Ilhas da Queimada Pequena e Queimada Grande – Área de Relevante Interesse Ecológico
Estas formam mais uma Unidade de Conservação federal marinha: ilhas da Queimada Pequena e Queimada Grande. As duas ilhas ficam a pouca distância uma da outra, ambas no litoral sul de São Paulo. Na maior, o grande perigo são as temíveis jararacas-ilhoas.
Bioma: marinho costeiro
Municípios: Itanhaém e Peruíbe
Características:
Área: 137,73 hectares
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec nº 91.887 de 05 de novembro de 1985
Tipo: Uso Sustentável
Plano de Manejo: Sem Plano de Manejo
Plano de manejo: apesar de seus 29 anos, desde a criação, esta é mais uma UC que “ainda não teve tempo para fazer” seu plano de manejo.
Lista de espécies ameaçadas:
Jararaca-ilhoa – Bothropoides insularis
Tartaruga-verde – Chelonia myda
Dormideira-da-Ilha-da-Queimada-Grande – Dipsas albifrons cavalheiroi
Tartaruga-de-pente – Eretmochelys imbricata
Toninha – Pontoporia blainvillei
Trinta-réis-real – Thalasseus maximus
CADERNO DE ANOTAÇÕES:
A visita às Ilhas da Queimada Pequena e Queimada Grande, no litoral paulista, marca uma virada em minha vida. Desde o acidente que tive na Antártica, em abril de 2012, quando meu barco naufragou na ilha Rei George, eu estava desembarcado.
Foi com este lindo trawler que embarquei em Santos rumo à Ilha da Queimada Grande. A bordo, além dos marinheiros Alonso e Manoel (imediato e tripulante), estava o cinegrafista João Andrade. Depois de gravar as UCs da região sul, chegou a vez da região sudeste. Este foi o motivo de nossa visita.
Ilha da Queimada Grande
Conheço a Queimada Grande desde os anos 70 quando ia para lá com meu pai, pescador, a bordo de seu barco, o Albardon. Mas nunca pus os pés na ilha com medo das histórias que contavam da famosa cobra, endêmica, que habita aquele espaço: a jararaca-ilhoa, muito venenosa, e para a qual não há soro.
Encontro no mar
Desta vez seria diferente. Eu me reuniria com o chefe da Unidade de Conservação, Carlos Renato Azevedo, acompanhado pela analista ambiental Adriana Magalhães (que faz mestrado em recuperação de áreas degradadas – Instituto Botânico, RJ), pelo especialista em animais peçonhentos Airton Lourenço Jr, da CEVAP (Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos), ligada à UNESP.
Eles viriam na lancha do ICMBio, a partir de Itanhaém, para nos encontrar na Queimada.
Chegando ao destino: naufrágios, caranhas e tubarão-baleia
Três horas depois de deixar o Iate Clube de Santos chegamos ao destino. No primeiro dia circunavegamos a ilha para mostrá-la aos telespectadores. Em seguida, mergulhei com câmera para gravar imagens da vida marinha. As águas no entorno da Queimada são famosas como habitat de enormes caranhas, além de contarem com naufrágios que fazem a festa dos mergulhadores. Atualmente raias-manta também têm sido vistas.
Antes de deixar São Paulo ainda conversei com meu amigo, e experiente mergulhador, Cláudio Guardabassi, para saber os melhores pontos de observação.
Tubarão-baleia já foi avistado na Queimada Grande
Cláudio contou que foi nas águas que banham a Queimada que ele fez um de seus melhores mergulhos quando nadou ao lado de um tubarão-baleia, o maior peixe do mundo que pode atingir até 18 metros de comprimento e pesar mais de 13 toneladas!
Vibrei com a possibilidade. Mas ao entrar na água minha expectativa veio abaixo. A água estava turva, com muito material em suspensão, em razão de uma recente frente fria. Mesmo assim consegui flagrar um filhote de tartaruga-verde que não se incomodou com minha aproximação e continuou se alimentando nos costões enquanto eu filmava a menos de um metro de distância. E isto foi tudo que fizemos no primeiro dia.
Restava curtir o novo barco aproveitando seu excepcional conforto.
A chegada do pessoal da UC: preparando o desembarque
No dia seguinte, logo cedo, chegou o pessoal da UC. Vestimos calças e camisas grossas, colocamos perneiras e nos preparamos para o desembarque. Descer na Queimada não é tarefa fácil. Não há nenhum tipo de pontão. É preciso se aproximar do costão, liso como sabão, cheio de limo, e contar com a sorte para não levar um tombo feio. Felizmente tivemos sucesso.
Em terra firme: inquietação
Uma vez em terra firme em vez de alívio senti uma grande inquietação. As cobras frequentam o costão? Enquanto pensava, olhava de um lado para o outro preocupado. O professor Airton interveio e me acalmou: “elas não descem até aqui”, explicou, “por enquanto você pode ficar tranquilo. O problema começa quando entrarmos na mata.”
É lá que elas ficam, normalmente enroladas em moitas ou galhos de árvores, à procura de sua presa: pequenos pássaros que pousam para descansar.
A Jararaca-Ilhoa
Estas cobras passaram por um longo processo de adaptação, confirmando mais uma vez a teoria de Darwin. Aos poucos desenvolveram características diferentes da Jararaca continental. Seu tamanho diminuiu para algo entre 60 a 70 centímetros. A cor também mudou, ficando mais clara para que pudessem camuflar-se melhor. Seu veneno se tornou muito mais forte, de modo que matasse a presa antes que ela pudesse levantar voo e morrer longe do predador. Finalmente, a jararaca- ilhoa desenvolveu uma espécie de gancho na cauda de modo a, como os macacos, poder ficar dependurada em galhos de árvores, mais uma vez para ter mais facilidade ao abocanhar seu alimento.
Ilha Queimada Grande – Morro do Farol
Começamos a lenta subida até o topo do morro onde fica o farol. Na frente, com equipamentos especiais. A subida foi bem devagar não só pela encosta ser muito íngreme e com mata fechada, mas pela cuidadosa observação antes de cada passo. Um descuido pode resultar numa mordida no rosto, algo que poderia ser fatal.
Não demorou muito para encontrarmos a primeira, enrolada numa moita ao lado do farol.
Criatividade para pegar a cobra
Airton pegou-a com uma espécie de vara com gancho na ponta trazendo-a mais próxima de onde estávamos. Então, com muito cuidado colocou a cobra no chão segurando-a com o gancho, enquanto aproximava um pedaço de mangueira na cabeça do animal. Cutuca daqui, cutuca dali, até que a jararaca-ilhoa entrasse pela mangueira sendo “encapada” até mais ou menos um palmo abaixo da cabeça.
Feito isto o pesquisador segura o corpo da cobra com a mão protegida pela grossa mangueira. Pronto. A situação, antes crítica, deixa de ter perigo. É esta a técnica que os especialistas usam para examinar cobras sem risco de serem atacados.
Todos nos aproximamos para observar de perto aquele animal que tanto medo nos provocara.
Carrapatos em cobras, já ouviu falar?
Na ilha a jararaca tem apenas um inimigo, os carrapatos. Isto mesmo: carrapatos! Eles vieram para cá no tempo em que faroleiros moravam no local, e tinham criações de burros para levar a carga que os navios da Marinha do Brasil deixavam para abastecimento. Hoje, o farol funciona com painéis solares. Não há mais burros, mas os carrapatos, assim como o desmatamento e o capim gordura plantado para alimentá-los, permaneceram.
Chip de identificação
Outra preocupação dos especialistas é examinar se a cobra já tem chip de identificação. Se o animal não contar com um, eles colocam, de modo a poderem contar o número de serpentes e acompanhar seu ciclo de vida.
Pesquisas com as jararacas
Atualmente só pesquisadores do Instituto Butantan, e uns poucos convidados, fazem pesquisas com a jararaca-ilhoa na Ilha da Queimada Grande. Eles acreditam que existam cerca de quatro mil serpentes na ilha, cuja área é relativamente pequena: 137 hectares (cerca de 40 campos de futebol).
Sensores na ilha
Andando pelas trilhas, de tempos em tempos percebo máquinas fotográficas com sensores colocados em locais estratégicos. Elas estão lá para ajudarem a impedir a entrada de contrabandistas que exportam os animais. O processo é conhecido como biopirataria. O chefe da UC conta que até agora não flagraram nenhum intruso, embora haja algumas antigas denúncias.
Trilhas demarcadas nas Ilhas da Queimada Pequena e Queimada Grande
Outra curiosidade é que as trilhas são demarcadas com fitas vermelhas. A analista ambiental explica que o processo evita a desertificação. Todas as ilhas são extremamente frágeis, com solo poroso, fraco. Muitas folhas secas no chão, e pouca terra. Se os pesquisadores andarem por qualquer lugar a folhagem acaba secando e nada mais nasce no local.
Ninhal de Atobás
Na Queimada Grande há alguns ninhais de atobás, insetos, e outros pássaros menores. Nada mais. Não há mamíferos. Ela serve, entretanto, como ponto de parada para descanso de vários tipos de aves marinhas e terrestres.
Enquanto andava por aquele local ermo eu pensava na dura vida dos faroleiros antes que a tecnologia substituísse sua presença. Não foram poucos os que morreram picados por cobras.
História trágica: uma canoa com um corpo inerte e cobra dentro…
Uma das histórias é trágica. Daria um belo conto. Foi contada pelo chefe da UC. Diz respeito a um pescador que parou sua canoa na Queimada, anos atrás, para pegar um cacho de bananas. Dias depois a canoa foi encontrada ao sabor do vento. Dentro dela estava o corpo inerte do pescador. Enrodilhada no cacho de bananas havia uma jararaca-ilhoa…
Ilha da Queimada Pequena
Em nossa viagem passamos também pela ilha da Queimada-Pequena que também faz parte da Unidade de Conservação. Ela é bem menor e não tem cobras. Queimada-Pequena é quase pura rocha com um resto de mata atlântica no topo. A ilha tem lindos costões onde flagramos bandos de trinta- réis descansando.
Apenas as áreas das duas ilhas fazem parte da Unidade de Conservação. O desembarque, obviamente, é proibido. Entretanto, as águas no entorno de ambas estão livres para a pesca e o mergulho de observação.
Esquisitices do ICMBio
Outra esquisitice é que a Queimada-Pequena também faz parte de outra UC, a ESEC Tupiniquins. Não entendi o motivo da mesma ilha fazer parte de duas UCs diferentes.
Falta plano de manejo nas Ilhas da Queimada Pequena e Queimada Grande
Conclusão: apesar desta UC ainda não ter Plano de Manejo passados 29 anos de sua criação, instrumento que o ICMBio considera fundamental, me parece que ela vem cumprindo seus objetivos. A analista ambiental colhe plantas a cada desembarque para fazer a identificação, inventário, e posterior Plano de Manejo. Como sempre ao conversar com o Chefe da UC, Carlos Renato, ele foi mais um que fez coro aos outros reclamando da pequena equipe: apenas ele e a analista ambiental Adriana Magalhães. Nada de novo no front…
Aproveite, visite a Queimada Grande, mas jamais tente um desembarque.
SERVIÇOS
A Arie é fechada à visitação e assim deve permanecer. Ao público resta a pesca esportiva ou o mergulho de contemplação mas, para tanto, é preciso ter um barco, ou alugar um. Está localizada a 35km da costa de Itanhaém, e cerca de 60 km de Santos. Sua posição exata é 24° 29″e 45′ S, 046° 40″e 30’W.