6/2/13 quarta-feira
Pela manhã entrei mais uma vez no Mar Sem Fim, a esta altura quase totalmente seco por dentro. Eu precisava informar a equipe de don Francisco sobre lugares chave, de acesso aos porões do barco, de modo que eles pudessem continuar a esgotar a pouca água que ainda havia em seu interior.
No trajeto abri a adega de bordo, cheia com várias garrafas de vinho, parte do estoque da última viagem no ano passado, e as dei de presente aos funcionários do resgate.
Mais tarde, na praia, almocei dentro do contêiner da Nautilus, junto com os mergulhadores, Plínio, e outros tripulantes do Felinto Perry que também haviam descido.
Apareceu uma garrafa de vodka, presente de Ruslan aos mergulhadores. Foi uma festa. Aliás, era dia de festa: um dos mergulhadores fazia 54 anos naquele dia.
Tomamos todas: vinho, e vodka.
De noite o Comandante Luiz Felipe faz um jantar especial para homenagear os chilenos que tanto nos ajudaram.
Veio um grupo da Capitania de Puerto Bahía Fildes, o comandante Villegas à frente, com quatro oficiais de sua equipe, e Aleixo Contreras, gerente da companhia DAP, a única que faz voos regulares para cá. Fazia dias que ele pedia para conhecer o Felinto Perry.
Em nome do Comandante Luiz Felipe também convidei os russos de Bellingshausen. Falei com o chefe da base, Oleg, o fotógrafo Ruslan, e mais uma terceiro oficial. Infelizmente eles não participaram. Estavam apurados, trabalhando para descarregar o enorme quebra gelo russo que, depois de 4O dias navegando, havia chegado naquele dia.
Jantar de gala, com “menu” especial e bebida farta.
Não sei se foi uma boa ideia. Já tínhamos bebido no almoço…Houve exageros. Eu, muito emocionado, quase não conseguia conversar. Soluçava nos ombros de um e outro oficial, agradecendo o apoio que nos foi dado pela Marinha do Brasil, através da maravilhosa tripulação do Felinto Perry, seus oficiais, e Comandante.
Plínio também “espaireceu”, mas sem conseqüências. Desagradável e sem propósito foi Aleixo, espécie de Rasputin patagônico que, às tantas, entorpecido pela bebida pegou um antigo capacete de mergulho e, à guisa de bola de boliche, o arremessou contra o teto da sala de refeições, ou Praça D’Armas, como dizem na Marinha.
Pegou mal. Felizmente os oficiais da Marinha do Brasil, de uma dignidade exemplar, para evitar um incidente maior, embora contrariados e com toda a razão, diga-se, toleraram a falta de classe.
O Comandante Marcelo Villegas não sabia o que fazer para se desculpar perante os oficias brasileiros. Idem don Francisco, abalado pelo mau exemplo de seu compatriota
7/2/13 quinta
Alexandre, cinegrafista e editor de minha equipe, aproveitou o voo da FAB retornando para Punta Arenas. De lá, em voo comercial, seguiu para São Paulo. Estamos na parte final desta aventura. O mais importante já foi documentado. Agora não é preciso dois cinegrafistas. Melhor ele começar a edição em São Paulo, sempre complexa e demorada, enquanto seu parceiro, Alessandro, registra os dias finais.
8/2 sexta
Acordamos e fizemos as malas. Depois de um mês embarcados, o Felinto Perry tem que voltar para reabastecer em Punta Arenas. Horas mais tarde subiu a bordo o engenheiro naval, Aníbal Toro, que tinha chegado na véspera a Rei George. Ele veio checar as condições do Mar Se Fim ser rebocado, conforme o combinado desde nossa chegada ao Chile em 7 de janeiro.
Almoço de despedida. Salmão com molho de camarões e purê de batatas. Uma deliciosa goiabada de sobremesa. O Comandante Luiz Felipe, mais uma vez, faz um pequeno discurso e relembra o trabalho. Comemoramos o excelente resultado, afinal, o grande receio, poluição ambiental, não aconteceu.
Como recordação o Comandante nos dá camisetas com o logotipo do navio.
Diversos tripulantes vieram se despedir. Ficamos amigos depois de tanto tempo juntos em condições adversas.
Em seguida desembarcamos, eu e meus amigos, don Francisco e sua equipe, e viemos para a mesma Capitania Puerto Bahía Fildes, onde ficamos depois dos dramáticos dias em que lutamos para evitar um acidente em abril passado.
Tivemos sorte. Saímos intactos do desastre e não houve poluição. A única perda foi material. Em compensação, o aprendizado foi grande. As lições que tiro do acidente não cabem nesta matéria. Estou devendo esta parte e sei disto. Ela é complexa, exige calma, tempo e tranqüilidade. E, sobretudo, expor as circunstâncias em que ocorreram.
Aqui, no calor da sala de estar de Fildes, cercado pelos amigos chilenos, desta vez sob comando de Marcelo Villegas, me ocupo em narrar o que acontece na “faina” de trazer o Mar Sem Fim de volta a um porto seguro.
A história está em seu epílogo, mas não terminou. Acredito que ainda teremos uma semana até que o barco seja rebocado.
E além disto há bastidores, fatos que aconteceram e ainda não foram contados, e novidades que surgem a cada momento. É preciso distanciamento para expô-los.
De volta a São Paulo, no sossego de minha casa, livre da carga emocional destes dias, passo a me concentrar na finalização da série de documentários, e no livro que pretendo escrever. Minha editora, da Terceiro Nome, Mary Lou Paris, já disse que “quer esta história.”
Nestes documentos, fica a promessa, estará tudo completo.
Não se trata de fugir das responsabilidades. Estas, assumi faz tempo.
Ao leitor apressado sugiro calma: não se afobe em procurar culpados. Só há um. E este, já disse, sou eu.
Bom carnaval, e até a próxima.