ártico tornavam o empreendimento muito mais difícil do que se poderia imaginar na época. O gelo era o maior obstáculo.

Ele se movia, flutuava e se rompia, permitindo a passagem de navios, em seguida se fechava, aprisionando ou esmagando navios e tripulações’, escreve James P. Delgado em Across the Top of the World (Atravessando o Topo do Mundo).

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imagem de cartaz alusivo a Passagem do Noroeste

A viagem de Sir Martin Frobisher, 1576, e o encontro com os inuits

“Sir Martin Frobisher, foi um deles. Chefiou uma expedição (1576) composta de dois navios e um barco. Frobisher também encontrou os inuits, os nativos do Ártico.  Ao todo, ele fez três viagens, mas nenhuma levou ao estabelecimento da passagem do noroeste. Entretanto, Frobisher teve a felicidade de voltar para casa são e salvo.”

O mesmo não aconteceu com outros exploradores que foram à procura da lendária passagem. Muitos não resistiram ao gelo, ao frio e à falta de alimento fresco no Ártico. Ainda assim, nos anos após as expedições de Frobisher, dezenas de navios e milhares de homens seguiram rumo ao norte, tentando abrir caminho pelo gelo.

As vantagens da Passagem do Noroeste

“Se se materializar este sonho de muitos séculos de uma passagem do noroeste, a economia em tempo e em milhas percorridas poderá ser tremenda. O uso da passagem diminuiria a distância de navegação entre Nova Iorque e Tóquio em 3.000 milhas. A rota atual de Londres a Tóquio, sem se usar o Canal de Suez, é de 15.000 milhas. Contudo, pela passagem do noroeste ficaria reduzida a menos de 8.000!

mapa da passagem do noroeste

A Passagem seria importante até hoje

Anote estes dados: “Outra consideração é: O petróleo do Oriente Médio atualmente viaja 8.000 milhas até o Japão, e 11.000 milhas até a Europa. Não obstante, usando-se a passagem do noroeste, os campos de petróleo recentemente descobertos do Alasca e os em potencial na parte setentrional do Canadá distarão apenas 4.000 milhas do Oriente, 3.000 milhas da Inglaterra e 3.700 milhas da Europa ocidental.”

A procura no século 19

No século 19, a Marinha Britânica organizou diversas expedições grandes em busca da passagem. Uma delas resultou no maior desastre da história das viagens ao Ártico. Sir John Franklin, experiente explorador, foi escolhido para chefiar a expedição. Instalaram-se motores a vapor em dois grandes navios. Os tripulantes eram os homens mais qualificados da marinha e, alem disso, as embarcações foram abastecidas com provisões para três anos.

Do mesmo modo, deu-se bastante atenção ao bem-estar emocional da tripulação. Por exemplo, os navios foram equipados com extensas bibliotecas e havia até realejos. Certo oficial escreveu: “Temos aqui praticamente tudo que vamos precisar. Estou certo de que, se pudesse ir a Londres por uma hora ou duas, não iria querer nada que já não tenhamos aqui.”

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gravura dos dois navios de Franklin na procura da passagem do noroeste
Gravura dos navios de Franklin.

Sir John Franklin à procura da Passagem do Noroeste, 1845

A Expedição Franklin foi estabelecida em 1845 em dois veleiros de 3 mastros. Sir John Franklin estava a bordo do HMS Erebus com o Comandante James Fitzjames como capitão. Enquanto isso, Francis Crozier foi nomeado capitão do HMS Terror.

Os navios de Franklin

Os dois navios eram os mais emblemáticos da época. O HMS Erebus foi construído nas docas de Pembroke em 1826, e o HMS Terror, no Davy Shipyard, Inglaterra, em 1813. As dimensões do casco variavam entre 31 e 32 metros de comprimento, por 8 m de largura. Calavam cerca de 4 metros. O deslocamento variava entre 372 T e 325 T. Ambos tinham três mastros. Ao mesmo tempo, a folha corrida dos navios assinalava a participação na histórica expedição de James Clark à Antártica (1839-1843).

imagem dos navios da expedição de Franklin

A expedição de Franklin

“A expedição partiu da Inglaterra em maio de 1845 e chegou à baía de Baffin em julho. Passou-se um ano. E mais outro. Por fim se passaram até mesmo os três anos previstos para a pior das hipóteses. Enquanto isso, nada de  notícias da expedição de Franklin.

mapa da passagem do noroeste
A baía de Baffin.

O desaparecimento provocou um súbito aumento das viagens ao Ártico. Desde então, a saga de Franklin inspirou músicos, dramaturgos e romancistas.

Mais viagens, desta vez à procura de Franklin

“Dezenas de expedições ajudaram a esclarecer não somente o que teria acontecido com a expedição de Franklin, mas também o mistério da passagem do noroeste.O capitão Robert McClure foi o comandante de um dos dois navios enviados para a busca de Franklin. Partindo de Londres em 1850, os navios se aproximaram da costa norte da América pelo Pacífico, atravessando o estreito de Bering. Determinado, McClure deixou um navio para trás e foi em direção ao oceano Ártico.

Imagem do HMS Investigator, preso no gelo na passagem do noroeste
HMS Investigator, um dos que buscaram Franklin, acaba preso no gelo. Imagem:National Archives of Canada/The Canadian Press

Logo estava navegando em águas onde nenhum europeu estivera antes. Assumindo muitos riscos, ele finalmente chegou à costa da Ilha Banks. Emocionado, constatou que a ilha era a mesma que Edward Parry avistara anos antes quando procurava a passagem do noroeste a partir do leste. Se conseguisse navegar até o outro lado da ilha, McClure completaria a travessia da passagem do noroeste! “

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Se McClure conseguisse…

“Mas o navio ficou retido no gelo. Dois anos depois, McClure e seus homens ainda estavam presos no gelo. Sofrendo terrivelmente. Quando parecia não haver mais esperança, avistaram no horizonte homens vindo em sua direção. Parecia um milagre. Henry Kellett, capitão de outra expedição, havia encontrado uma mensagem deixada por McClure na ilha Melville e conseguiu enviar resgate.”

O que aconteceu com a Expedição Franklin?

“Há diversas pistas sobre os eventos que ocorreram após 1845. Os dois navios da expedição ficaram presos no gelo, no estreito de Victoria. Quando já fazia um ano e meio que estavam retidos, vários homens, incluindo o próprio Franklin, estavam mortos. Os demais decidiram abandonar os navios e caminhar em direção ao sul. Porém, estavam fracos e morreram no caminho, não sem antes passar pelo suplício do canibalismo.

Ninguém da tripulação sobreviveu, 129 pessoas mortas por pneumonia, fome, além de escorbuto. Ainda há muita especulação sobre o que realmente aconteceu. Sugeriu-se até que o envenenamento por chumbo, causado pelo consumo de enlatados, como responsável pela morte rápida dos homens.”

A Passagem do Noroeste e o século 20

Embora a existência da passagem do noroeste já tivesse sido comprovada, a travessia por essa via marítima só se tornou realidade no século 20. O jovem Roald Amundsen, o primeiro a chegar nos dois Polos, chefiou o grupo de sete noruegueses que fizeram a viagem. Eles usaram um pequeno barco de pesca chamado Gjøa, totalmente diferente dos imponentes navios de guerra britânicos.

A pequena embarcação de calado raso revelou ser o meio de transporte ideal no Ártico, com suas muitas passagens estreitas, rochas e bancos de areia. Em 16 de junho de 1903, Amundsen e sua tripulação começaram a longa viagem a partir de Oslo rumo ao Ártico seguindo a rota leste.

Mais de dois anos depois, em agosto de 1905, a tripulação do Gjøa avistou um baleeiro que tinha vindo do oceano Ártico pela rota oeste, passando pelo estreito de Bering. Amundsen escreveu a respeito desse encontro: “Conseguimos atravessar a passagem do noroeste. Meu sonho de infância tornou-se realidade nesse momento. . . Não pude conter as lágrimas.”

A Passagem do Noroeste, aberta no século 21 pelo aquecimento global

Depois de seis séculos de procura, desgraça, mortes, imensos prejuízos, o século 21 trouxe a novidade do aquecimento global. Só nos últimos 40 anos, medições de satélites descobriram uma diminuição gradual na cobertura de gelo do mar do Ártico.

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O aquecimento  reduz em cerca de 13% por década, a extensão do gelo na região, durante o verão – período em que normalmente os níveis já são mais baixos. Alguns pesquisadores preveem que, a partir da metade do século 21, o Ártico corre o risco de não ter mais gelo durante os verões. Então, a Passagem do Noroeste estará aberta e poderá ser usada por todos. Hoje, como já comentamos, só navios muitos especiais conseguem atravessá-la.

Os russos estão construindo uma frota dos mais poderosos navios quebra-gelo do mundo em razão da possível abertura da rota comercial mais cobiçada. Eles querem ter a liderança nesta importante nova via de comércio mundial.

HMS Erebus e HMS Terror, achados no século 21!

E o mistério, afinal, teve um fim. Segundo o New York Times, houve 90 expedições para achar Franklin. O navio encontrava-se a cerca de cem quilômetros da zona onde os investigadores acreditavam que teria ficado preso.

Um deles, o Erebus, foi descoberto em 2014. Já,  o  Terror, em 2016. Estavam a poucos quilômetros da ilha de King William. Alguns Inuit viram membros vivos da expedição de Franklin, enquanto outros mais tarde encontraram seus corpos.

Da tradição oral inuíte recolheram-se relatos de canibalismo entre membros da expedição. Eles ainda forneceram informações para buscar grupos liderados por Charles Francis Hall e Frederick Schwatka que os ajudaram a descobrir pistas cruciais sobre o destino de Franklin. Mais recentemente, informações dos inuits ajudaram a impulsionar a descoberta dos dois navios.

Os navios por dentro

O site www.dn.pt diz que,  “Com o navio foram encontrados vários artefatos. De ferramentas a um serviço de porcelana, preservado pelo gelo ártico. Um arqueólogo da Fundação para a Pesquisa do Ártico, Adrian Schimnowski, contou que os investigadores tinham entrado “em várias cabines e encontrado despensas de comida com pratos e uma lata numa prateleira. E também foram detetadas duas garrafas de vinho, mesas, prateleiras vazias, gavetas abertas…”

O Reino Unido anunciou  que a propriedade dos destroços  encontrados no território ao largo de King William passaria para Parks, Canadá, que desde 2008 levava a cabo investigações.

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Assista ao vídeo, narrado em português, e saiba mais sobre o terrível sofrimento da tripulação de Franklin.

A misteriosa expedição de Franklin

Fontes: https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102003848; https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/101970045; https://news.nationalgeographic.com/2016/10/northwest-passage-map-history/?cjevent=631ec9d1094411e981a3034d0a24060e&utm_source=8160613&utm_medium=affiliates&utm_campaign=CJ#/03-northwest-passage-maps.JPG; https://www.pc.gc.ca/en/culture/franklin/hist/navires-vessels; https://www.timescolonist.com/entertainment/books/a-definitive-history-of-northwest-passage-exploration-1.23064991; https://www.dn.pt/media/interior/destrocos-de-the-terror-e-erebus-foram-encontrados-em-2014-e-2016-9225355.html.

Imagem de abertura: Dead Reckoning: The Untold Story of the Northwest Passage; Ken McGoogan; HarperCollins

Leitura recomendada: Dead Reckoning: The Untold Story of the Northwest Passage; de Ken McGoogan; ed. HarperCollins

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Comentários

8 COMENTÁRIOS

  1. Excelente matéria. Os navios HMS Erebus e HMS Terror eram os melhores à disposição dos exploradores. Foram construídos com muito reforço de material, projetados para carregar morteiros pesados, armamento principal, mais do que canhões. Preparados para o gelo. Participaram da expedição de Ross (James Clark Ross) à Antártica (1839-43), antes da expedição Franklin. Ross, então, comandou o Erebus e seu amigo Francis Crozier (que depois acompanhou Franklin) era o capitão do Terror. Seu nome foi dado ao Mar de Ross, e ele batizou, nessa expedição, dois vulcões na Antártica, o monte Erebus e o monte Terror, em homenagem aos navios. Sobre Amundsen, ele foi de fato o primeiro a chegar no pólo sul. No pólo norte, hoje há dúvidas sobre as expedições de Cook e Peary. Assim, Amundsen teria sido mesmo o primeiro também no pólo norte, mas apenas em 1926, sem ter posto os pés no chão, em um dirigível!

  2. Existe uma séria de tv da AMC, chamada The Terror, que se baseia na história da expedição de Franklin. Esta série tem muito de ficção, mas é legal ver as referências históricas mescladas com mitologia Inuit. É uma boa diversão.

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