Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara, uma boa surpresa
Área de Proteção Ambiental Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara
“Área de Proteção Ambiental”, ou APA. Em termos das Unidades de Conservação é a mais permissiva entre os 12 tipos existentes no Brasil.
Estação Ecológica, ou ESEC. Entenda:
Área que tem como objetivos a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. Só é permitido o uso indireto dos recursos naturais, ou seja, apenas a utilização que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição destes recursos. É proibida a visitação pública, exceto se com objetivo educacional, conforme definir o Plano de Manejo ou regulamento específico desta categoria de Unidade de Conservação.
APA de Guapimirim:
CARACTERÍSTICAS:
BIOMA: Marinho Costeiro
Municípios: Magé, Itaboraí e São Gonçalo, no estado do Rio de janeiro.
ÁREA: 13.926,6200 hectares
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec nº 90.225 de 25 de setembro de 1984
Tipo: Uso sustentável.
Plano de manejo: a unidade tem plano de manejo.
ESEC da Guanabara:
BIOMA: Marinho Costeiro
Municípios: Guapimirim e Itaboraí, no estado do Rio de Janeiro.
ÁREA: 1.936,23 hectares.
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 15 de fevereiro de 2006
Tipo: Uso sustentável: Proteção Integral.
Plano de manejo: pronto desde 2012.
A importância da Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara
A Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara talvez seja a mais importante Unidade de Conservação federal do Rio de Janeiro. Ela protege a última porção de manguezal ainda não destruído, ou super poluído, da baía de Guanabara. A Unidade de Conservação começou como uma APA, em 1984. Depois, ao perceberem a importância da UC, e a fraqueza das APAs, categoria extremamente permissiva que, na minha opinião, não deveria existir em razão de sua inutilidade, a mesma área foi decretada como Estação Ecológica (ESEC) em 2006. As ESECs são mais restritivas.
A decadência da Baía de Guanabara, cartão postal carioca e brasileiro, é o mais gritante exemplo do pouco caso que nutrimos em relação ao espaço marítimo. Simultaneamente, é exemplo perfeito de nossa capacidade de destruir os belíssimos cenários da costa brasileira.
A baía de Guanabara foi uma das responsáveis pela fama da beleza selvagem brasileira que perdura até hoje.
Os europeus e a chegada ao Brasil via marítima
Até meados do século XIX a única forma dos europeus chegarem ao Brasil era a via marítima. Imagine a monotonia duma travessia oceânica quebrada subitamente pela imponência do Pão de Açúcar: uma esplêndida torre de granito, 800 metros de altura de pura rocha, brotando em meio às muitas montanhas que cercam a baía. Todas cobertas de Mata Atlântica.
Topografia exótica dos trópicos
Não bastasse a topografia exótica dos trópicos ser a “porta de entrada ao novo mundo” para o deleite de viajantes curiosos, dezenas de praias, das mais bonitas que temos, fazem o contraponto ao nível do mar. Livres da concorrência de prédios (naquela época distante…), com sua beleza elas convidavam o viajante a pisa-las, como se fosse um elegante tapete branco estendido para dar-lhes as boas-vindas. Para completar o cenário paradisíaco a baía era toda cercada pela mais exuberante das florestas: Mata Atlântica e seus ecossistemas associados como o manguezal.
Até baleias frequentavam as águas da Guanabara, como atestam diversas gravuras de pintores viajantes registrando sua pesca.
Espalhada ao redor, crescia a cidade do Rio de Janeiro.
A generosa receita encantou por séculos os recém chegados emprestando ao Brasil a fama de “beleza exótica”, e dando ao Rio o epíteto de Cidade Maravilhosa.
Quinhentos anos depois…
“Parece o final dos tempos” disse-me o presidente da colônia de pesca Z 13, de Copacabana, Ricardo Mantovani, (entrevistado quando fiz a primeira série de documentários para a TV Cultura, em julho de 2006) referindo-se à qualidade da água da baía de Guanabara.
Até a cor mudou. Em vez de azul e verde, a água de nossos dias tem tons da cor marrom. O cheiro é de diesel, e tem aspecto leitoso.
A mata atlântica, especialmente o manguezal que cercava suas margens, cedeu lugar a favelas, duas refinarias de petróleo,16 terminais marítimos, diversos estaleiros, oficinas clandestinas, etc. Nove milhões de pessoas vivem em seu entorno, a grande maioria em condições subumanas.
O que sobrou do mangue nem pode ser chamado assim. É na verdade uma mistura de mangue com plástico, toneladas de plástico.
Este conjunto que circunda a baía produz milhões de litros de esgotos não tratados que vão parar em seu interior .
De acordo com o IBGE de 1991, na bacia da Baía de Guanabara existiam, naquele ano, 1.020.000 de pessoas habitando zonas faveladas ( Fonte: Baía de Guanabara- Biografia de uma paisagem, ed. Andréa Jakobsson, pag 135).
A cada segundo 15 mil litros de esgotos não tratados são despejados na baía de Guanabara
(fonte: Baía de Guanabara- Biografia de uma paisagem, ed. Andréa Jakobsson, pag 203). Quinze mil litros de esgoto por segundo equivalem ao conteúdo de 685 piscinas olímpicas por dia ( Fonte: idem anterior)
Ajuda das marés
Mesmo com a ajuda das marés, que trazem água mais limpa do mar, duas vezes por dia, ajudando a minimizar o problema, a Baía de Guanabara é um dos locais mais poluídos da costa brasileira.
O entorno, outrora idílico com suas montanhas em formatos distintos e incomuns, e da floresta que cobria cada palmo de terra, foi massacrado. Para cada morro corresponde uma favela. Não importa a inclinação. A lateral dos morros hoje está coberta por casebres, um atrás do outro numa fila interminável. A situação se repete em qualquer lado que se olhe.
O que mais me incomoda não é tanto a situação atual da Baía, mas o silêncio da população, e a omissão das autoridades.
O assunto é muito sério. A baía faz parte do cenário dos cariocas, está no seu quintal, puro cotidiano.
Manter esta imundície custa caro
Manter esta imundície custa caro, talvez tanto, ou mais, que o investimento necessário à sua despoluição. Ao contribuir para a proliferação de inúmeras doenças entre as quais a diarreia infantil, consome inutilmente o dinheiro de nossos impostos. Por ano cerca de duas mil crianças morrem desta doença no Brasil.
Em 2006, portanto nove anos atrás, fiz um documentário sobre a baía. A poluição já estava no auge, os pescadores artesanais, desesperados mas, tirando este grupo profissional, e alguns ambientalistas, não vi reação à altura do desafio.
Navios lavavam seus porões dentro da baía! Ricardo Mantovani, presidente da colônia de pesca que fica no Posto Seis, em Copacabana, foi taxativo: ninguém quer comprar o pescado impregnado com cheiro de óleo diesel!
Alguém duvida que a prática persista até hoje?
Já naquela época Ricardo, interessado direto na limpeza, denunciava:
o trabalho de despoluição não está surtindo efeito, é uma pena o governo não se empenhar mais.
Mesmo depois de tanto tempo a situação piorou. O Rio desistiu da limpeza da baía.
Estamos nos acostumando à barbárie. Isto é fatal. Uma democracia exige participação popular. Não é opção, nem facultativo. É obrigação, o motor do modelo. Sem ela, sem a pressão da opinião pública, obras caras que “não rendem votos por não serem vistas” , como reza a lenda sobre o caso do saneamento, não saem do papel.
Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara e a formação do manguezal
Há dezenas de rios que deságuam na baía de Guanabara. A maioria nasce na serra, entre as árvores, desce até a planície costeira, depois segue seu curso até a foz no lado oeste da baía. Quando se aproximam da água do mar surgem as condições ideais para o mangue substituir a mata atlântica. Ele abraça as margens dos rios formando corredores cobertos que, ao dar na baía, se espalham para os lados como uma “arquibancada”, cercando quase toda a Guanabara.
Sua função no ecossistema é múltipla: protege a costa contra erosão, suas raízes aéreas são ao mesmo tempo, substrato para ostras, tipo de filtro que ajuda a limpar a água do estuário, e habitat de inúmeras espécies de peixes.
As copas, além de retirarem dióxido de carbono da atmosfera, contribuindo para minimizar o efeito estufa, são o habitat de grande variedade de aves. Em suas entranhas, enterrados no lodo entre raízes, milhares de caranguejos cumprem a maior parte de seu ciclo de vida.
Parte significativa deste mangue foi derrubada
Uma parte significativa deste mangue foi derrubada para dar lugar às grandes cidades, como Rio e Niterói, ainda no século XIX com a chegada da família Real e as primeiras reformas urbanas sofridas pela cidade.
Outra parte, no fundo da baía, levou mais tempo para ser ocupado. Mas, com o passar dos anos e o crescimento da população, o processo de industrialização, e a migração em busca de trabalho nos grandes centros na primeira metade do século XX, parte do manguezal transformou-se nas favelas de hoje. O que sobrou sofre os efeitos da poluição.
Companhia Siderúrgica Nacional
Em seguida veio a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional. Depois foi a vez da Petrobras, provocando a construção das refinarias instaladas nas margens da baía. Mais um golpe no mangue!
As imensas obras trouxeram consigo outro incômodo: milhares de trabalhadores. Era preciso espaço para alocar esta gente. O mangue, mais uma vez, “foi chamado para contribuir”.
A Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara
Sobrou um pequeno pedaço no município de Magé. É justamente esta parte, com 13 mil hectares, que se tornou Unidade de Conservação desde 1984.
Parece outro mundo quando você penetra esta UC. O manguezal é maravilhoso. Forma túneis perfeitos em diversos canais (todos os rios da região tiveram seus cursos alterados nos anos 40) onde bandos de garças, colhereiros e biguás, são comuns. Eles estão pousados em cada curva. E levantam voo em nossa passagem. Enquanto isso Martins-pescadores dão constantes rasantes na proa da canoa.
Zigue-zague pelos rios Guaraí-grande e Cassiribu, na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara
O zigue-zague continua pelos rios Guaraí-grande e Cassiribu, até que chegamos ao fundo da baía de Guanabara. Na nossa proa, lá longe, a ilha de Paquetá. Entre nós e a ilha, mais de 150 currais de peixes, como aqueles usados no Lagamar. É incrível que ainda se pesque na Guanabara. Ao navegarmos em direção à Paquetá percebo centenas de peixes mortos, boiando. Pergunto o motivo aos chefes, Maurício e Klinton. Eles explicam que
ninguém sabe o porquê da morte das savelhas.
O pessoal das Universidades já está coletando água e peixes para exames.
Não tenho dúvidas que a causa é antrópica, resta saber qual. Na questão de pessoal e equipamentos, a UC tem o mínimo: cinco analistas, incluindo os chefes, quatro carros e quatro lanchas (com motor de popa).
Número ideal de funcionários na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim/Estação Ecológica da Guanabara: dobrar a equipe atual
Segundo as chefias o número ideal de funcionários, para o tamanho da área e complexidade do trabalho, seria dobrar a equipe atual.
Mas ao finalizar, Klinton, chefe da UC, diz que
a sociedade precisa saber que dez pessoas não são suficientes para garantir a integridade do que resta de íntegro na baía de Guanabara. Ela deve entender que as UCs são fundamentais para a preservação em geral. A sociedade precisa participar, cobrar o poder público para que invistam em saneamento, coleta de lixo, etc
Outro entrevistado, o ambientalista Axel Smidth Grael, presidente da fundação Projeto Grael, declarou:
o problema é de governança (das obras), há muita gente graúda envolvida, como a Marinha do Brasil, a companhia de transporte de passageiros de Niterói para o Rio, o pessoal da pesca, etc. Falta pulso. O projeto de despoluição é como uma orquestra sem Maestro. Há enormes discrepâncias entre os municípios. Niterói está próxima dos cem por cento de esgotos tratados, mas dezenas de outros municípios não saem do zero…o Brasil só vai funcionar quando tivermos políticas claras de regulação.
Segundo Grael até o enunciado do projeto é confuso.
O compromisso é despoluir 80%. Mas 80% de quê?
Cético, finaliza o bate-papo com um petardo:
não vamos atingir os índices em 2016.
ICMBio – máquina de moer gente boa?
Preciso achar tempo para ir a Brasília conversar com a direção do órgão e verificar se é mesmo verdade que a “máquina ICMbio”, por sua burocracia e falta de ação, “é a mais perfeita máquina de moer gente boa”, como me foi dito por um ambientalista, e empresário da área do turismo, em Santa Catarina.
SERVIÇOS
As APAS são abertas ao público. É possível a visitação em qualquer época do ano.
Para maiores informações consulte: COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR8 – Rio de Janeiro
Chefe da Unidade: APA DE GUAPI-MIRIM/ESEC GUANABARA – Maurício Barbosa Muniz –
mauricio.muniz@icmbio.gov.br – Tel. (21) 2633-0079
Assista ao documentário que produzimos durante a visita à APA de Guapi-Mirim e ESEC da Guanabara