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Abertura de canal na Lagoa dos Patos é ‘solução mágica’

Abertura de canal na Lagoa dos Patos é ‘solução mágica’

Alguém já disse que o papel aceita tudo. Diríamos que discursos políticos apressados, também. Foi o que aconteceu logo depois do início da tragédia no Rio Grande do Sul, mais que anunciada diga-se, por parte do ministro da Casa Civil, Rui Costa em 14 de maio. No afã de ‘prestar solidariedade’ o  ministro disse que ‘o governo vai iniciar estudos’ para a construção de um canal de 20 km entre a lagoa dos Patos e o oceano. Na verdade, a lagoa é uma laguna já que é aberta para o mar. Entretanto, é inacreditável que depois da maior tragédia ambiental do Brasil ainda em andamento, certos políticos queiram aproveitar o drama para ‘fixar seus nomes’. Não nos esqueçamos que temos eleições este ano. Outra estratégia é plantar o diversionismo para camuflar  a omissão do poder público quanto ao aquecimento global. De onde Rui Costa tirou este absurdo com ’20 km de extensão’, ninguém sabe.

O litoral não suporta amadorismo

Numa situação de calamidade pública como a que vive o Rio Grande do Sul,  ‘balões de ensaio’ lançados por ministros de Estado ganham projeção imediata nas mídias sociais já intoxicadas por fake news. Entretanto, eles nada acrescentam. Mas tiram o foco da questão imediata: salvar a população e recuperar o Estado.

Felizmente, antes da notícia ganhar mais espaço diversos cientistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), e do Instituto de Biociências (IBIO) da UFRGS,  vieram a público apontar as consequências da proposta.

Assim, a intenção deste post é ajudar a projetar a opinião de quem pode deve dá-las em momentos como este: a ciência.

‘Uma solução mágica’

Segundo o g1, o vice-diretor do IBIO, Luiz Malabarba, considera a proposta “uma solução mágica”, e diz que a medida pode causar ao menos três frentes de impacto: a salinização da água, a erosão do solo e ameaçar as espécies que vivem no ecossistema da região”.

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Os pescadores artesanais estão por toda parte, mesmo defronte à capital. Acervo MSF.

“Isso é o tipo de busca de uma solução mágica em um momento de crise. Nós não podemos fazer isso. Abrir um canal pode ter impactos muito piores do que a gente está vendo. Pode provocar uma mudança no sistema natural de uma lagoa que é extremamente importante”.

Já para o IPH, ainda segundo o g1, a proposta provocaria “efeitos negativos sobre o ambiente, a sociedade e a economia, afetando navegabilidade e a produção agrícola” e que esse tipo de obra exigiria estudos detalhados’.

Três portos, abastecimento hídrico, pesca artesanal, e a cultura do arroz

Há três portos que utilizam a Laguna Guaíba como entrada, o porto de Rio Grande o de Pelotas, e o de Porto Alegre. Imagine o caos se a laguna, cuja profundidade média é de 2 metros com o canal de navegação atingindo 12m, assorear de vez? Fora o abastecimento hídrico, a diluição de águas residuais (como esgotos), recreação, pesca e navegação.

Acervo MSF.

Mas há mais. Para o prof. Luiz Malabarba a salinização da lagoa é um dos maiores riscos. “Abrir outro canal na Lagoa dos Patos vai salinizar outras porções da laguna. Modificar esse fluxo de passagem de água doce e água salgada pode salinizar a parte norte, não podendo ser utilizada, por exemplo, na irrigação de arroz.”

‘Vai provocar uma erosão incontrolável’

“Se abrir um canal, o fluxo de água vai provocar uma erosão incontrolável. Não é uma obra de escoamento, seria uma obra gigantesca, não só para construir o canal.”

Questionado pelo g1 o ministro se esquivou. Primeiramente, estudos serão feitos para analisar a viabilidade e benefícios da obra, afirmaram os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Renan Filho (Transportes).

Porto de Pelotas. Acervo MSF.

O portal UOL ouviu outro especialista, Fernando Mainardi Fan, do IPH-UFRGS (Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que afirmou que uma obra assim pode gerar consequências econômicas e ambientais à fauna e à flora da região.

Fernando Meirelles, Doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e professor do IDH, é outro cientista a participar do debate. Segundo a gauchazh, Meireles declarou que ‘a possibilidade é de 0,01%. Hidraulicamente, o sistema está equilibrado na barra do Rio Grande, que não é o motivo da inundação. Chance quase nula. Mas se for para simular, a gente simula — explica’.

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Meirelles afirmou ainda que ‘a barra está dando vazão à água e não mudaria a situação em Porto Alegre’. A enchente atingiu a zona sul do Estado mais de uma semana depois de ter engolido a Capital. Ele ressalta que um novo mapeamento do Guaíba será essencial para entender como proceder.

O fim da pesca da tainha?

A laguna dos Patos é o maior criadouro para tainhas da costa brasileira, e a ‘solução mágica’ de Rui Costa et caterva pode acabar de vez com a atividade, além de prejudicar a pesca de camarão tão comum no corpo d’água.

Por muito tempo os pescadores não poderão trabalhar. Acervo MSF.

Instituto de Biociências (IBIO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) destaca outros quatro pontos (leia aqui a íntegra a nota da Universidade).

1 – Outro canal não garante o escoamento, pois este depende do nível das marés, condições  climáticas e regime de ventos, como já ocorre no canal de Rio Grande.
2 – Outra ligação com o mar pode diminuir a vazão de água e assorear o canal em Rio Grande, prejudicando a circulação de água e a navegação.
3 – Toda a produtividade pesqueira de camarões, tainhas, bagres, e outras espécies dependem do ciclo natural de entrada de água do mar que regula a salinização na porção sul da laguna e da livre passagem pelo canal de Rio Grande.
4 – A abertura de outro canal mais ao norte pode proporcionar a salinização da porção norte da laguna, impedindo o uso da água da laguna na produção de arroz e outros usos em vários municípios que margeiam a laguna dos Patos.

O IPH também divulgou nota à população onde reforça que, ‘tecnicamente, a abertura de uma nova barra envolve riscos elevados: erosão das praias; salinização do Guaíba e da Lagoa do Casamento; efeitos negativos sobre o ambiente, a sociedade e a economia, afetando navegabilidade e a produção agrícola. Além disso, há que considerar que esse sistema teria elevados custos de implantação e manutenção, com operação complexa’ (neste link a íntegra da nota).

Talvez Rui Costa não saiba, mas no entorno do Guaíba  há cerca de 2.211.921 habitantes. A região concentra 2/3 da população do Estado, 30% da área e 70% do PIB. E esta gente, juntamente com quase toda a população do Estado, já sofreu demais por incúria do poder público. Portanto, não é hora de bombardeá-los agora com…’soluções mágicas’.

Pedido de impeachment contra o prefeito de Porto Alegre Sebastião Mello

A Folha de S. Paulo, via o jornalista Fabio Victor, noticiou em 24 de maio que ‘um pedido de impeachment do prefeito Sebastião Melo (MDB) foi protocolado na última quinta (23) na Câmara dos Vereadores de Porto Alegre por Brunno Mattos da Silva, secretário-geral da Uampa (União das Associações de Moradores de Porto Alegre) e integrante da Juventude do PT na capital gaúcha, por negligência no cuidado das estações de bombeamento e do sistema de drenagem urbana da cidade’.

Ao nosso ver um pedido de impeachment justo deveria abranger, também, os governadores do Estado, deputados e senadores pelo Rio Grande do Sul inclusive os do PT, e os presidentes, desde no mínimo 1990. Porque foram tão, ou mais, negligentes, quanto o prefeito.

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Para este site, ou todos os responsáveis dividem a culpa pela indiferença ou o pedido de impeachment está será considerado apenas mais uma manobra ‘diversionista’, politiqueira, e demagoga de um partido político. Não abrimos mão de esclarecer o público, em especial o gaúcho, de que desde pelo menos 1990 quando começaram a soar mais fortes e frequentes os alertas dos cientistas patrícios, quase nenhum destes cidadãos deu atenção. Que algum leitor publique qualquer ação destes ‘políticos’, e são centenas, sobre planos de mitigação aos eventos extremos desde 1990 até este fatídico 2024.

Não vão encontrar.

Entrevista do Estadão com Carlos Nobre

Assim, para nos ajudar a refletir sobre o que está por trás desta tragédia hedionda, além da omissão quase total do poder público, e o que o Brasil tem a fazer daqui pra frente, é oportuno ouvir a entrevista de Calos Nobre para o blog Dois Pontos, do Estadão.

Lembre-se, temos eleições em 2024

Você ouviu o recado de Carlos Nobre sobre a importância dos eleitores escolherem pessoas comprometidas com o meio ambiente. É neste momento que todos nós nos encontramos, sem exceção. Lembre-se, no dia 6 de outubro, primeiro turno das Eleições Municipais 2024, estarão em disputa os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em mais de 5,5 mil municípios do país. Escolha cuidadosamente, não dê o seu voto à toa. Por fim, para mitigar o aquecimento global todos nós podemos agir, não basta esperar que só os políticos o fazem. Todos somos responsáveis.

O filme abaixo, legendado, simula uma conversa da Terra com os terráqueos, sobre o que eles (ou nós) podem fazer para ajudar. Veja que interessante. É um vídeo da ONU para comemorar o 5 de junho, dia mundial do meio ambiente.

Ilhas Cook na vanguarda da mineração submarina

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