O RE-BO-CA-DOR ES-TÁ CHE-GAN-DO!!
Uma boa notícia afinal: acabo de saber que o rebocador que vem buscar o Mar Sem Fim está a 3O horas daqui.
Se as condições de mar continuarem boas, na madrugada de sábado ele terá chegado. Era tudo que eu queria ouvir. Já posso sonhar com a volta. Êeeta nóis! Puta novidade boa!
Estamos cansados. Hoje faz cinco semanas que desembarcamos em Punta Arenas.
No mesmo dia fomos alojados numa cabine do Felinto Perry.
Dia 2O de janeiro demos em Rei George. Os trabalhos, no barco, começaram no dia seguinte.
Desde 8 de fevereiro estamos na Capitania Puerto Bahia Fildes. Apesar do empenho dos chilenos em receber bem, e eles fazem o possível, esta não é a nossa casa.
Quando desembarcamos éramos doze pessoas. Quatro de minha equipe, oito de don Francisco. Ficamos num quarto dos fundos, três câmeras pequenas, interligadas.
Na primeira, com dois beliches, dormimos eu, Plínio, Alessandro e Mauricio, um dos mergulhadores.
Na segunda, espécie de corredor, um beliche. A parte de baixo é de don Francisco. Acima dormia o engenheiro naval que veio direto de Punta Arenas, Aníbal Toro.
Ele já fez seu trabalho. Felizmente. De cara falou um monte de bobagens que guardo para meu livro. A história ainda não acabou, preciso me resguardar…Depois deu palpites nas reformas do barco e assegurou, num documento, que ele tem capacidade de atravessar o Drake rebocado. Pegou carona num avião e voltou pra casa.
Na última câmera, em três beliches dormem os outros seis homens da Nautilus, empresa de don Francisco.
E todos dividimos um pequeno banheiro.
Duro, viu?
Por mais que nossos anfitriões se esforcem, sejam simpáticos e cordiais, é muita gente num espaço pequeno.
Não há qualquer privacidade, óbvio. Um, ou dois dias assim, tudo bem. Mais que isto é “soda”, pra não dizer, foda!
De noite acontece uma sinfonia patética: um ronca agudo. Outro, ao contrário, me lembra o trombone-baixo: imita mugido de elefante marinho.
Um terceiro sonha e fala pelos cotovelos: frases desconexas. Grita chamando alguém. E grunhe. Difícil descrever o destampatório.
Peidam, em silêncio, mas todos peidam. Dá pra sentir “o peso” no ar.
E ninguém reclama. Reclamar como? Estamos juntos. Então…
Pior é o meu caso. De uns meses pra cá, poucos, passei a desenvolver uma alergia na pele cujo nome, de tão esquisito, nunca consigo lembrar. De vez em quando, numa consulta de rotina com a Dra. Semírames, pergunto qual a doença pra esquecer em seguida.
O fato é que, pelo RG baixo- o meu é da casa dos seis milhões, minha pele não produz mais sebo. O resultado é uma secura anormal. A pele racha. Parece solo da caatinga. E coça. Desgraçadamente, como coça! O comichão miserável não pára. Dá no corpo todo e não poupa espaço. Tortura. É pura tortura.
Minha médica, salvadora, desenvolveu uma fórmula de hidratante que mando fazer em farmácia de manipulação, só pro meu caso. Completo engolindo antialérgicos várias vezes por dia. Só sossego assim.
Se você apostou que meu estoque acabou está certou. E já faz tempo.
Ando quase doido. De noite a coceira é tamanha que não tenho dó: meto a mão com toda força, arreganho os dedos e faço arado das unhas. E coço. Sulco a pele com tanto esforço que o beliche todo balança. Faz barulho, range, acorda o cara debaixo.
Mesmo assim continuo, me arranhando, desesperado. É insuportável.
Tão ruim que fiz consulta por telefone. Dra Semírames entrou em contato com Regina Dalva, da minha equipe de terra. As duas conseguiram achar cremes, mais ou menos parecidos, em Punta Arenas. Um avião trouxe. Amenizou alguns dias. Mas se foi. Acabou. Pedi mais.
Caaalma. Vou parar de desgraça. Nem falo do meu nariz de palhaço. Arroxeado e dolorido. Esfolado de tanto limpar corrimento.
Faz frio nesta terra. Tanto, que outro dia o Alex foi gozado. Saiu gritando “o inferno é gelado!”, “ o inferno é gelado!”
Por isto, caramba, fiquei em transe de felicidade com a notícia de hoje. Grande notícia! manchete de minha matéria: O RE-BO-CA-DOR ES-TÁ CHE-GAN-DO!!
Urra!!!