Notícias de Rei George durante resgate do Mar Sem Fim
3/2/13.
“O navio está morto”.
Foi assim que os marinheiros brasileiros se referiram ao Mar Sem Fim quando pudemos entrar em seu interior dias atrás.
O barco tinha acabado de ser arrastado praia acima, estava na posição ideal para os reparos.
Nos aproximamos: brasileiros, russos, chilenos, e subimos ao convés.
Silêncio, de repente. Consternação. O momento teve solenidade espontânea, natural.
O sofrimento, a princípio meu, era de todos. Foi lindo o respeito demonstrado.
Por uma ou duas horas, tempo em que ficamos sob o convés, ou interior, o único som era do vento.
Cabeças baixas, olhares perdidos em direção ao horizonte. Os marinheiros, e os funcionários de don Francisco, prestavam respeitosa homenagem ao Marzão. Quase não se falava.
Se fosse uma música seria o concerto em ré menor, de Albinoni, para oboé.
(Clique no play, abaixo, para ouvir)
O fim de um barco é um momento doloroso. É como um amigo que se vai. Sem a alma, que lhe deu personalidade, torna-se apenas metal. Um objeto sem vida. É muito triste.
Plininho não quis entrar. Preferiu preservar as lembranças.
Depois de um certo tempo, um dos amigos que fizemos, Coelho, tripulante do Felinto Perry, se aproximou e, com o máximo respeito, em voz baixa e pausada perguntou: “Seu João, não quero ser impertinente neste momento, mas o senhor permite que eu guarde uma recordação?”
“À vontade”, consenti.
“Vou levar a boia com o nome do Mar Sem Fim.”
4/2/13.
Ele está flutuando de novo. Toda a água já foi retirada de seu interior. Já não precisa a ajuda das boias. Estamos na parte final do processo de resgate.
Liguei para Punta Arenas avisando ao engenheiro naval, Aníbal Toro, sobre a situação. Amanhã ou depois este profissional vai chegar, num voo comercial, para avaliar as condições do barco atravessar o Drake. Também falei com a companhia de rebocadores: “estamos listos”, como dizem os chilenos, “mandem o barco”.
Dependendo do clima o trajeto pode ser feito em cinco ou seis dias, período suficiente para vedarmos todas as janelas e deixá-lo em condições para a derradeira viagem.
Esta manhã, com ajuda do caminhão guindaste dos chineses de Great Wall, tiramos o contêiner de don Francisco da balsa russa e o colocamos na praia.
A qualquer momento deve chegar o navio de abastecimento dos russos. Eles vão usar a balsa para desembarcar os mantimentos.
Depois, para espairecer, fizemos um passeio de bote pelas redondezas. Estava conosco o chefe da Capitania de Puerto Bahía Fildes, o nosso amigo Marcelo Villegas Vira. Fomos até a ilha Nelson, aqui ao lado, que também faz parte do arquipélago das Shetland do Sul. Impressionante o tamanho e a cor das geleiras. Um ambiente forte, de impacto. Impõe respeito pela grandeza, formas e texturas incomuns.
Foca Leopardo, predador antártico.
De noite houve festa de despedida para um dos oficiais que participou da faina, o Comandante Kristoschek, que retorna ao Brasil amanhã.
Junto com ele desembarcam o cinegrafista e editor Alexandre Nogueira, e a funcionária do Ibama, Fernanda.
Alexandre já começa a edição dos documentários em São Paulo. No final de março, começo de abril, estarão prontos para exibição.
Manha de 5/2/13.
Aguardamos a chegada do avião da FAB para qualquer momento. Ele trará o Almirante Silva Rodrigues, gerente do programa Antártico brasileiro, e alguns jornalistas. De helicóptero a comitiva segue até a base Ferraz, para vistoriar as obras feitas desde o incêndio do ano passado, e motivo da vinda, neste verão, do Felinto Perry, e do cargueiro Germânia. O esforço é para reconstruir a estação, e trazer de volta os escombros do que sobrou. Nada, que não seja daqui, pode ficar. São regras do Tratado Antártico.
Dentro de dois dias completa um mês que embarcamos. Cansa. E a carga emocional, desgasta.
Nos próximos dias o navio volta à Punta Arenas para reabastecimento.
Nós, e don Francisco, ficaremos na Capitania dos Portos até a chegada do rebocador.
A história ainda não acabou. Mas falta pouco pra eu poder virar esta página.
15hs3O
Mudança de planos. A persistente neblina impede a vinda do avião. Há dias não se enxerga mais que alguns metros. Vão tentar novamente amanha.
Assim é a Antártica.