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Ás de Copas. 25/1/13.

 

Ontem deveriam ter sido instaladas a segunda e terceira faixas sob o casco do Mar Sem Fim. Era esta a expectativa. Mas, ao retornarem do mergulho, don Francisco e sua equipe trouxeram más notícias.

Dia movimentado no ar ontem…

O leito do mar onde repousa o casco do Marzão não é formado só por areia como se pensava. Há uma camada de areia, com um metro e meio de espessura, depois é pura rocha. Material duro, difícil de trabalhar.

Até ontem no fim do dia, apenas uma, das quatro faixas, estava instalada.

A primeira reação foi de desânimo. Estamos atrasados. A balsa russa, fundamental na empreitada, foi emprestada somente até 31de janeiro.

Barreira de contenção de petróleo em cima do naufrágio.
Trabalhos na barcaça russa.

Sem a balsa, fundeada no local do naufrágio, bem em cima de onde está o Mar Sem Fim, não há como dar suporte aos mergulhadores que usam equipamentos pesados como compressores para as dragas, enormes aspiradores para retirar os sedimentos, etc.

Já estamos no fim do mês e o progresso é lento. O melhor período para o trabalho é janeiro. Em fevereiro as condições de tempo começam a piorar. Março, então, nem pensar. E o Felinto Perry tem uma autonomia de cerca de um mês…

Don Francisco insistia em continuar dragando o leito do mar, tentando abrir um túnel, e então passar as faixas na ponta das quais as boias serão instaladas, depois infladas, para trazer o barco à tona.

Preparando a câmera antes do mergulho.

Mas, se o fundo do mar é de pedra, a tarefa se torna impossível.

A gente pode admitir tudo nesta viagem. Menos o insucesso.

Surgiu o Ás de copas.

O Comandante Luiz Felipe, que acompanha tudo de perto, pediu uma reunião ontem de noite. Participaram eu, Plinio, don Francisco, o próprio Comandante e alguns de seus oficiais.

Com muito tato, ele sugere um plano B. Pela enésima vez assistimos o vídeo do Mar Sem Fim naufragado, feito em dezembro pela equipe de don Francisco. Em seguida analisamos as plantas do barco, fotos, procuramos  soluções alternativas.

Se não dá pra passar as faixas por baixo do casco, que tal pelas vigias? Elas são como janelas de carros: simétricas, colocadas dos dois lados do costado. E não há barreiras internas impedindo que atravessem o interior do barco e saiam pelo outro lado.

Depois, é só colocar as boias em cada uma das pontas, inflar, e esperar que o casco “desgrude”  do leito onde está desde abril.

Veja fotos do barco com as vigias assinaladas.

As vigias por onde passarão as faixas.

Este é o plano que será implantado a partir de hoje. Don Francisco, vencido pelas evidências, aceitou a sugestão.

Esta manhã além de sua equipe, mergulharam  dois oficiais de bordo: o Capitão de Corveta Kristoschek, e o Capitão Tenente Wellington. Como  já contei, o Felinto Perry é um navio de socorro a submarinos. O que não falta a bordo são experientes mergulhadores e equipamentos especiais.

12 horas.

O mergulho da manhã terminou há pouco. Os oficiais do Felinto Perry confirmaram

as suspeitas. A faina tende a demorar  e pode não dar certo.

Amanhã devemos partir para o plano B, o Ás de Copas, que estava na manga do Comandante Luiz Felipe.

Os mergulhadores do Felinto Perry levaram uma de nossas câmeras submarinas e gravaram imagens do Mar Sem Fim.

Acabei de assistir. A claridade da água é total, parece piscina. O cenário, desolador. O barco está coberto de musgo. Onde era branco, agora é verde escuro, com tendências ao marrom.

A estrutura do casco e convés parece em bom estado mas, detalhes como guarda- mancebos, janelas e portas, e outros, sofreram bastante. Alguns se partiram, outros entortaram.

A esmagadora compressão do gelo, anabolizado por um vendaval com mais de cem quilômetros por hora, deixou cicatrizes medonhas.

O Mar Sem Fim aprisionado. Foto de Ruslan Eliseev.

Pra quem não lembra, basta olhar esta foto do Mar Sem Fim aprisionado pelo gelo.

Não sei se terei coragem de fotografar o barco quando ele vier à tona.

A figura que vi é tão triste, deformada pelo gelo e a permanência submarina, que me fez lembrar o velório de pessoas mortas em desastres, ou crimes, quando os parentes velam o corpo com o caixão fechado a fim de pouparem a audiência das cenas macabras.

Doeu demais.

Hall de entrada da base chinesa. Aqui deixamos as botas e colocamos chinelos.
As máscaras.

Mas chega de  horror.

Ontem foi um dia divertido. Descemos em terra para gravar imagens dos lugares onde eu, Plininho, Alonso e Manoel, ficamos hospedados quando, forçados pela situação extrema em 2012, tivemos que abandonar o Mar Sem Fim.

Manoel., Plinio, Eduardo Rubilar Mancilla, Alonso e eu. Abrill, 2012.
Sala da base Fildes onde ficávamos papeando.

O quarto onde dormimos, a sala de estar onde passávamos a noite conversando, o hall de entrada da Capitania onde a equipe de imprescindíveis chilenos, comandada pelo amigo Eduardo Rubilar Mancilla, se perfilou e cantou Aquarela do Brasil em nosso último momento em Rei George, foram revisitados.

Na cabeceira o Comandante Juan Villegas.

Depois, a convite do novo Comandante de Fildes, o Capitão Marcelo Juan Villegas, almoçamos na base: empanadas de entrada e uma deliciosa “casuela” como prato principal.

Os chilenos continuam a nos tratar com carinho e deferência. Com se fôssemos velhos amigos.

Antes do almoço fomos até a base chinesa Great Wall, que fica numa baía ao lado de Fildes, para gravar cenas do entorno e interior da base.

Um dos muitos prédios de Great Wall.
Detalhes da decoração do interior.
A cada cabide corresponde uma máscara.

Minha idéia, neste documentário, é revisitar todos os cantos em que estivemos quando o Mar Sem Fim afundou no ano passado. Com a ajuda de fotos pretendo relembrar a derradeira viagem, nosso resgate, o afundamento do barco, a evacuação para Punta Arenas, ao mesmo tempo em que mostro a viagem atual cujo objetivo é retirar os escombros, respeitando as regras do Tratado Antártico, e encerrando esta página dolorosa de minha vida.

O Felinto Perry ao largo de Fildes.

Como em abril do ano passado estivemos em Great Wall, conversando com o chefe da época, Wang Li, retornamos ontem.

Mais uma vez fomos recebidos com simpatia. Mas os “chinos”, como dizem os chilenos, mal falam inglês. Apenas sorriem e nos servem chá, café, sucos, etc.

A comunicação corre por conta do “ antártico” , idioma que mistura gestos, boa vontade, e um pouco de cada língua falada nas nove bases diferentes de Rei George: as do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai  e Peru, pela América do Sul. Polônia e Rússia, representam a Europa, e as da China e Koreia em nome da Ásia.

Ontem nevou muito o que impediu que gravássemos cenas externas.

Vamos tentar novamente logo mais.

Às 14hs 3O desceremos em terra. A rotina tem sido esta: ao desembarcar vamos direto para a Capitania, de onde passo o material para alimentar o site.

É sempre complicado. O computador fica na sala de rádio da base. Enquanto passo matérias ouço o Ary Rongel chamando o Felinto Perry. Os chilenos do mar, conversam com os do ar. Ontem havia trânsito aéreo por aqui. Além da chegada de um avião da FAB, trazendo uma nova equipe, havia outros, chilenos, aparentemente em exercício.

Enquanto isto, o computador prega peças. A cada dia uma novidade. Quando tudo está colocado ele “dá tíltes”, e desliga tudo de uma vez. Tenho que recomeçar.

Por ser equipamento militar, o computador não dá acesso às redes sociais, twitter, e que tais. Não consigo sequer ver minha página normal de e- mails.

Felizmente consigo abrir  a página de administração do site, por onde passo texto e fotos.

Pra piorar, meu celular de São Paulo, habilitado para falar no Chile, faz, mas não recebe ligações. Não me pergunte por quê.

A Antártica é uma babel, curiosa, interessante, mas difícil. Tudo por aqui é mais complicado. E temos que nos adaptar.

Amanhã tem mais.

 

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