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Os Lusíadas você conhece, mas, e Luís de Camões?

Os Lusíadas você conhece, mas, e Luís Vaz de Camões?

A princípio provavelmente iniciada em 1556 e concluída em 1571, foi publicada em 1572 portanto há 450 anos. Os Lusíadas, do gênio de Camões de quem sabe-se pouco, também trouxe à luz a língua portuguesa obviamente a mesma com que nos comunicamos neste momento. Antes de tudo o poema épico narra a descoberta por Vasco da Gama (1469-1524) da rota para a Índia; caminho que alçou Portugal ao ápice da riqueza. E mudou a geopolítica do mundo à época.

Capa de Os Lusíadas
Domínio público.

Os Lusíadas retrata a saga náutica que nos deu vida

Em primeiro lugar ao procurar a rota para as Índias das especiarias o Brasil foi descoberto. Assim, sucessivamente, foram 100 anos em que os nautas revelaram mais da metade do mundo então conhecido. De antemão um feito fantástico. Um dos maiores da História.

Mas apesar disso o périplo lusitano é quase desconhecido no Brasil. Além disso pouco valorizado nos currículos escolares, até mesmo nas faculdades de humanidades apesar de iniciar a globalização (do comércio mundial) cujo ápice vivemos.

Litografia de Camões recitando para D. Sebastião (1893).

Em primeiro lugar o texto dirigido ao rei D. Sebastião (1554-1578), evoca episódios da história de forma épica. Isso significa que Camões optou por um gênero narrativo envolvendo grandiosidade ao cantar a história de um povo.

Analogamente o mesmo tom de Homero em Ilíada e na Odisseia, quando conta os fatos que abrangem a Guerra de Troia e retorno de Ulisses.

Marco da língua portuguesa

Agora conta a BBC.com, ‘Os Lusíadas se tornou um marco pelo uso da língua portuguesa — na época chamada apenas de “linguagem”, quase como de modo pejorativo quando comparada ao jeito culto de se expressar por escrito, ou seja, o latim’.

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‘A  obra é reconhecida como uma espécie de literatura fundadora do idioma hoje oficialmente praticado em Portugal e em outros oito países, inclusive, o Brasil’.

Lisboa ao tempo de Camões . You Tube.

‘Doutor em estudos literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), assim como, criador do canal no YouTube Elite da Língua, o prof. Emerson Calil Rossetti situa Os Lusíadas como “a maioridade e identidade poética da língua portuguesa”.

Logo depois a BBC.com diz acertadamente ‘A obra garantiu a Camões o mesmo lugar na língua portuguesa ocupado por William Shakespeare (1564-1616) no inglês, Dante Alighieri (1265-1321) no italiano, François Rabelais (1494-1553) no francês, e France Prešeren (1800-1849) no esloveno’.

 Faltou entretanto Miguel de Cervantes (1547-1616) no espanhol, com Dom Quixote.

Mas, o que se sabe sobre a vida de Luís de Camões?

Agora convenhamos sabe-se pouco em se tratando de gênio de tamanha envergadura. Curioso ao mesmo tempo a última vez que estive em Lisboa (2020) rodei as livrarias certo de encontrar biografia à altura.

Pintura de autor desconhecido. Domínio público.

Afinal a historiografia moderna deu vida até mesmo a um escudeiro desconhecido do século 16. Por exemplo Fernão Lopes destacado em Ilha de Santa Helena, um luso e 30 anos de solidão.

Acima de tudo a história de Lopes, nascido em Lisboa na virada do século 15 para o 16, era a de uma pessoa comum à época. Um homem do povo.

Caminho marítimo para as Índias

Por outro lado o livro aborda o período da abertura do caminho marítimo reconstituído, minuciosamente, pelo historiador Abdul Rahman, no delicioso O Outro Exílio, A História Fascinante De Fernão Lopes. Da Ilha De Santa Helena E De Um Paraíso Perdido.

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Então, se conseguem reconstituir a história de um escudeiro, como não fazê-lo com o maior poeta da língua portuguesa?

À primeira vista não lograram! Estive em todas as livrarias; conversei com gente esclarecida como o filho de Mário Soares ex-primeiro Ministro de Portugal, o simpático e cordial João Soares (ex-prefeito de Lisboa), à procura de  indicação que entretanto não veio.

O pouco que se sabe

Contudo o pouco que se sabe está em resumidas biografias de edições dos Lusíadas. Ao que parece nosso herói teve uma vida de aventuras, riquíssima.

Para começar, a ideia aqui foi justamente dar vida ao poeta longínquo, importante personagem da história. Ao fim e ao cabo, nos conformamos em comprar um exemplar dos Lusíadas com a ‘maior’ biografia, todavia, superficial.

Agora os historiadores lusos e não lusos nos devem este trabalho.

Luís Vaz de Camões, conheça

Filho de Simão Vaz de Camões, e Ana de Sá, da pequena nobreza, Luís Vaz de Camões nasceu em Lisboa por volta de 1524. Era descendente de Vasco Pires de Camões (supõe-se), trovador galego, guerreiro e fidalgo, que se mudou para Portugal em 1370.

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Autor desconhecido.

Provavelmente teve uma boa e sólida educação, aprendeu história, línguas e literatura.

Apenas a data de sua morte não é consenso. Alguns dizem junho de 1579, outros, situam em 1580. Sobre a infância tudo é conjetura. Mas ainda jovem teria recebido sólida educação nos moldes clássicos, dominando latim, literatura e história, tanto antigas, quanto ‘modernas’.

Estudos

Aparentemente pode ter estudado na Universidade de Coimbra mas a passagem não é documentada.

Um boêmio do século 16

Frequentou a corte de D. João III, iniciou a carreira como poeta lírico e envolveu-se, como diz a tradição, em amores com damas da nobreza e possivelmente plebeias; além de levar vida boêmia e turbulenta frequentando tavernas.

Viajante errante

Diz-se que por conta de amor frustrado autoexilou-se na África, oh dor de cotovelo, (como se vê, fazia vítimas já no sec. 16), alistando-se como soldado em Ceuta para onde viajou a bordo das naus da Carreira das Índias.

Ali perdeu o olho direito. Camões ficou dois anos em Ceuta.

Naus da Carreira das Índias. Google.

Na Índia

Ainda assim data de 1550 documento que o dá como alistado para viajar: “Luís de Camões, filho de Simão Vaz e Ana de Sá, moradores em Lisboa, na Mouraria; escudeiro, de 25 anos, barbirruivo, trouxe por fiador a seu pai; vai na nau de S. Pedro dos Burgaleses… entre os homens de armas”.

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Numa procissão de Corpus Christi altercou-se, porém, com um certo Gonçalo Borges do Paço; e feriu-o com a espada. Condenado à prisão foi perdoado em carta de alforria.

No Oriente

Em seguida partiu para o Oriente. Viajou na nau São Bento, frota de Fernão Álvares Cabral filho de Pedro Álvares Cabral, que largou do Tejo em março de 1553.

Porém durante a viagem passou pelas regiões onde Vasco da Gama navegara, consequentemente, enfrentou tempestades tal qual o pioneiro no Cabo da Boa Esperança. Perderam-se três outras naus da frota. Finalmente, aportou em Goa em 1554.

Ainda assim parece certo que viveu modestamente. Pode ter compartilhado sua casa com amigos, “numa dessas repúblicas em que era costume associarem-se os reinóis”.

Imagem, www.arquivos.rtp.pt.

Em 1555,  D. Pedro Mascarenhas ordenou a Manuel de Vasconcelos que combatesse mouros no Mar Vermelho. Desse modo, Camões acompanhou-o. Mas a esquadra não encontrou o inimigo. Em consequência, invernou em Ormuz no Golfo Pérsico.

Era o tempo de Afonso de Albuquerque, ‘Leão dos Mares’, que dominou o Índico e as rotas comerciais em favor de Portugal. Atenção: este é um dos personagens fantásticos, próximo à fantasia, da era das navegações.

Além disso, deve ter sido nomeado para a função de Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes para Macau em 1562, desempenhando-a, de fato, de 1563 até 1564 ou 1565.

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Naufrágio no rio Mecon

Todavia na viagem de volta à Goa naufragou conforme ‘contam’, na foz do rio Mecom salvando-se apenas ele e o manuscrito d’Os Lusíadas. Este foi o evento que inspirou as célebres redondilhas.

Camões numa gruta de Macau. Gravura de Desenne, 1817.

Volta a Portugal

A convite, por exemplo, ou aproveitando a oportunidade de vencer parte da distância que o separava da pátria, não se sabe, em dezembro de 1567 Camões embarcou na nau de Pedro Barreto para Sofola, Moçambique, para onde este havia sido designado governador.

Desse modo, ali esperaria por transporte à Lisboa.

Pobre e desconhecido à sua época

Antes de mais nada se hoje é consagrado no Ocidente, anteriormente, em seu tempo de vida era desconhecido. Quando voltou à Portugal D. Sebastião retribuiu-lhe com uma pensão que, entretanto, mal dava para a subsistência.

Há versões d’Os Lusíadas, em espanhol, russo, francês, alemão, italiano, húngaro, holandês, japonês dinamarquês, sueco e, até, em concani ou esperanto. Imagem, www.purl.pt.

Como resultado viveu os anos finais num quarto de uma casa próxima da Igreja de Santa Ana em estado da mais indigna pobreza, “sem um trapo para se cobrir”.

Por outro lado enquanto viveu queixou-se das injustiças, e da pouca atenção de sua obra. Camões tinha consciência do seu mérito como homem, soldado e poeta.

D. Sebastião. Imagem, www.vortexmag.net.

Por fim depois de amargurar-se pela derrota na Batalha de Alcácer-Quibir onde desapareceu D. Sebastião, levando Portugal a perder a independência para Espanha, adoeceu de peste. Então, transportado para um hospital, morreu em 10 de junho de 1579/1580.

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Mesmo assim segundo historiadores a ossada depositada em 1880 no Mosteiro dos Jerónimos é, ‘provavelmente, de outra pessoa.

Os Lusíadas

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta

Canto I.

A obra de Camões, de domínio público, pode ser encontrada neste link.

O legado da saga lusitana

Como se vê, não foi pequena a herança que impressionou, até mesmo Adam Smith, para quem a epopeia foi ‘a maior e mais importante obra do conhecimento registrada na história da humanidade’.

Além disso, mudou a geopolítica. Enfraqueceu Florença, Veneza, e Gênova. E, sobretudo, fez de Portugal o país mais rico do período. Finalmente, trouxe à luz o Brasil e ainda gerou dois dos maiores poetas das línguas latinas de todos os tempos: Luís de Camões e Fernando Pessoa.

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Ambos, de maneira idêntica, exaltaram na poesia o período das descobertas. Mas, se a leitura do primeiro é para iniciados pelo tamanho e hermetismo (O poema é feito de 1.102 estrofes, oito versos cada, total de 8.816); a do segundo é de fácil leitura. Afinal, basta curiosidade. Foi da obra de Pessoa, Padrão, que tiramos o nome:

O esforço é grande e o homem é pequeno.

Eu, Diogo Cão, navegador,

deixei Este padrão ao pé do areal moreno

E para deante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.

Este padrão sinala ao vento e aos céus

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Que, da obra ousada, é minha a parte feita:

O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano

Ensinam estas Quinas, que aqui vês,

Que o mar com fim será grego ou romano:

O mar sem fim é  português.

Em suma, como ensinou Leandro Karnal em suas colunas no Estadão,  dois poetas  ‘imarcescíveis’. E, lembre-se  de Karnal de novo, ‘conhecimento é poder’.

Imagem de abertura: Google.

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