Ontem descemos em terra para a primeira reunião entre brasileiros, chilenos e russos, com objetivo de coordenar os trabalhos de recuperação do barco.
O chefe da base russa emprestou a barcaça deles para apoio aos mergulhadores. Hoje ela deve vir até o Felinto Perry para receber o container de equipamentos.
Em seguida será fundeada ao lado do naufrágio para servir como plataforma de apoio aos mergulhadores.
Temos pouco tempo. Oleg, o chefe da base, cedeu o equipamento somente até o dia 31/1. Como o clima anda muito ruim, atípico, com ventos fortíssimos quase todos os dias, e muita cerração, fico preocupado. Com ventania não se pode mergulhar. E quando a neblina aperta muito, as operações do Felinto Perry são suspensas por ordem do comandante. O pior é que as condições mudam a cada cinco minutos. Impressionante.
Agora mesmo tornou a acontecer. Estava tudo pronto para os mergulhadores saírem para trabalhar esta manhã, quando a neblina desceu de forma abrupta e violenta. Do convés superior não se enxergava a popa do navio. Imediatamente a operação foi suspensa.
Todos estão apreensivos. Os cinegrafistas, don Francisco, eu, Plínio, o comandante Luiz Filipe e seus oficiais. Há uma certa tensão no ar, o que não é nada bom. Estamos apenas começando a temporada antártica…daí pra “desandar o molho” é um passo.
Trabalhar sob pressão, sem harmonia, é a pior coisa que existe. Vamos ter que nos esforçar.
Durante a navegação de Punta Arenas para cá eu estava preocupado com duas coisas: como eu reagiria ao voltar à cena do naufrágio, e como seria para alimentar o site.
Quanto ao documentário, não tenho dúvidas, ficará ótimo. Editor e cinegrafista são excelentes profissionais. Criativos, rápidos, engajados. Estão adorando a experiência, a viagem e as descobertas de cada dia. E ambos tem jogo de cintura. Quando alguma coisa dá errado resolvem de outra forma em poucos minutos. Estou tranqüilo quanto a eles.
Restava responder às minhas dúvidas pessoais.
Ontem, quando desci em terra, a carga emocional veio de vez. Senti um enorme peso. Um baque. E não foi pela perda material. Mas pelo trabalho que estou dando. O aparato é gigantesco: um enorme navio com cem tripulantes. Equipamentos caríssimos, a necessária ajuda de outros países, sem a qual nada se faz.
Provoquei uma mobilização sem precedentes no lugar mais hostil ao ser humano: a Antártica.
Se existe algo que me preocupa e amola, é saber que estou dando trabalho a outros. Detesto a ideia que um ato meu, ainda que involuntário, provocou este quiprocó internacional.
No momento meu maior problema é lidar com esta realidade, sem deixar que a angústia, e a tensão, prejudiquem o trabalho ou a moral de meus companheiros.
A questão de alimentar o site está resolvida. O Capitão de Fildes, Marcelo Juan Villegas, abriu as portas da capitania para que eu possa usar o seu computador pessoal sempre que necessário.
Neste momento, 14hs35, escrevo estas últimas linhas da sala de almoço da Capitania. Acabamos de desembarcar na praia. Lá fora faz um frio de rachar. E chove.